Cine Arkade: a ambiguidade artística de Exit Through the Gift Shop

13 de dezembro de 2014

Cine Arkade: a ambiguidade artística de Exit Through the Gift Shop

Desta vez na Cine Arkade quero falar para vocês de um filme misterioso e surpreendente. Conheça Exit Through the Gift Shop, dirigido por ninguém menos que o enigmático artista Banksy!

Arte é algo difícil de definir. Desde aquele filme, a revista em quadrinho, a própria obra de arte ou um videogame, tudo pode ser considerado como algo artístico porque, ao meu ver, a definição de arte é enviar uma mensagem para pessoas por um meio alternativo.  E todos estes exemplos que mencionei estão aí para enviar algum tipo de mensagem para alguém que está disposto a receber, mas isto não quer dizer que todos pensam desta forma.

Mas eu não quero falar de arte como um todo, acredito que a única complicação que temos quando pensamos em arte é a parte de defini-lo, sendo que cada um tem a sua própria visão do que é arte e isto acaba deturpando certas obras quando elas tentam se validar como algo sério. No entanto, eu quero falar de um filme em particular e o que ele significa para um dos gêneros artísticos mais famosos: a arte urbana.

Talvez uma das mais polêmicas formas de se expressar, a arte urbana consiste em trabalho no contexto fora do tradicional. Grafite, moldes, adesivos, pôsteres e murais são utilizados para desenvolver arte em espaços públicos, fazendo com que o mundo seja a tela em branco para que estas pessoas possam se liberar artisticamente.

Cine Arkade: a ambiguidade artística de Exit Through the Gift Shop

No entanto a arte do graffiti sempre encontrou alguns obstáculos. Considerado como crime e pichação aos olhos de algumas autoridades, a arte de rua acaba se tornando algo perigoso e muito mais enigmático por estar fora do nosso campo literal de visão. Graffitis, estêncil e adesivos surgem da noite para o dia graças ao trabalho noturno destes artistas.

Um dos mais conhecidos neste ramo é Banksy, o misterioso artista ficou conhecido pelo seu trabalho com estêncil enquanto satirizava diversos temas sociais e políticos do mundo. Os primeiros trabalhos de Banksy surgiram em Bristol e ironicamente sua popularidade aumentou ainda mais pelo fato dele não ter uma identidade, até que ele conheceu o fotografo Steve Lazarides que viu como aquele pedaço de arte, ao lado de uma estranha pessoa que não queria ser identificada, podia se tornar algo imenso.

Banksy conseguiu chegar aonde está porque ele sabia qual era a essência da arte urbana e sua personalidade crítica sempre ajudou em suas pinturas. Mas Banksy não trabalhou somente com arte urbana, ele conseguiu projetar seu talento a outros trabalhos como ativismo e cinema. E daí que venho falar de Exit Through the Gift Shop, seu primeiro filme, que se foca em um tema que ele sabe tanto, e não é de arte urbana que estou falando.

Cine Arkade: a ambiguidade artística de Exit Through the Gift Shop

Lançado em 2010, Exit Through the Gift Shop talvez seja um dos filmes mais interessantes das últimas décadas pelo fato de deixar qualquer um embasbacado com seu final e nos deixar ponderando sobre o que realmente é arte e quem consegue fazê-la. Exit Through the Gift Shop toma forma de um documentário sobre a trajetória de Thierry Guetta, um estranho e ardiloso francês que amava filmar tudo que conseguia ver pela frente, e este vício o colocou de cabeça no mundo do graffiti.

Logo no começo vemos Banksy sentado em uma cadeira no que parece ser um prédio abandonado em volta de algumas luzes e diversos rabiscos naquele fundo branco, tudo isso contrastando com a imensa mancha preta editada para tapar sua verdadeira identidade. E lá ele começa explicar a irônica mudança de eventos que ocorreu na vida de Thierry, um homem que pretendia fazer um documentário sobre Banksy e a arte urbana mas acabou entrando em algo totalmente fora do comum.

Após a introdução vemos como é a vida de Thierry, explicando sua paixão por filmar tudo que vê combinada ao subterfúgio de um vendedor. O francês tem uma vida normal ao lado de sua mulher, filhas e seu emprego como dono de uma loja de roupas focada nas pessoas mais “entendidas na moda”; porém, o próprio Thierry explica como o seu trabalho consiste em criar valor em algo que não existe, utilizando os erros de fabricação nas várias roupas que ele compra para aumentar o preço e sair lucrando na ingenuidade e necessidade de se destacar das pessoas.

Cine Arkade: a ambiguidade artística de Exit Through the Gift Shop

A vida de Thierry muda no momento em que ele descobre que o seu primo é um prolífico artista, mais conhecido como Space Invader, um artista de rua que confecciona e cola mosaicos dos famosos aliens do jogo Space Invaders para expressar sua arte pela cidade. Assim que ele conhece seu trabalho, Thierry sente a necessidade de documentar todo o trabalho do artista. No caminho ele acaba encontrando novos artistas de rua como Mounsier André e seu simpático mascote, além de Zeus e seu trabalho em pintar as sombras que os objetos projetam durante a noite pela iluminação dos postes.

A paixão de Thierry por documentar tudo ajudou ainda mais a entrar naquele mundo, artistas precisavam ter suas obras de arte documentadas porque eles sabiam que cedo ou mais tarde aquela pintura não estaria mais lá, e todo aquele trabalho não teria mais valor.

O percurso do cineasta francês continua quando ele conhece o primeiro artista já conhecido naquele submundo, Shepard Farey e sua adaptação de uma imagem vindo dos anos 70 do lutador André, O Gigante acima da palavra obey em letras garrafais. O trabalho de Shepard ficou conhecida pela repetição, colocando a imagem e suas variações em diversos lugares do mundo, e que subsequentemente, o fez responsável pela criação da famosa imagem do Presidente Barack Obama durante as eleições.

Cine Arkade: a ambiguidade artística de Exit Through the Gift Shop

A personalidade de Thierry e sua convicção fez com que Shepard o colocasse perto para capturar todos os momentos de seu trabalho, desde a confecção em uma copiadora, até ao insano trabalho de colocá-lo no prédio. A partir daí é que a vida de todos começa a ser afetadas por Thierry, viajando pelo mundo ao lado de Shepard enquanto grava ele e todos os artistas em sua volta.

O filme culmina até o aguardado encontro com Banksy e como Thierry fica deslumbrado pelo quão resoluto o artista é. Não quero explicar muito de Exit Through the Gift Shop sem colocar um imenso aviso de spoiler, e mesmo sendo um documentário eu acredito que a grande vantagem do filme é ver a trajetória de Thierry sem realmente saber o que ele irá fazer.

Então fica o aviso de spoiler a partir deste ponto e leia por sua própria conta e risco, ou assista o filme e depois volte para que a gente possa discutir o final do filme.

DISCUTINDO O FINAL

Um dos pontos mais positivos que Banksy quer expressar em Exit Through the Gift Shop é a facilidade de qualquer um em entrar neste mundo, sendo que se baseando em Thierry, é preciso basicamente de muita determinação e coragem em seu próprio trabalho para ser um artista famoso.

Cine Arkade: a ambiguidade artística de Exit Through the Gift Shop

O segundo ponto, que considero negativo para o mundo artístico, é como as pessoas são facilmente enganadas quando alguém fala que aquele objeto é arte. No começo do filme vemos como Thierry consegue enganar as pessoas vendendo roupas por um preço mais alto por causa da falha na fabricação, tornando aquela roupa única, e vemos que é exatamente o que ele faz com suas pinturas únicas nos momentos finais do filme.

Porém eu acredito que Banksy quer transmitir um pouco destes dois sentimentos em seu filme, criticando sutilmente a popularidade da arte urbana entre os colecionadores que pagam um grana alta por aquela obra de arte enquanto existem artistas que não tem a menor ideia do que estão fazendo e recebendo muito por isso, o que acaba sendo irônico pelo fato que o próprio Banksy ganha o seu dinheiro vendendo estas mesmas obras de arte.

Nas confissões finais vemos que todos os artistas que se envolveram com o recém formado Mr. Brainwash se sentem envergonhados por fazer parte daquilo, não somente do estranho documentário de Thierry mas também por criar um artista que simplesmente pulou todos os obstáculos de encontrar o conceito de arte dentro de si, e no lugar disso ele decidiu simplesmente ler alguns livros de arte, contratou vários designers e fabricantes de adereços, apresentou um imenso evento e saiu com muita, mas muita grana.

Cine Arkade: a ambiguidade artística de Exit Through the Gift Shop

Mas Thierry Guetta não tem valor algum? Mesmo que seus companheiros de trabalho não pareçam achar que ele é um artista de verdade, Thierry se mostrou determinado e apaixonado pelo mundo de Space Invader, Shepard Farey e Banksy. E nós não podemos valorizar esta paixão?

Na minha opinião Thierry, ou Mr. Brainwash, é tão válido quanto diversos artistas que vemos por aí porque o seu trabalho artístico faz exatamente o que toda arte deve fazer, que é enviar uma mensagem para o espectador e se a mensagem que ele quer transmitir é uma de determinação, coragem, paixão e acima de tudo, subterfúgio, então ele esta fazendo um ótimo trabalho nisso.

E esta é a beleza deste documentário, nós não sabemos se o percurso de Thierry Guetta é algo verdadeiro ou tudo isto foi mais uma maneira de Banksy criticar a sua profissão ao pavimentar um caminho que qualquer um poderia ter tomado, que neste caso foi o próprio Thierry Guetta, ou como agora é conhecido, Mr. Brainwash.

Cine Arkade: a ambiguidade artística de Exit Through the Gift Shop

CONCLUSÃO (FIM DO SPOILER)

No fim Exit Through the Gift Shop nos deixa ponderando e é um filme extremamente polarizante, seu estilo de documentário ao lado desta irônica visão do submundo da arte urbana é mais uma grande qualidade que Banksy consegue inserir em seu filme. O que acaba criando algo extremamente criativo e informativo para qualquer amante de arte.

A única coisa que posso arriscar dizer com certeza é que Exit Through the Gift Shop é uma extensão artística da mente de Banksy e cabe somente a nós vê-la da forma que achamos melhor, sendo que algumas pessoas o viram de uma forma positiva a ponto de até se aventurarem profissionalmente neste mundo artístico, enquanto outras acabaram vendo tudo como uma imensa e trágica piada sobre o estado atual da arte e da nossa própria necessidade de sermos únicos diante a sociedade.

Cine Arkade: a ambiguidade artística de Exit Through the Gift Shop

E a ambiguidade é o charme todo deste filme, algo que se resume muito bem nas sábias e confusas palavras de Steve Lazarides:

“Eu acho que a piada está… eu não sei onde está a piada. Nem sei se há uma piada, na verdade.”

2 Respostas para “Cine Arkade: a ambiguidade artística de Exit Through the Gift Shop”

  • 14 de dezembro de 2014 às 04:39 -

    Babiro

  • Achei um bom texto Henrique, mas pra ser sincero, não gostei muito do tema, acho complicado tudo que envolve conceito de o que é arte porque, como você mesmo disse, depende da opinião de cada um e fica difícil as vezes enxergar o ponto de vista do outro quando as opiniões são muito diferentes. Consegui ver o seu ponto mas admito que me perdi um pouco em algumas partes e tive que lê-las novamente pra compreender kk. Enfim, apesar do bom texto da matéria, na minha opinião, seria “mais legal” digamos assim, abordar um tema que envolva menas divergência de opiniões ou entendimento!!

    • 14 de dezembro de 2014 às 11:40 -

      Henrique Gonçalves

    • Valeu Babiro! É, esse tema é bem complicado de falar com qualquer tipo de mídia. E olha que já fiz o mesmo com videogames por aqui também hahaha.

      O único motivo que me fez criar este texto mesmo foi porque eu realmente fiquei de cara com o documentário e achei fascinante a reviravolta acidental (se realmente foi acidental) no final. Mas não se preocupe, o próximo será um pouco menos complicado e vou diminuir o número destes textos mais estranhos e bizarros :D.

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