Filosofia Arkade: voltar a jogar ou não voltar a jogar – eis a questão

31 de outubro de 2015

Filosofia Arkade: voltar a jogar ou não voltar a jogar - eis a questão

A vida é repleta de mudanças, umas mais impactantes do que outras; mas elas podem vir tão inesperadamente e de forma tão intensa que mesmo as atividades mais comuns podem ser totalmente abandonadas… Ou até esquecidas. Vamos ver em mais um Filosofia Arkade se vale a pena voltar no tempo e resgatar o (a) gamer dentro de nós.

Universidade, trabalho, família. Quando somos adolescentes geralmente não temos muitas dessas responsabilidades e podemos dedicar nosso tempo às atividades de que mais gostamos, o que muitos adultos reconhecem como uma época para se aproveitar.

Uma dessas atividades, que hoje domina a indústria do entretenimento, principalmente com a evolução gráfica e de programação, é o videogame. E todos os gamers têm sua era de ouro, aquela época lembrada (ou a ser lembrada) com carinho e emoção, quando não jogamos mais.

Filosofia Arkade: voltar a jogar ou não voltar a jogar - eis a questão

Life is Strange (DONTNOD Entertainment, 2015)

Mas espera. Isso precisa ser assim? As responsabilidades adquiridas durante nosso crescimento são tantas e tomam tamanho tempo que não podemos parar um pouco? Parar e voltar a fazer o que gostamos? Parar e aproveitar o mínimo de tempo, mesmo que seja pequeno e passageiro?

Bom, talvez isso não seja sempre visto de forma positiva. Esse retorno pode se tornar um grande peso ao ser humano, como retratou Friedrich Nietzsche ao longo de várias de suas obras, como A Gaia Ciência e Assim Falou Zaratustra, nas quais expôs a teoria do “eterno retorno do mesmo”.

Em A Gaia Ciência, somos apresentados à hipótese de um encontro com um demônio que nos diz que tudo na nossa vida se repete, e estamos fadados a essa repetição inúmeras vezes, pois a realidade não é um fim em si mesma e, por conta disso, não há início ou final da existência.

“E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: “esta vida, assim como tu a vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes; e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência — e do mesmo modo essa aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez — e tu com ela, poeirinha da poeira!” Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasse assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderias: ‘Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!” Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse; a pergunta, diante de tudo e de cada coisa: “Quero isto ainda uma vez e ainda inúmeras vezes” pesaria como o mais pesado dos pesos sobre teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?”

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Metal Gear Solid: Peace Walker (Kojima Productions/Konami, 2010)

Esse ciclo existencial ou de vida nos leva a vivenciar repetidamente as pequenezas e as grandezas de nosso ser e daí somos indagados: estaríamos dispostos a vivenciar da mesma forma tudo pelo que passamos? Ou esse retorno seria uma eterna punição, onde as mesmas dores e os mesmos prazeres são vividos sem nada de novo acontecer?

Nietzsche não acreditava em verdade absoluta e via as tentativas de explicação de fenômenos e ideias como sistematizações da realidade, que apenas se torna limitada por nossas interpretações, estas nunca suficientes ou satisfatórias. Isso é chamado de Niilismo, palavra derivada do latim nihil, que significa “nada”.

O Niilismo é fruto da concepção de que quando algo é conceituado de forma específica, esse conceito é reducionista e simplificador, ou seja, tentar explicar o que é ou como funciona alguma coisa é reduzi-la aos nossos termos, conforme nossas próprias concepções e ideias, tornando-a limitada, abaixo de seu verdadeiro potencial. Portanto, nada pode ser explicado; nada tem um real significado.

Meio complicado, né? Vamos pensar que, de acordo com o “eterno retorno do mesmo” de Nietzsche, podemos estar num ciclo sem fim de repetições, em que os momentos e as experiências por que passamos, bem como os conhecimentos que adquirimos, não são novidade na nossa realidade. Sendo assim, ninguém vê ou vivencia nada de novo e, portanto, o eterno retorno pode fazer com que nossa existência seja frustrante e perturbadora.

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Sandman (GAIMAN, 1989)

Isso até poderia explicar o déjà vu que vez ou outra temos sobre alguém ou algum momento. Sabe aquela cisma de que você já passou pelo mesmo acontecimento? Uma conversa, uma ação, até mesmo uma lembrança. Podemos também sonhar repetitivamente sobre a mesma coisa. Isso me faz lembrar do “eterno despertar” dado como uma punição por Sandman, o Sonho, personagem criado por Neil Gaiman na obra de mesmo nome. Porém, trata-se da repetição sem fim do ato de despertar do sono, fazendo com que haja uma confusão entre a realidade e o mundo dos sonhos.

Voltando ao “eterno retorno”, ainda que este possa ser visto de forma negativa, a pergunta em A Gaia Ciência permanece: você aceitaria o desafio de viver sua vida inúmeras vezes, exatamente da mesma forma? Se sim, talvez você seja o mais preparado a voltar a jogar. Mesmo que esteja parado há muito tempo, mesmo que voltar signifique aprender de novo. Ora, é provável que isso seja realmente bom.

Nietzsche acreditava que esse ciclo repetitivo era um verdadeiro peso para o ser humano, mas pode haver uma saída. Digamos que você demore tanto para voltar que o jogo mudou, que os consoles mudaram e que tudo para você, na sua única perspectiva, seja realmente uma novidade. Aí está um retorno eficaz! Talvez não se pensarmos de forma onisciente, ou seja, como se sempre pudéssemos lembrar de nossas vidas repetidas, porque na verdade quem lembra?

Pode parecer difícil no início, pensar em gastar para dar um up no seu computador, todo o trabalho de montagem e pesquisa, qual o console novo escolher, etc. Palavra de alguém que retornou: ainda que possa não ter a mesma graça, a mesma magia da tal “era de ouro”, voltar pode ser muito bom. Você terá uma experiência diferente da primeira, sem dúvida. Embora isso pareça repetir o passado, você não é o mais o mesmo, certo? Os games (em sua maioria), também não.

Novos olhos sobre a mesma experiência pode significar, ainda que de forma quase imperceptível, uma bem-vinda novidade. Podemos mesmo estar num ciclo sem fim de repetições, e nós mesmos somos repetidos? Nossos pensamentos, sonhos e interpretações? Quem sabe possamos ultrapassar a barreira das probabilidades e encontrar uma combinação totalmente nova.

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Alice: Madness Returns (Electronic Arts, 2011)

E então, gamers de hoje e de ontem, estão tentando voltar a jogar algo? Contem-nos sobre isso, pois nunca é demais entrar no roleplay. ;)

E antes que eu me esqueça, Happy Halloween day! ^^v

Fontes: O Demônio de Nietzsche: niilismo, eterno retorno e ética do cuidado de si (LAGES, 2010). Eterno Retorno: prova maior (CEFET-SP).

4 Respostas para “Filosofia Arkade: voltar a jogar ou não voltar a jogar – eis a questão”

  • 31 de outubro de 2015 às 14:32 -

    Leandro alves

  • tenho a simples filosofia gamer de : “Se o jogo é foda, merece ser zerado mais de uma vez.”

  • 31 de outubro de 2015 às 18:27 -

    Gildemberg Lima

  • Eu sempre volto a jogar games que zerei e gostei. Revisitar um game já visto às vezes te dá outra percepção do gameplay, da história, etc.

  • 16 de novembro de 2015 às 00:55 -

    Fabio Vieira Souza Carmo

  • Eu fui jogar o black ops 2 novamente e não é que parece que nunca tinha jogado antes? E olha que achei melhor do que a primeira vez.

  • 21 de fevereiro de 2019 às 11:18 -

    João

  • Engraçado ler esse texto hoje, uma quinta feira, dia que eu faço o meu TBTGames. Sempre dedico as quintas feiras para jogar jogos antigos a noite.

    No momento eu to jogando Tomb Raider IV: The Last Revelation. O mais longo e se bobeiar o mais difícil da primeira geração.

    O mais legal de jogar jogos antigos com tecnologia recente é poder jogar em resoluções maiores.

    Se eu tivesse que jogar TBIV em 400p dificilmente eu continuaria jogando, confesso.

    Mas em 1080p o jogo continua vivíssimo. Está sendo uma experiência muito interessante. Detalhes do jogo que antes (joguei no PS1 primeira vez em 1999) eu não percebia agora aparecem, e fora o fato de hoje falar inglês que ajuda muito no entendimento da história.

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