Entrevistamos Fernando Rabello, criador do game A Luz da Escuridão
Você que acompanha o blog da Arkade certamente já conhece o game A Luz da Escuridão – ou para mercados gringos, The Light of the Darkness – uma produção brasileira que conta com uma mitologia própria e visual caprichado. Com o perdão do trocadilho, o game é realmente uma luz na escuridão do (ainda) escasso mercado de criação de games no Brasil. O mais novo membro da nossa equipe, Antonio Ribeiro, conversou com Fernando Rabello, o criador do jogo. Rabello nos contou como foi criar o jogo do zero com poucos recursos, e falou também sobre os softwares utilizados, o mercado de games nacional e muito mais! Confira na sequência esta entrevista exclusiva!
Arkade: Fernando, qual é o seu background? Sua formação, experiências, etc. Conte um pouco pra gente.
Fernando Rabello: Bom, eu fiz faculdade de design na UFRJ e Estácio de Sá. Trabalho a muitos anos como ilustrador, designer e com computação gráfica. Eu tenho um perfil bastante autodidata e empreendedor, aprendi computação gráfica por conta própria e tem sido minha principal atividade nos últimos 7 anos. Na maior parte do tempo tenho sido freelancer.
Sempre passei boa parte da minha vida desenvolvendo meus projetos, como o Luz da Escuridão e o Pressão Bizarra . Gosto de trabalhar com pessoas, principalmente quando há uma causa em comum. Gosto de investir no projeto dos outros e gosto quando pessoas se entusiasmam com os meus projetos.
Quanto ao desenvolvimento de games, eu comecei a trabalhar com isso apenas em 2008 e gastei muito tempo de pesquisa, tanto de game design, quanto de técnicas relacionadas com animação, modelagem, texturização e etc.
Arkade: Quando veio a ideia de criar um jogo inteiramente do zero?
Fernando Rabello: Eu sempre quis trabalhar com games e cinema. É uma pena que são duas áreas que não são muito desenvolvidas por aqui, ainda mais no ramo da ficção. Então o que eu vinha fazendo era desenvolver um projeto de universo (chamado A Luz da Escuridão). Criei um conteúdo grande e eu tinha planos de usar em projetos diversos (games, cinema, livros, RPGs, etc).
Em 2008 a Secretaria de Cultura do Estado do Rio lançou um edital que, pela primeira vez, passou a incluir jogos eletrônicos. Vi ali uma oportunidade e inscrevi um projeto de game baseado neste universo. Ganhei o edital e montei uma equipe para trabalhar no jogo. Alguns desses profissionais eu já havia trabalhado antes em outros projetos de games que não vingaram.
Arkade: Você já havia feito outros jogos antes? E por que preferiu a plataforma Flash?
Fernando Rabello: Eu havia trabalho em alguns projetos que não foram muito longe, na extinta Magus Ludens do Rio de Janeiro. Apesar dos projetos não terem dado certo, foi uma ótima experiência pois eu pesquisei bastante na época.
Eu escolhi a plataforma Flash por uma questão de viabilidade. Primeiro, pois as ferramentas que trabalhamos no Flash são bastante conhecidas e são ferramentas amigáveis para artistas como eu e como os que trabalharam no projeto. Segundo que não existem muitas engines 2D boas no mercado, então precisaríamos ficar desenvolvendo uma série de ferramentas próprias para o desenvolvimento do jogo, como editor de levels e etc. caso usássemos uma engine 3D. Outro motivo da escolha é a disponibilidade que o flash tem para rodar em várias plataformas. Sem nenhum trabalho adicional o jogo já roda em MAC e Linux e ainda tem a possibilidade de rodar em iPhone e Android com algumas modificações.
Enfim, o Flash viabilizava muita coisa para desenvolvedores como nós e para este tipo de projeto em particular. É uma pena que esta plataforma tenha tanto estigma. É uma ótima plataforma para certos tipos de projetos de games. Não apenas jogos simples, mas também jogos bem complexos. As pessoas tem que abrir a mente quanto isso.
Arkade: O Luz da Escuridão tem uma trama complexa e vários elementos de apoio bem elaborados (língua própria, escrita, etc). Você recorreu à algum consultor em línguas, história, etc para auxiliá-lo ou é tudo fonte da sua inspiração?
Fernando Rabello: Não houve nenhuma consultoria nesse aspecto, apenas pesquisa e muita projetação. A grande vantagem de ficar desenvolvendo um universo é que você tem tempo para pensar em muitas coisas e assim você elimina muitos furos e vai deixando tudo bem amarrado e complexo.
O idioma Sansico era algo muito importante pois no universo de A Luz da Escuridão, não existem humanos. Também não existem mitos do nosso mundo como diabo, vampiros, lobisomens, trolls, orcs, unicórnios, nada disso. É um mundo com outras criaturas e outras culturas.
O Sansico visto no trailer não é tão complexo quanto algumas pessoas pensam, e nem tão simples quanto outras acreditam. Atualmente ela é uma pseudo-língua, pois não existe uma gramática/semântica própria ainda, mas sim um processo pelo qual um texto é traduzido para esse idioma.
O jogo possui 2 alfabetos próprios: o Sansico Branco e o Sansico Negro.
Arkade: Há quanto tempo o jogo está em desenvolvimento? Quanto tempo você acredita faltar para concluí-lo?
Fernando Rabello: O jogo está em desenvolvimento há uns 2 anos. Mas não continuamente. É importante lembrar que grande parte desse tempo, nenhum dos profissionais puderam trabalhar fulltime devido à falta de financiamento para o projeto que é o nosso principal problema atualmente.
Para terminar o jogo faltaria cerca de 5 a 6 meses, com os profissionais trabalhando fulltime no projeto.
Mapa dos reinos da luz e da escuridão.
Arkade: Sabemos que no Brasil o apoio à indústria de criação de games é muito escasso. Como você está fazendo para custear a produção do jogo? Há alguma forma de subsídio?
Fernando Rabello: O cenário de desenvolvimento no Brasil é extremamente adverso. Conseguir financiamento é uma tarefa bastante difícil por diversas razões. O Brasil é um país com pouco knowhow e que é obscuro para investidores estrangeiros. Falta também uma integração maior entre os desenvolvedores. Falta mais apoio da mídia. Falta existir um movimento.
Mas o Luz da Escuridão vem tendo uma grande repercussão na internet então o caminho que estamos buscando para viabilizar o projeto é através uma campanha em um site chamado Kickstarter.
O Kickstarter é uma ferramenta maravilhosa para desenvolvimento independente de projetos. Em primeiro lugar o público tem que perceber que não são campanhas de doações. Não estamos pedindo caridade. Ao contrário disso, o público investe e tem uma série de recompensas que de outra forma não teria, coisas muito legais, desde ganhar o jogo no lançamento a ter seu rosto imortalizado numa estátua dentro do game, seu nome nas lápides do jogo (sombrio isso, mas é interessante)… coisas que ele jamais teria em “jogos grandes”.
O público tem que perceber a força que tem. Vemos muito as pessoas reclamando: “poxa, chega de FPS”, “chega de DRM”, “por que a empresa X não produz aquele grande jogo Y?”. O público tende a se sentir muito alienado em relação ao que é produzido por aí, sem ter poder sobre isso, mas ao contrario do que parece, o público tem sim, muito poder. Ele tem o poder de fazer as coisas acontecerem com um esforço mínimo de cada um, cada um fazendo a sua parte. Com sites de crowdfunding como o Kickstarter o público pode fazer projetos de games virarem realidade, projetos independentes, projetos livres, games que o público tem entusiasmo.
No Kickstarter é tudo muito simples, a pessoa escolhe quanto quer investir (desde US$ 1 até o infinito) e escolhe sua recompensa de acordo com o valor que apoiou. O público pode gerenciar seu apoio, aumentando ou diminuindo durante a campanha, da forma que quiser. O projeto precisa atingir uma meta mínima, se não atingir o dinheiro não muda de mãos, ninguém é debitado. Isso dá segurança ao apoiador pois se o projeto não consegue um mínimo, não haveria forma da equipe desenvolver.
Antônio Ribeiro é designer gráfico e ilustrador com formação pela UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Já participou de inúmeros projetos e trabalhos de grande projeção no Estado do Rio e até mesmo no território nacional, como campanhas para o HSBC e outras instituições. Foi editor de arte de uma revista mensal, por 3 anos, chegando a assumir sua gerência durante um período para ajuste do workflow da equipe. De janeiro de 2005 a janeiro de 2007 foi Gerente de Marketing da Secretaria de Comunicação da Prefeitura de Teresópolis (RJ), onde tinha como função a criação de peças publicitárias do Governo Municipal para as mais diversas campanhas. Tinha a incumbência ainda de aprovar diversos materiais criados pelo restante da equipe das Secretarias de Comunicação e Cultura. Além disto, foi consultor para agendas de eventos culturais da Secretaria de Cultura. Antônio Ribeiro também é o criador e organizador do ANIMASERRA – Festival Nacional de Cinema de Animação e Quadrinhos da Região Serrana do Rio de Janeiro. Já indo para a sexta edição em 2011, o ANIMASERRA em apenas cinco anos já alcançou renome nacional, sendo considerado o segundo evento gratuito mais importante do Brasil no gênero. O ANIMASERRA recebe como palestrantes nomes desde Ziraldo e Miguel Paiva, passando por Marcelo Campos e Renato Guedes até mesmo Cesar Dacol Jr (supervisor de efeitos especiais do filme 300) e Levi Trindade, editor da DC Comics no Brasil. www.animaserra.com.br . Antônio também já palestrou em diversas universidades do Estado, sobre a importância do design gráfico e da animação no mercado atual. Lançou ainda também em 2007 o livro “Brasil: Referência no Cinema de Animação e HQ”, pela Editora Zem, distribuídos em diversas livrarias do Brasil e tido como uma das publicações mais abrangentes e dinâmicas sobre o assunto até então. Atua ainda como professor concursado de História da Arte pela Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro. Também dá palestras sobre o mercado do design gráfico no Brasil e no mundo, assim como suas influências no dia-a-dia das pessoas. Também fala sobre filmes, efeitos especiais e cinema de animação. É videogamer aficcionado e tem uma coluna semanal no jornal O Diário de Teresópolis sobre o assunto, chamada PlayTime, além de também escrever para a revista eletrônica Arkade e para a americana World Gaming Executives Magazine. Adora jogar no seu PC, XBox 360 e/ou seu PSP enquanto testa jogos ou somente como diversão mesmo.
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Renan
Excelente entrevista!!!!! Troço bastante pra esse projeto dar certo!!! O Fernando Rabello falou a verdade, o cenário de desenvolvimento de games no Brasil é triste… Mas é bom ver alguém que segue na luta apesar disso!!!! A Zona dos pilares me lembrou muito de Blood Omen, acho que agora posso ter certeza que A Luz da Escuridão tem influências desse clássico!!!!
lsd
Verdade, eu também lembrei do clássico Blood omen quando vi a imagem.
Rafael_pk
Aguardando ai a conclusão desse projeto, pra frente Brasil!
Joao
Otimas palavras do fernando rabello.. Realmente, o trocadilho de q este jogo eh uma luz na escuridao do mercado de desenvolvimento de jogos no brasil eh adequada.. O fernando me pareceu ser uma pessoa muito sensata e competente.. Criar um mundo dessa complexidade do zero nao eh pra qualquer um.. E outra, o fernando ta certissimo em colocar o jogo em ingles.. Desse jeito atrai pessoas q realmente se interessam em ajudar os pequenos desenvolvedores e nao essa palhacada q eh aqui no brasil.. Vou entrar e no kickstarter e vou contribuir! Tomara q este projeto abra as portas para q outros genios como o fernando possam mostrar ao mundo q nós tb sabemos fazer games! Parabens fernando e parabens arkade pela otima entrevista
Kubrick Stare Nun
Eu sempre achei que o que mais assustava a industria de games brasileira era a pirataria, mas o Fernando sequer citou ela.
Renan
Ele falou sobre a parte de desenvolvimento, não a parte comercial
zecarlos
precisa haver um mercado solido pra haver pirataria,nao temos isso no brasil,pra games nacionais ehheh o que assusta na verdade e o mesmo que assusta a industria de quadrinhos ,cinema tmbm…a falta de incentivo publico e governamental,os subsidios sao pouquissimos,o que forca a maioria dos profissionais ,sairem do pais pra trampar e assim os gringos ficam com boa parte da melhor mao de obra…os que ficam a maioria tenta sobreviver,sem apoio praticamente e assim nao consegue espaço pra competir com os grandes…mas eu tenho escutado e lido,que assim como o cinema e quadrinhos,a producao e desinvolvimento de games independentes no brasil tem se destacado bastante nos ultimos anos,a amioria pra redes sociais,mas ja e uma coisa ne,game e game
leandro(leon belmont) alves
ainda torço para alguma empresa grande dos games preste atenção nos nossos designers e programadores, e que façam um game feito exclusivamente pelos brasileiros. sonhar não custa nada
Diana
Tudo começa com um sonho. E isso ele já tem. :)
Parabéns, Fernando, muito sucesso.
Daniel Sader
Torço para o jogo dar certo, mas ainda não entendo por que usar Flash. É uma plataforma bastante limitada e sua performance é muito ruim. Existem engines 2D muito boas no mercado, como o XNA da Microsoft, ou o SDL, que é de código aberto.
Não me levem a mal; torço para o sucesso do projeto. Mas acho que a escolha da plataforma foi meio ruim.
Leandro
com XNA eles ficariam presos ao sistema da microsoft e directx. Sem falar que é muito mais facil encontrar desenvolvedores flash hoje em dia. Quero ver xna rodar em sistemas operacionais mobile. Sem falar que o material de apoio do xna é muito escassa comparada com o flash. Nunca vi um jogo de sucesso comercial em xna, diferente do flash que tem muitos.
KING OF KINGS
é isso ai tem que apoiar mesmo, e por ai vai ate agente ser reconhecido lá fora
Rafael Rodrigues
Vocês estão fazendo a diferença, Parabêns.
Rafael Rodrigues
Em vez de ficar falando vocês estão produzindo, não tem nem o que falar.
zecarlos
otima materia,acho que e a primeira vez que vejo coisa do tipo heheh,mas acho que o caminho e esse
e poxa seria legal se rolassem informaçoes de mais projetos de games nacional como este
Rapha.
Esse jogo será uma aquisição garantida! Não só porque é nacional, mas porque acima de tudo, parece e têm tudo para ser muito bom!
Alisson Silva
Com $5 você ajuda com o projeto e ainda recebe o jogo. Quem puder ajudar, mesmo com pouco, faça, pois faltam poucos dias para finalizar o processo do kickstarter.
Leonardo Ribeiro
Espero que esse seja concluído logo, pois sucesso ele já esta conseguindo e muito. Ele vai dar certo, tenho certeza!
Nossa! com todas essa informações, dicas que ele nos deu, da pra começar a planejar algo interessante. Sempre quis fazer um jogo, mas minha falta de experiencia com Enginers de game me atrapalhava.
Agora que sei o poder que uma enginer de flash tem, eu vou poder tentar algo ^^
Essa matéria foi muto boa e informativa, VLWzaço!!!
Antonio Ribeiro
Agradeço os inúmeros comentários. Sem dúvida o Fernando merece todo respeito e apoio, pois criar um jogo do zero em um mercado como o brasileiro não é para qualquer um.
Palmas com os braços erguidos ao Fernando por seu ambicioso (mas nem por isso deixou de ter os pés no chão) projeto de game!
Sorte e sucesso!