Análise Arkade: desconstruindo a construção de The Beginner’s Guide

15 de outubro de 2015

Análise Arkade: desconstruindo a construção de The Beginner's Guide

Do mesmo criador de Stanley Parable chega a nós The Beginner’s Guide, um game que promete chutar o pau da barraca e fazer a pergunta: “afinal, o que exatamente é um game?”

Davey Wreden é conhecido no mundo dos games pelo seu estilo subversivo. Seu último lançamento, Stanley Parable, era um game repleto de segredos e mistérios que desafiavam o conceito de “escolha” nos games, tudo narrado por uma voz sem corpo que capturou a imaginação dos jogadores. Então… o que esperar de seu novo game The Beginner’s Guide? Será que podemos chamar esse game de um game?

A HISTÓRIA É UMA ILUSÃO

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O game começa de um jeito muito familiar: uma voz falando no seu ouvido e um cenário familiar. Só que a voz, dessa vez, não pertence a um homem britânico com um senso de humor sardônico, mas sim ao próprio Davey Wreden. Isso mesmo, o criador do jogo. Ele se apresenta e logo te coloca em um mapa de Counter Strike desenvolvido por uma outra pessoa, um amigo pessoal de Wreden que se chama Coda. “Esse é o objetivo desse projeto,” Wreden diz. “Introduzir o mundo aos games do meu amigo Coda.”

O mapa muda para um game rudimentar que se passa em uma nave espacial. Ao descrever o processo de desenvolvimento, Wreden se torna um guia de museu. Só que em vez de ficar parado em frente a uma pintura, você está interagindo com o museu, enquanto ele te explica o que Coda pensava ao fazer cada game. Qualquer pessoa interessada em game design vai tirar muito de The Beginner’s Guide, pois ao descrever o processo de Coda, Wreden acaba ensinando ao jogador vários conceitos importantes do game design.

A MÁQUINA SE RECUSA A NOS ALIMENTAR

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Se você está achando que esse game não parece um game, bom, você não está errado. Mecanicamente, The Beginner’s Guide não tem muito a oferecer. O jogo inteiro é você ouvindo a voz de Wreden e vendo as criações de Coda. Uma hora ou outra ele modifica o mundo a sua volta para te mostrar um segredo ou algo interessante, mas, similar a um museu, você nunca interage muito com o game em si, exceto em alguns momentos específicos.

Alguns vão ler isso e desistir deste game. Por exemplo, um amigo meu jogou vinte minutos, virou-se para mim e perguntou se era só isso que o The Beginner’s Guide tinha a oferecer. Quando eu disse sim, ele tirou os fones de ouvido e deu de ombros. E essa reação não está errada. Se games fossem filmes, Call of Duty seria o mais novo blockbuster do verão, e The Beginner’s Guide seria aquele título independente que é lançado na terceira semana de janeiro e que só aquele seu amigo cinéfilo que adora Truffaut vê.

Infelizmente, isso é o máximo que eu posso falar do jogo sem evitar os malditos spoilers. Se a história e o conceito do jogo te interessaram, vá atrás jogue ele. Se a história e o conceito de jogo te irritaram, vá atrás do game e jogue ele. Citando aquela clássica frase dos nossos pais: “como é que você sabe que é ruim se você nunca experimentou?” Agora, se você precisa de mais argumentos para convencê-lo e não tem medo de spoilers, prossiga.

QUANDO EU ESTOU PERTO DE VOCÊ, EU ME SINTO MAL

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Spoilers!

É por volta da metade do game que o personagem de Wreden se torna mais do que o seu narrador. Após cena atrás cena onde ele explica os pensamentos de Coda, ele fala que Coda em si parou de fazer games quatro anos atrás. E é aí que a narrativa de The Beginner’s Guide pega uma curva e segue um caminho diferente. Até então, o jogo se assimilava a um museu. Do nada, é como se o museu ganhasse vida e começasse a responder ao próprio guia.

Com o conhecimento de que Coda parou de fazer games, cada cenário começa a virar algo mais e mais nefasto. Um dos momentos mais icônicos envolve uma prisão sendo refeita por Coda de maneiras diferentes. Wreden quebra a cabeça tentando entender o que está acontecendo e explica para você, o jogador, o que está acontecendo na mente de Coda. Ao modificar os games, Wreden tenta nos mostrar a mente de Coda. Mas quem é Wreden? Ele não é o criador desses games. É como se o guia do museu começasse a falar o que estava passando na mente de Picasso ou de Van Gogh, tratando as suas interpretações como fato.

A divisa entre o que Wreden fala e o que Coda cria começa a crescer. Os tempos de desenvolvimento entre cada jogo crescem e crescem. Wreden tece uma narrativa, dizendo que seu amigo Coda está passando por um tipo de depressão e por isso ele decidiu mostrar os jogos dele para outras pessoas, na esperança de que a aprovação de um público vai fazer Coda se sentir melhor. Os games em si respondem, até que a verdade nua e crua é revelada.

NÃO FALE MAIS COMIGO

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Eu sei que prometi spoilers, eu sei, mas eu não posso te contar a revelação final do game. É como dizer que Darth Vader é o pai de Luke para alguém que nunca viu Star Wars. A verdade é que a história de Wreden e Coda, assim como a história de Stanley, é uma metáfora para algo muito maior. Algo que Davey Wreden (o criador, não o personagem) não quer revelar. Desde que lançou o jogo, ele se recusa a responder perguntas sobre a mensagem por trás de seu game. Por isso, vou dividir a minha interpretação.

Ao nos contar a história de Wreden e CodaThe Beginner’s Guide nos conta a história dos games em si. Como eu mencionei nos parágrafos anteriores, muitos vão ler a minha descrição do game e dizer “bah, isso não é um video game!” Mas será que isso é verdade? O que é que define um video game?

CONCLUSÃO

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Os games de Coda começam como experimentos similares aqueles filmes franceses preto e branco que ninguém entende. A medida que Wreden influencia mais e mais no desenvolvimento, eles começam a ter elementos que associamos com a ideia tipica de um game: um final, um objetivo. O conflito entre Wreden e Coda é o conflito entre o game como entretenimento e o game como arte. Esse é um conflito que os filmes, livros e séries já passaram, mas os games não.

Todo tipo de arte passa por esse conflito, e com o boom nos games independentes dos últimos anos, os video games foram forçados a lidar com esse problema. Uma indústria que até agora estava satisfeita com histórias como a de Gears of War se viu lado a lado a histórias como a de Dear Esther. E o fato é que assim como o filme blockbuster e o filme independente são filmes, games “blockbuster” e games “artísticos” são games. The Beginner’s Guide tenta começar essa conversa entre os dois lados, para que o futuro seja mais próspero.

Mas é claro, essa é a minha interpretação do game. Me diga, caro leitor: qual é a sua?

The Beginner’s Guide foi lançado no dia 01 de outubro para Mac PC.

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