Análise Arkade: Compreendendo a psique humana em Firewatch

26 de fevereiro de 2016

Análise Arkade: Compreendendo a psique humana em Firewatch

Um dos jogos mais aguardados do início de 2016 finalmente foi lançado e agora você pode conferir a nossa análise completa do primeiro jogo da Campo Santo, Firewatch!

Logo após Henry chegar em seu novo lar provisório no meio da região selvagem de Wyoming, uma mulher o chama pelo walkie-talkie. Seu nome é Delilah e é sua nova supervisora. Henry nota que ela está um pouco alterada pelo álcool que havia ingerido antes. Se sentindo menos envergonhada graças a bebida, Delilah pergunta qual é o problema que Henry está passando por ter assumido o solitário e aparentemente tedioso trabalho de manter a floresta livre de qualquer perigo, argumentando que quem pega este trabalho está fugindo de algo. Henry evita a pergunta invasiva e continua sua conversa com Delilah sem mencionar o porquê de estar lá, fazendo piadas para quebrar o gelo. Depois de uma rápida conversa, Henry finalmente dorme para começar o seu primeiro dia neste novo trabalho.

O grande ponto deste diálogo inicial é que tanto Henry quanto Delilah pegaram este trabalho justamente para evitar seus problemas, e quem sabe encontrar um pouco de paz no meio de tanta turbulência em suas respectivas vidas. E este conflito é uma das raízes onde Firewatch se mantém firme como um jogo tocante, bem pensado e acima de tudo, natural.

Análise Arkade: Compreendendo a psique humana em Firewatch

Henry, conheça Delilah

Desenvolvido pela Campo Santo, Firewatch conta a história de Henry, um homem que possui o trabalho de olhar e proteger uma das regiões selvagens de Wyoming para impedir possíveis incêndios florestais e qualquer outro tipo de perigo. No entanto, o motivo que Henry pegou este trabalho é porque sua esposa, Julia, começou a desenvolver um certo tipo de demência e está cada vez mais errática a ponto de ter que viver com seus pais em Sidney.

Desolado, Henry encontra o emprego perfeito para contemplar sua solidão na vasta e quieta região. Isto até que ele conhece sua supervisora, Delilah, uma mulher que já está neste trabalho há muito tempo e conhece tanto o local quanto as pessoas que decidem tomar a profissão.

Logo no inicio você nota os temas adultos e realistas que Firewatch aborda, a princípio temos elementos comuns e altamente relacionáveis com as nossas próprias vidas. Um relacionamento amoroso que começou a defasar e agora é somente um fragmento do passado, embates sociais que te colocam em extrema pressão e em busca de uma rápida solução, e uma simples conversa com alguém que te deixa confortável um com o outro. Quase todas essas interações são feitas com Delilah, sua supervisora, e é com ela que você irá reportar tudo que encontrar, o que leva para diversas interações sociais, desde conversas mundanas sobre o que você está fazendo no momento até pensamentos profundos e extremamente íntimos de seu passado, compartilhando confissões atrás de confissões. Isto se você quiser, é claro.

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O elemento mais importante de Firewatch é seu diálogo, componente desenvolvido de uma forma tão natural que torna o sistema de ramificações ainda mais impressionante. A dublagem possui um nível de qualidade que não é só alto mas extremamente real, Henry e Delilah possuem trejeitos, sotaques e maneiras de falar certas palavras, fugindo de uma dublagem mecânica e rebuscada para uma conversa cheia de falhas propositais que dão o tom perfeito ao jogo, mantendo a naturalidade em uma simples conversa entre dois indivíduos que possuem bastante experiência neste negócio de viver.

As fortes personalidades dos nossos protagonistas enfatizam um outro ponto bastante importante, mostrando que a história não é sua, o jogador, mas sim destes dois personagens. Diferentes de outros jogos movidos pelo enredo que promovem a liberdade de escolher o rumo da história de acordo com o que o jogador irá falar na hora de interagir com os NPCs, Firewatch se certifica que estes são personagens sábios que não irão mudar de opinião por causa de uma frase especial na lista de opções.Muitas vezes você também fica afastado no meio de tantos acontecimentos, somente levando Henry para o seu destino enquanto a história vai se desenrolando nas suas conversas com Delilah.

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Eu vejo este elemento como uma grande vantagem pelo que Firewatch pretende fazer em suas cinco horas de duração, logo na introdução — uma linda e tocante introdução, devo acrescentar — Firewatch te coloca muitas vezes no seu lugar como observador, salvo algumas das escolhas estéticas e significantes que são levadas até o final do jogo, este início também mostra o que você possui e entende de Henry em seu passado áureo.

E isto se estende ao que você irá dizer para Delilah durante os seus dias trabalhando em Wyoming, você pode fazer com que seu Henry seja mais reservado, bem humorado ou uma mescla de comportamentos baseados nas diferentes situações que Firewatch te coloca, que por sua vez mostra como Delilah é um personagem tão importante quanto Henry, com suas ambições, problemas pessoais e um passado extremamente turbulento, dando vida para voz do outro lado do walkie-talkie e reações únicas diante aos problemas de Henry.

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Mas o que é Firewatch?

Para manter as conversas interessantes em torno de um enredo, Firewatch implementa uma história que move os nossos personagens e os motiva para os diferentes lugares do ecossistema que eles estão protegendo. E é bem aí que o game tropeça.

Vou fazer o máximo possível para não falar sobre a trama principal porque vejo Firewatch com os mesmos olhos que observou Gone Home, sendo um jogo muito mais interessante quando você entra nele sabendo o mínimo possível de sua história, deixando o próprio jogo e sua mente te influenciar.

No entanto, enquanto Gone Home faz um ótimo trabalho em manter uma história concisa, Firewatch vai pelo caminho contrário e se desvia de seu foco principal, correndo por trilhas alternativas que não fazem nada além de confundir o jogador em uma situação quase de brincadeira feita para te trapacear e induzir o seu pensamento para o erro. Em vários momentos me encontrei pensando em uma resolução que no final era falsa, trocando por uma outra possível solução que só te coloca em mais um caminho errado da história principal.

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E pode se argumentar que todos esses desvios são feitos para manter o mistério de Firewatch e sua surpresa para o último segundo possível, porém, existe uma grande diferença entre manter este mistério na sua cabeça enquanto o jogo te dá dicas sutis que não influenciam, como é feito em Gone Home, e te jogar ideias diretas que forçam a mudar de direção para tramas que simplesmente não existem, te enganando e te decepcionando, como acontece diversas vezes em Firewatch.

E não digo que a história de Firewatch é ruim, ela é bem construída e possui uma conexão forte com os personagens em questão, além dela fazer um belo trabalho em manter a tensão pelas situações delicadas que são impostas e que afetam Henry e Delilah durante o jogo. Porém, ela decepciona ao enganar o jogador e o distrair da trama principal, dando atenção a detalhes fúteis que afetam a sua mente e te colocam numa jornada bem diferente do esperado. Desta forma, o jogo se sustenta quase que totalmente pelo seu diálogo e não pela sua história, o que não é necessariamente péssimo mas deixa um gosto meio amargo de oportunidade perdida.

O bom é que Firewatch compensa este erro em praticamente tudo que aborda. Os artistas da Campo Santo, criaram um cenário repleto de detalhes que elevam o seu patamar visual e característico. Além da direção visual dos personagens que beira o cartunesco, o jogo segue confiante em retratar a região selvagem de Wyoming nos diferentes locais por onde Henry passa.

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A fascinante região selvagem de Wyoming

Temos uma densa e exuberante floresta cercando uma parte da região, uma área deserta que segue com um vão aberto entre essas pequenas montanhas para o frágil córrego seguir o seu caminho perto das cavernas, vastos lagos e rios que funcionam como um sistema nervoso ao passar por algumas das áreas mais importantes, e uma parte bastante especial que conta com árvores altas e bastante ameaçadoras acompanhadas de um calmo e reconfortante sol cercando o cenário, sempre presente em todos os momentos. E estas são somente algumas das áreas mencionadas, tendo muito para manter a exploração animada e nova aos nossos olhos.

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Detalhes é o que não faltam em Firewatch, cada livro encontrado se torna um item diferente que expande o universo do jogo, assim como todo panfleto, latas de cerveja, lanternas, locais e praticamente qualquer objeto em vista. A atenção aos mínimos detalhes mostra o árduo trabalho dos artistas em condensar uma época inteira dos Estados Unidos (o final dos anos 80) naquela área reclusa e solitária de Wyoming.

A maioria dos objetos podem ser manipulados de uma maneira bastante similar aos jogos de aventura da atualidade, como os da Telltale Games. Você segura o objeto e o analisa de acordo com o movimento de sua mão, podendo carregar e jogar em algum canto ou guardá-lo para depois, dependendo do item em questão. No quesito de exploração, Firewatch se inspira em Far Cry 2, onde você carrega um mapa físico em uma mão e uma bússola na outra.

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O jogo te dá uma ajuda na orientação, com o jogador aparecendo no mapa como um ponto vermelho e sua trilha mostrando o caminho que fez, servindo muito bem para não andar em círculos, além disso, o próprio Henry marca pontos importantes no mapa e faz anotações do que já aconteceu. Para os que gostam de um desafio maior, é possível desativar o ponto vermelho que te marca no mapa para trazer um lado mais imersivo e realista no jogo, já que assim você será guiado somente pelas indicações que Delilah faz.

Conclusão

Firewatch é um exercício fascinante que aborda naturalidade nos videogames. Diferente de outros jogos que possuem o mesmo conceito, como Dear Esther, Gone Home, The Vanishing of Ethan Carter e Everybody’s Gone to the Rapture, Firewatch procura trazer uma história mais crível e pé no chão; você não precisa lutar muito para encontrar lições de vida que irão te conectar de alguma forma, porque no final, o jogo está sempre falando sobre relações interpessoais que todos nós realizamos no dia a dia com pessoas que encontramos e com quem vivemos, criando conexões que podem ser fortes como barras de ferro ou frágeis como linhas de tecido.

Mesmo escorregando no desenrolar da história, Firewatch se mantém excelente em seu diálogo e em sua direção artística, que o tornam uma experiência agradável, tocante, e acima de tudo bastante inerente em sua mensagem sobre duas pessoas quebradas emocionalmente que estão procurando um pouco de conforto na afastada região de Wyoming, e eu não estaria mentindo ao dizer que me senti reconfortado por viver tudo isso na companhia de Henry e Delilah.

Firewatch está disponível para PC e PS4.

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