Arkade Series: A excelência negra de Luke Cage

16 de outubro de 2016

Arkade Series: A excelência negra de Luke Cage

Hora de vermos qual é a do próximo Defensor da Marvel, o Power Man e herói de Harlem, Luke Cage! Confira a nossa análise da mais nova série produzida pela Netflix.

O maior problema de Luke Cage é fazer parte do universo da Marvel. Não necessariamente pelos dos motivos que já estamos acostumados de ver em um filme ou série que faça parte do Universo Cinematográfico da Marvel, mas sim pelo que Luke Cage representa e aborda, destoando de tudo que assistimos até agora nesta retratação contemporânea de heróis da Marvel e quebrando expectativas dos fãs assim como Luke faz com as paredes que ele encontra.

Não que Luke Cage seja uma série perfeita ou mal compreendida pelos que estavam sedentos para acompanhar a saga do próximo Defensor, tenho que informar que a série tem problemas sim. Porém, é justamente a sua representação que a faz ser tão interessante, original e fascinante. Mas vamos começar do começo.

SWEET CHRISTMAS!

Luke Cage continua o arco desenvolvido em Jessica Jones e coloca o nosso herói vivendo uma vida pacífica no Harlem como varredor de cabelo e faz tudo na barbearia do Pop. Logo de cara vemos como que o foco da série é diferente de qualquer outra deste universo: enquanto temos um cego mascarado que luta contra gangues e ninjas em Hell’s Kitchen e uma detetive particular lutando contra seu passado abusivo, Luke Cage procura um foco maior na comunidade em torno do nosso protagonista, mostrando os altos e baixos do bairro, assim como o dia a dia de cada um lá. Os idosos que jogam xadrez, o casal asiático que cuida de um restaurante chinês, a mãe que leva o filho para cortar cabelo, e um dos indivíduos mais importantes da trama, Pop, o cara que cuida da barbearia e tenta o máximo para ajudar a comunidade ao evitar que os jovens caiam no mundo do crime e tráfico de drogas, um problema recorrente na cidade, e maior ainda no famoso bairro nova-iorquino.

E aí que a história se desenrola, com Luke trabalhando como um lavador de pratos na boate Paradise de Cornell Stokes, ou Cottonmouth, o nosso estiloso e imponente vilão. Ao lado dele temos Mariah Dillard, política corrupta que vive no Harlem para receber o dinheiro sujo de seu primo, Cottonmouth; Shades, um criminoso que retornou da prisão e que serve como uma espécie de Mindinho de Game of Thrones para o nosso vilão, além de ter um misterioso passado com Cage; E os detetives Misty Knight e Rafael Scarfe, que estão investigando o negócio de tráfico de armas de Cottonmouth.

Arkade Series: A excelência negra de Luke Cage

EVERYONE HAS A GUN. NO ONE HAS A FATHER.

Uma série de eventos coloca Luke Cage no centro de tudo enquanto ele se vê como alguém que precisa ajudar Harlem, mas ao mesmo tempo tendo que fugir de seu tortuoso passado. A série continua abordando estes personagens enquanto abre espaço para o próprio bairro, utilizando todo o seu tempo para dar vida em um local como nunca vimos em outras séries e filmes da Marvel. Porque convenhamos, as únicas pessoas que nos importamos em Hell’s Kitchen são os protagonistas, enquanto o restante da população se torna uma massa cinzenta que assumimos que seja importante porque os heróis de lá fazem de tudo para salvá-la.

Luke Cage é diferente. A série quer que você dê valor para os indivíduos deste bairro e entender os problemas que eles enfrentam todos dias. E não são os ocasionais quarteirões e estabelecimentos destruídos por pessoas com super poderes, mas sim os problemas que batemos de frente todos os dias, de sobreviver em uma área dominada pelo crime onde conseguir dinheiro sujo é tão fácil quanto morrer.

Arkade Series: A excelência negra de Luke Cage

E esta luta pela sobrevivência é algo que a série consegue transmitir muito bem, tornando os perigos baseados na realidade em que o maior alvo disso tudo é o povo. E sim, Demolidor e Jessica Jones trazem ideias similares a mesa, mas o tempo tomado em Luke Cage para desenvolver a população como um elemento e fazer com que ela seja importante para a série, faz com que o perigo seja muito mais real e necessário para ela continuar com a mesma tensão. E falando em perigo….

COMO DERROTAR UM HOMEM A PROVA DE BALAS?

Nós não sentimos que existe um perigo real vindo na direção de Luke Cage. A grande parte da série tem Cage lutando contra traficantes e capangas de Cottonmouth, e quando temos  um cara que faz balas ricochetearem de seu corpo, o maior problema de todos fica na quantidade de roupas que são descartadas por causa dos buracos de bala. As lutas de Luke Cage se tornam desinteressantes quando a comparamos com outros heróis, como as cenas coreografadas repleta de acrobacias de Demolidor e as pancadas estrondosas de Jessica Jones. Mas preciso ressaltar as cenas de ação não são ruins, porém a intenção delas mudam do tradicional “olha que legal este herói lutando contra vários inimigos ao mesmo tempo e sofrendo para vencer” para “olha que legal este herói não sentindo nada e saindo como um fodão da luta”.

Arkade Series: A excelência negra de Luke Cage

Luke não sente dor e simplesmente anda na direção das balas enquanto derruba um inimigo atrás do outro, se removendo de lutas repletas de golpes de artes marciais para socos e empurrões que nocauteiam qualquer um. E quando há perigo, ainda não possui a mesma urgência que estamos acostumados de ver em séries de super-heróis. E é por isso que Harlem é tão importante para Luke. Um personagem indestrutível como ele atrai mais perigo para o bairro, com os bandidos procurando novas formas de acabá-lo, o que resulta em mais vidas inocentes em perigo.

Por isso as lutas dão um passo para trás e perdem o foco em Luke Cage, dando mais tempo para os personagens e a trama, repleta de temas de vingança, assuntos inacabados, passados obscuros retornando ao presente, visões distorcidas sobre o que é bom para Harlem, e um dos maiores assuntos discutidos hoje em dia, a forma que a sociedade e a policia vê um indivíduo negro.

NOW WE GOT A HERO FOR HIRE AND HE A BLACK ONE.

Arkade Series: A excelência negra de Luke Cage

A série respira a cultura negra como nenhuma outra. É uma visão profunda e bem observada de tudo que celebra e aflita a sociedade negra como um todo. Luke Cage é um homem negro a prova de balas, ou seja, tudo que nós, negros, queremos ser diante o estado atual onde ser negro pode te dar uma bala nas costas marcada pela discriminação racial de um homem negro trajando um moletom com capuz. Diante todas essas tensões raciais nos EUA, Luke Cage aparece em um ponto perfeito para fazer uma declaração forte sobre o perigo que há de ser negro no século XXI.

Mas além disso, Luke Cage aprecia a cultura negra e a coloca em um pedestal. Servindo como uma série blacksploitation contemporâneo que mistura os arquétipos do gênero criado nos anos 70 com a classe e excelência negra que há hoje em dia. Tudo que o negro criou é apreciado do jeito que deveria ser, Luke Cage faz questão de mencionar as pessoas negras que construíram a nação em suas costas; Mostra os grandes ícones de Harlem e Nova Iorque, como o alfaiate do hip-hop, Dapper Dan, e o rapper do grupo Wu-Tang Clan, Method Man; E utiliza muita, mas muita música para intensificar a série.

Música se torna algo vivo em Luke Cage, não só para deixar as cenas de ação mais frenéticas mas como um complemento para as personalidades dos personagens. Cottonmouth tem um poster do Notorious B.I.G. em seu escritório para representar a luta para se tornar o rei de Harlem, Luke escuta Bring Da Ruckus do Wu-Tang Clan na hora de bater nos capangas e a Mariah Dillard sempre faz questão de colocar mais soul e jazz na boate Paradise, servindo como uma viagem nostálgica para a época que a sua vó, Mama Mabel, dominava Harlem. Estes momentos musicais conseguem ser sutis mas adicionam profundidade nos personagens, especialmente nos vilões.

A trilha sonora também é formidável, com os artistas Adrian Younge e Ali Shaheed Muhammad trabalhando nas músicas e trazendo uma vibe do hip hop dos anos 90 em cima do funk, jazz e soul, criando um som familiar que reforça a ambientação do blacksploitation contemporâneo e ressaltando os momentos mais intensos da série. Esta atenção aos detalhes é recompensadora, vendo como Younge e Muhammad consegue produzir uma trilha sonora que se torna um próprio personagem ao lado de tantos outros. E como se não bastasse, ainda existem diversos easter eggs que homenageiam a cultura do hip hop e a música negra, como o fato dos títulos dos episódios serem músicas da dupla Gang Starr (você pode saber mais sobre isso aqui), além das várias vezes que artistas e suas respectivas músicas são mencionadas no diálogo.

PULL THE TRIGGER, NIGGA! I AIN’T GOT ALL NIGHT!

Arkade Series: A excelência negra de Luke Cage

Quando falei no começo deste texto, que o maior problema de Luke Cage é fazer parte do universo da Marvel, é justamente por termos uma série tão diferente do que já vimos mas que ainda tem a necessidade de se incluir no mundo apresentando pelos filmes e séries da Netflix.

Não que a série não consiga entrar deste mundo, na verdade Luke Cage é a que mais conseguiu me vender a ideia, com os personagens sempre mencionando o evento do primeiro Vingadores, conhecido como o “Incidente” em que um cara com martelo e um cara verde bem grande tentaram salvar a cidade enquanto um outro cara de armadura voou com um míssil nuclear para o espaço, além de outros detalhes, como a Claire falando sobre seu amigo advogado, Pop falando sobre a mulher que deu um tiro de escopeta no queixo do Luke, e o trecho em que aparece a Trish falando sobre a popularidade de Luke Cage em seu programa, Trish Talk.

Mas mesmo conseguindo se incluir tão bem no universo da Marvel, Luke Cage se torna uma história muito mais complexa que aborda temas importantes sobre discriminação racial. E o fato dele ser da Marvel, esta discussão é diminuída pelo público, perdendo um potencial que não é culpa dos criadores da série, mas sim dos próprios fãs.

Arkade Series: A excelência negra de Luke Cage

Isto não quer dizer que Luke Cage seja uma série isenta de erros, existem sérios problemas na estrutura e no ritmo, cenas que não fazem sentido e que não combinam com a personalidade dos personagens, outros que aparecem no meio da série mas não conseguem cativar tanto quanto os que já foram estabelecidos, e momentos tediosos feitos para preencher o padrão de 13 episódios por temporada, um empecilho recorrente nas séries da Marvel produzidas pela Netflix.

CONCLUSÃO

Por fim Luke Cage apresenta uma série de atuações maravilhosas, com destaque para Mike Colter (Luke Cage), Simone Missick (Misty Knight), Alfre Woodard (Mariah Dillard), Theo Rossi (Shades) e Mahershala Ali (Cottonmouth), todos servindo bem aos seus personagens e dominando cada uma das cenas, especialmente nos momentos em que eles interagem entre si e vemos como os atores abraçaram seus papéis ao máximo.

Assim como o conflito intimo de Jessica Jones, Luke Cage destoa da base que conhecemos em séries e filmes de super-heróis para focar na luta pessoal do protagonista e naqueles que são atingidos pelo dano colateral, transformando os super poderes em uma mensagem importante sobre a cultura negra e o que estamos passando em um momento bem delicado enquanto celebra a excelência negra ao seu maior nível, abordando todos os tópicos para trazer uma série que, mesmo com alguns problemas, é de extrema importância para o universo da Marvel e a nossa sociedade como um todo.

Luke Cage está disponível na Netflix.

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