Análise Arkade – As engrenagens infernais de Amnesia: A Machine for Pigs (PC)

14 de setembro de 2013

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Encaramos o horror de Amnesia: A Machine for Pigs e trouxemos esta análise saída das fornalhas e túneis escuros do novo game da série. E aí, será que a sequência faz jus a um dos jogos mais horripilantes que já existiu?

Produzido em conjunto pela Frictional Games e The Chinese Room (Dear Esther), o aguardado Amnesia: A Machine for Pigs chegou aos PCs nesta terça-feira (10), trazendo de volta o suspense e atmosfera aterrorizantes do original, The Dark Descent.

Considerado por muitos um dos games mais assustadores de todos os tempos (com direito a lugar na nossa lista dos 10 melhores jogos indie de terror), o Amnesia original criou um novo padrão para o gênero, apresentando uma experiência quase insuportável de suspense, pânico e horror.

A Machine for Pigs é uma sequência “indireta” que traz uma nova história e se passa no mesmo universo do game anterior. O jogo está disponível no Steam por R$ 34,99. antes de começar, vamos rever um dos trailers que deixou muita gente ansiosa (e cabreira):

E aí? Será que o game faz jus ao nome? Acenda sua lanterna e acompanhe a gente conforme vamos cada vez mais fundo na desesperadora saga de Oswald Mandus.

Um pesadelo caprichado

Deixando o castelo sinistro de The Dark Descent e partindo para uma não menos sombria Londres de 1899, às vésperas da virada do século, em Amnesia: A Machine for Pigs, o jogador assume o papel do poderoso Oswald Mandus, dono de um verdadeiro império industrial.

Após uma viagem às ruínas de um povo antigo do México, onde contraiu uma terrível doença tropical, Mandus acorda, ainda febril e desorientado, na sua mansão na capital britânica. Neste ponto, tudo o que ele sabe é que, nas profundezas abaixo da sua mansão, seus filhos estão em grave perigo. Acontece que estas “profundezas” são nada menos que uma gigantesca “máquina”, parte da enorme fábrica da qual ele é dono.

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E há algo muito, muito errado com ela. Em estrondos que podem ser sentidos (e ouvidos, em alto e bom som) por todo o complexo, as engrenagens infernais rugem violentamente embaixo da terra, nos lembrando a todo momento que algo terrível está acontecendo. Guiado pelo amor aos filhos, por um estranho sentimento de culpa e pelos ruídos assombrosos do maquinário, Oswald parte em uma saga que vai cada vez mais fundo, não apenas nas instalações da fábrica, mas também na própria mente atormentada do protagonista.

A ambientação de A Machine for Pigs é tão ou mais caprichada e desoladora que a de seu antecessor.

Começando na Mansão Mandus, temos lustres, tapeçarias e móveis ricamente ornamentados se misturando à relíquias exóticas, animais empalhados e pinturas antigas de todos os tipos. O silêncio mórbido do local é quebrado ocasionalmente por tábuas rangendo, vozes fantasmagóricas (ou alucinações) e, para desespero do seu sistema nervoso, por portas que se abrem sozinhas, vultos e tremores aterrorizantes.

A partir daí, Oswald se vê cruzando armazéns e vielas desertas ao redor do casarão, em uma área que faz parte do seu complexo industrial. Mesmo nestes locais mais abertos, a sensação de estar sendo observado, caçado e/ou assombrado continua forte.

E, finalmente, o pai desesperado vai fundo nas entranhas da tal “máquina”, a gigantesca instalação subterrânea que ele mesmo criou. É uma espécie de inferno steampunk (que jamais exagera na “fantasia”), onde sombras de engrenagens e pistões em movimento dançam contra a luz trêmula de fornalhas, criando, em tempo real, uma ambientação digna de pesadelo, às vezes marcada por ruídos ensurdecedores de motores, jatos de vapor e faíscas elétricas e outras por um silêncio sufocante.

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A música também entra em cena, com qualidade excepcional, para ajudar a compor a atmosfera bizarra e imersiva do jogo, com sons de waterphones típicos de filmes de terror tocando desde óperas cantadas a pleno pulmão até singelas canções de ninar.

O game reserva várias surpresas quando se fala em ambientação. Não vamos entregar spoilers, mas já de cara podemos afirmar que seria fácil listar, de cabeça, dez cenas/ambientes memoráveis do jogo.

E, com este pano de fundo armado, é hora de encarar a escuridão.

A mecânica implacável do medo

Como no primeiro game, jogar A Machine for Pigs é uma experiência marcada por espiadas desconfiadas pelos cantos, longos suspiros preocupados e palavrões involuntários após sustos terríveis. Jogue da maneira certa (luzes apagadas e fones de ouvido) e os efeitos físicos ficam evidentes: mãos suando, costas arqueadas, ombros tensos, olhos arregalados e até dores de cabeça devido ao excesso de adrenalina.

Você sabe que o game está cumprindo sua missão quando, ao chegar a um porão escuro, cheio de jaulas, você pensa consigo mesmo: “Isso não vai ser nada bom” e a vontade de desligar o jogo e acender a luz vai parecendo cada vez mais atrativa.

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Há pessoas que descrevem o medo como “a expectativa de que algo extremamente violento e grotesco vai acontecer com você de maneira súbita e sem chances de defesa”. Esse sentimento não apenas é constante durante praticamente todo o jogo, como também parece ir ganhando cada vez mais intensidade a medida que Mandus avança em sua jornada macabra.

O receio quase insuportável que você sente quando explora estes ambientes não vem por acaso: o jogo cria medo e terror com inspiração em métodos de tortura, especialmente tortura medieval. Isso era explicado no gameplay comentado pelos devs de The Dark Descent e se aplica também nesta sequência: Primeiro o torturador explica à vítima, com detalhes, todos os procedimentos atrozes pelos quais ela vai passar, enchendo-a de medo e tensão, em seguida os tais “procedimentos” são de fato executados, lentamente.

Depois se pausa para que a dor passe um pouco, depois se inflige dor novamente e assim por diante… Esse modo de operação para tortura foi usado historicamente e ainda é usado até hoje e é justamente disso que Amnesia extrai sua fórmula: “tensão seguida de dor seguida de pausa seguida de dor, num processo repetido à exaustão…”.

A Machine for Pigs faz tudo isso, de forma metódica, somando a ambientação digna de pesadelo que citamos nos parágrafos anteriores ao level design e os eventos programados. Está vendo aquela porta ali, fechada? Vire de costas, olhe de novo e ela estará aberta, sem explicação. Objetos mudam de lugar, seres ameaçadores aparecem de relance, prometendo um encontro grotesco e violento e criando uma expectativa arrepiante, que fica cada vez mais intensa.

Por vezes, o game deixa o jogador “respirar um pouco”, apenas o suficiente para entender que o “conforto” é momentâneo e que logo terá que avançar novamente, indo de encontro aos seus piores medos. O game gera momentos de suspense e tensão de alto nível, a todo momento, e mostra como jogos podem superar até o cinema na hora de aterrorizar.

Sacrificando elementos de jogo

Comparando o game com o Amnesia original, a primeira coisa que os jogadores perceberão é que a jogabilidade está mais simples. Não há mais tochas que se apagam com o tempo. No lugar delas, entra um lampião elétrico, que está sempre à disposição.

O sistema de sanidade também foi cortado, uma pena, visto que a sensação de desespero de The Dark Descent vinha em boa parte dos efeitos de loucura que se abatiam sobre o protagonista, como a visão distorcida, insetos andando pela tela, movimentos involuntários e até desmaios.

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A interação com o cenário tem basicamente a mesma qualidade do anterior, porém parece mais limitada. A manipulação de objetos como portas, gavetas e manivelas usando o mouse se resume basicamente ao que têm relação com os objetivos do jogo. Acompanhando essa interação mais simples está o fim do inventário.

Agora, a única interface de apoio é o diário de Mandus, onde ele guarda cartas e notas encontradas no cenário e faz as suas anotações (uma forma de manter o jogador ciente da situação do personagem).

Os famosos quebra-cabeças que envolvem essa interação também estão de volta, porém se apresentam de forma mais óbvia do que o esperado. Em poucos casos é necessário pensar um pouco mais para resolvê-los e aqui A Machine for Pigs definitivamente fica atrás do original, mesmo tendo alguns desafios interessantes.

O game conta com criaturas terríveis, que representam na prática todo o medo que você está sentindo. Afinal, são elas as entidades capazes de espreitar, caçar e aniquilar Oswald.

Infelizmente,não é difícil evitá-las e, devido à bugs que encontramos, por vezes elas sequer matam o protagonista. Isso parece acontecer esporadicamente – não pense que as “coisas” que habitam A Machine for Pigs estão lá para serem abraçadas. No geral, os bichanos são bastante perturbadores, contando inclusive, com um papel bem mais importante neste do que no primeiro game.

Mas a sensação que fica é que esses monstros são mais aterrorizantes quando estão nos espreitando do que quando realmente aparecem. O medo pela expectativa é comum no gênero, mas o fato de que na prática elas não correspondem tanto à ameaça que prometem acaba quebrando um pouco o clima.

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Ao contrário de The Dark Descent, não há muitas situações nas quais você precisa improvisar para sobreviver, como quando você fazia das tripas o coração para fugir abrindo portas invertidas (quem lembra?) e encontrar um canto onde pudesse usar mesas e caixas para barrar as portas ou entrar em um armário e se esconder ali. Isso faz grande falta.

Para todo efeito, A Machine for Pigs é mais linear e menos desafiador que The Dark Descent. Porém, a ausência de certos recursos do original não tornam este game necessariamente pior. Eles são sacrificados para dar espaço a dois outros elementos: a história e o ritmo de jogo que, junto com a ambientação e a trilha sonora, são os grandes triunfos do game.

Rumo ao coração do terror

Desde The Dark Descent, os produtores já alertavam: “apague as luzes”, “use fones de ouvido” e “não se preocupe em morrer, tente entrar no papel do personagem”. Tudo isso tem um objetivo bem claro, que a The Chinese Room respeitou e executou muito bem: proporcionar o máximo de imersão na história e na experiência como um todo.

O enredo de A Machine for Pigs é muito bem construído. Tomado pela febre e pela preocupação sobre o paradeiro dos filhos, Oswald Mandus se lança em uma jornada que vai fundo em vários temas como culpa, poder, família e loucura. O game se passa no mesmo universo que o original, com algumas dicas sutis que fazem referência a ele.

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Gravações em áudio e notas espalhadas pelo cenário dão um toque à mais ao game, ajudando os jogadores a entender a história (para nossa sorte, o game conta com legendas caprichadas em português brasileiro) e absorver um pouco mais do rico contexto cultural e elaborado terror psicológico presentes no jogo.

Um personagem enigmático se comunica com Mandus em pontos-chave do game, dando-lhe um senso de direção mas também o convidando a resolver o mistério sobre o que se passa em sua fábrica. Devaneios e lembranças de diálogos o acompanham durante toda a história.

Outros dois aspectos, menos evidentes, enriquecem e muito a trama: a ideia de uma expedição à ruínas na selva e uma sutil crítica social.

Primeiro, o conceito de uma doença tropical, de povos primitivos e de rituais exóticos gera um contraste incrível com o cenário europeu e pretensamente “civilizado” onde o game se passa e fazem o jogador perceber que há uma ligação assombrosa entre os dois mundos, pelo menos no nível da mente humana. Segundo, o game traz uma velada mas interessante crítica histórica, questionando o preço do avanço industrial e o quanto ele cobrou da saúde e da sanidade das pessoas.

A boa construção do enredo e o senso de ritmo afiado atingem níveis épicos por volta do terço final do game (que dura algo entre 4 e 6 horas, dependendo do ritmo com que você joga). Mandus adquire uma postura não exatamente “destemida”, mas de desafio. Ele toma consciência sobre o que está acontecendo e esta súbita clareza o levará, custe o que custar, ao núcleo macabro da história.

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O jogador, junto com ele, tem a sensação de ser recompensado por ter encarado todo o horror ao qual foi submetido. Aqui, a sincronia entre o personagem digital e o ser humano real que está jogando A Machine for Pigs é nada menos que brilhante, digna dos melhores games que há por aí, com direito a momentos espantosos e deslumbrantes ao mesmo tempo.

Finalmente no “coração” da máquina infernal, Oswald Mandus e jogador passarão por alguns dos segundos finais mais memoráveis da história recente, graças à trama bem amarrada, à ambientação caprichada e aos efeitos sonoros de alta qualidade do game.

Conclusão

Apesar de apresentar algumas falhas técnicas ocasionais, como o jogador ficando preso entre caixas ou partes do cenário e precisando recorrer a um save anterior, no final da jornada o que se destaca é o esmero e a inteligência com que os elementos do jogo foram amarrados: tudo é apresentado com intenção de construir uma experiência horripilante de terror e funciona muito bem em conjunto.

Por fim, Amnesia: A Machine for Pigs se dá ao direito de não ser só uma “máquina de sustos”. E isto é ótimo. Um pouco mais de ousadia na hora de aterrorizar e desafiar os jogadores com certeza seria muito bem-vinda (e tornaria o game uma verdadeira obra-prima do gênero) mas, ainda assim, o ótimo enredo, o ritmo de jogo impecável e a atmosfera desconcertante fazem deste um dos melhores lançamentos para PC do ano e uma pedida obrigatória para quem curte uma boa história de horror.

Obs.: Esta análise conta com as impressões e opiniões do colaborador Dayan Valente, do leitor Alessandro Silva e dos camaradas Áureo de la Cruz Guerra e Vitor Stapassoli. Valeu a todos por encararem o horror com a gente!

Daniel Zimmermann

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