Análise Arkade: Cozy Grove, uma aconchegante jornada diária que aquece o coração

Eu não sei você, mas o isolamento social causado pela pandemia me fez um mal tremendo, psicologicamente falando. Perdi o contato com meus amigos, passei a ver menos minha namorada… tudo isso mexeu um bocado comigo.

Nessas horas, quando estamos presos em casa, deprimidos, tudo o que queremos é um lugar quentinho e aconchegante, alguém que nos abrace e nos faça acreditar que tudo vai ficar bem.

Cozy Grove é um joguinho relaxante e acolhedor que é meio que um abraço digital no jogador. Pensado para ser jogado sem pressa, um pouquinho de cada vez, ele acabou tornando-se, para mim, um refúgio muito agradável para o stress e a melancolia do momento que estamos vivendo.

Escotista espiritual

Em Cozy Grove, controlamos um(a) escotista espectral, que é basicamente um escoteiro que, além de explorar florestas e bosques e saber como sobreviver na natureza, também é capaz de conversar com espíritos. Nosso trabalho começa justamente em Cozy Grove, uma pequena ilha que é tranquila, simpática… e assombrada.

Mas calma, que Cozy Grove não tem nada de assustador: os fantasmas que “assombram” a ilha são, em sua maioria, ursos super fofos, que vão precisar de uma ajudinha nossa em pequenas tarefas para que possam curtir a vida após a morte sem pendências.

Assim, nossa missão é basicamente explorar a ilha, conhecendo fantasmas simpáticos e fazendo favores a eles, a fim de deixar Cozy Grove mais alegre e colorida. E, enquanto fazemos isso, também vamos fazer um bocado de crafting: pescando, cavando, coletando galhos, frutas, conchas, minérios… coisas que nos ajudem a criar ferramentas e objetos que possibilitem uma vida mais confortável.

Jogatina diária

Cozy Grove é, na prática, um jogo de exploração e crafting bastante simples, com livre movimentação livre por um cenário cheio de elementos interativos. Vamos de lá para cá pela ilha, interagindo com os fantasmas e fazendo pequenos favores para eles enquanto cavamos uns buracos, colhemos umas frutas e pescamos uns peixes.

Funciona assim: o fantasma do urso carteiro, por exemplo, geralmente vai te pedir para encontrar um pacote extraviado, ou algumas cartas que se perderam. A ursa confeiteira, por sua vez, vai lhe pedir para arrumar ingredientes exóticos para que ela possa criar novas receitas. Cumprir esses objetivos pode nos render distintivos, como aqueles que os escoteiros de fato usam.

A questão é que cada urso vai te pedir um favor por dia e depois… nada. O jogo é sincronizado com o relógio do mundo real, então depois que você fizer tudo o que havia para fazer naquele dia, não vai ter nada para fazer até o dia seguinte. Os próprios personagens vão te dizer coisas como “você deveria voltar amanhã”, para reforçar a mensagem.

Confira pouco mais de 8 minutos de gameplay no vídeo abaixo, com direito a cumprimento de missões, papo com espíritos, pescaria e exploração (atenção à trilha sonora, que é deliciosa):

No e-mail que recebi da publisher junto com a key do jogo, fui avisado de que Cozy Grove foi pensado para ser apreciado aos poucos, uns 30, 40 minutinhos por dia. E essa é sem dúvida a melhor maneira de apreciá-lo para você não acabar ficando sem nada para fazer na ilha.

Um pouquinho de cada vez

Ajudar os fantasmas da ilha geralmente nos concede um item chamado lenha espiritual, que usamos para alimentar a fogueira de nosso acampamento. Quanto mais forte a chama da fogueira, mais ela ilumina os arredores, possibilitando que exploremos novas áreas e encontremos novos fantasmas.

Porém, as tarefas podem ser simples demais, ou demandar um pouco de paciência. Encontrar 5 cartas perdidas pelo cenário é algo que a gente faz em 5 minutos, mas pode acontecer de um espírito lhe pedir algo que você não pode fazer imediatamente. Se precisar de uma fruta rara, por exemplo, você vai ter que conseguir a muda de árvore, plantá-la e esperar que ela dê frutos. Isso pode levar alguns dias. Mesmo as receitas da ursa confeiteira demoram uma hora (em tempo real) para ficarem prontas, então pode valer mais a pena receber seu pedido no dia seguinte.

Não tem como fazer tudo em Cozy Grove em um dia só e essa não é a proposta do game: ele espera que você volte um pouquinho todo dia. E, depois que a gente se acostuma com a rotina da ilha e de seus moradores espectrais, essas visitinhas diárias tornam-se um verdadeiro prazer.

Não há nada mecanicamente complexo em Cozy Grove. Ele é um jogo super acessível e amigável, e as pequenas tarefas que ele nos pede são, no geral, muito tranquilas. A questão é que ele demanda paciência e comprometimento do jogador. Quanto mais você ajuda um fantasma, mais aprende sobre ele, fortalecendo seus laços e deixando-o mais satisfeito com sua condição.

No fim das contas, Cozy Grove não é bem um jogo de crafting. É um jogo sobre fazer o bem, ajudar a quem precisa. E isso faz bem, mesmo que seja de mentirinha. Não posso visitar meus amigos durante a pandemia, mas posso visitar os simpáticos fantasmas do game todos os dias e ajudá-los com suas necessidades bobinhas, mas lúdicas.

Audiovisual

Corrobora com essa sensação de bem-estar um departamento audiovisual impecável, extremamente caprichado e bonitinho. O character design é de uma fofura absurda: o urso construtor, por exemplo, tem a forma de uma trena, enquanto a ursa prefeita usa fraque e cartola. Nem todos os espíritos são ursos, mas quase todos são… e há aqueles que pensam que são outra coisa, como uma ursa que acha que é uma árvore (?!)

Ainda que o jogo aposte em loops de animação um tanto repetitivos, tudo é tão detalhado e bonitinho que acho até injusto reclamar de um detalhe como esse. As animações são simples, mas encantadoras em sua simplicidade.

A trilha sonora enriquece ainda mais as “good vibes” que o jogo quer passar: um instrumental suave, daqueles bons de ouvir deitado em uma rede, em uma tarde chuvosa de sábado. Apostando em melodias suaves de violão, bandolim e gaita de boca, o jogo não tem lá muitas músicas, mas as poucas que tem são deliciosamente serenas e “quentinhas”.

Cozy Grove não possui vozes, mas todos os seus menus e legendas foram traduzidos para o nosso idioma, e o trabalho de localização foi impecável: há peixes de nomes engraçados e trocadilhos simpáticos em alguns diálogos.

Por falar em diálogos, acho que a maior escorregada do jogo é a falta de personalidade dos espíritos. Explicando: quando um fantasma não tiver nada para te pedir nem nada relevante para te contar, ele vai fazer um comentário engraçadinho genérico. O problema é que só existem uns 4 ou 5 comentários desses e TODOS os espíritos soltam as mesmas frases.

Me parece uma falta de cuidado enorme para um jogo que construiu seu mundinho com tanto esmero. Eu esperava que o fantasma marujo me falasse sobre suas aventuras no mar, enquanto a ursa prefeita solta comentários espirituosos sobre a gestão da ilha. Infelizmente, não é o que acontece, e os (poucos) comentários genéricos que eles soltam nem são tão engraçados assim, e se repetem bem mais do que deveriam.

Conclusão

Apesar desse pequeno deslize, Cozy Grove é um joguinho extremamente simpático, aconchegante e encantador. Fazer uma visitinha para a ilha tornou-se um ritual diário para mim: antes de dormir, eu ligo o PS5 para rever meus “velhos amigos” fantasmas e ajudá-los em pequenas tarefas por cerca de uma hora.

Ligar o videogame acaba sendo a parte mais chata do processo (#firstworldproblems): até pela sua proposta de “jogar um pouquinho todo dia”, Cozy Grove sem dúvida funciona muito melhor no formato portátil. E, ele está disponível para Switch e iOS (no Apple Arcade, inclusive), então se quiser experimentar o jogo, talvez valha a pena escolher uma plataforma mais prática e condizente com a ideia.

De qualquer modo, independente da plataforma, Cozy Grove emana fofura e boas vibrações. É bom vermos jogos assim: sem foco em matar, explodir e destruir. Aqui os verbos são “do bem”: relaxar, ajudar, construir.

Se você curte esse tipo de experiência mais light, faça as malas e venha para Cozy Grove: o game tem tudo para te cativar e deixar seu coração muito mais quentinho.

Cozy Grove está disponível para PC, PS4 (versão analisada, rodando no PS5), Nintendo Switch e iOS.