Análise Arkade: O potencial desperdiçado de Krut: The Mythic Wings

11 de julho de 2022
Análise Arkade: O potencial desperdiçado de Krut: The Mythic Wings

Eu estava muito disposto a gostar de Krut: The Mythic Wings, game da desenvolvedora tailandesa Good Job Multimedia. De verdade, juro. E para ser justo, em muitos momentos eu me convenci de que estava realmente curtindo a experiência, e não à toa fechei o jogo algumas vezes para me dar uma nova chance de poder encontrar as qualidades que eu queria achar no jogo de qualquer maneira. Mas ao sistematizar meus argumentos para esta análise, percebi que minhas vontades não são suficientes para defendê-lo.

Uma jornada esquecível

Krut: The Mythic Wings não economiza na introdução de sua história, fortemente inspirada na mitologia do sudeste asiático. Em uma passagem cheia de diálogos e narrações via texto somadas a ilustrações estáticas de alguns personagens arquetípicos, entendemos que a grande e próspera cidades dos Kruts (que basicamente são uma versão da conhecida criatura Garuda) foi invadida pela raça dos gigantes de pedra. Miseravelmente derrotados, a raça foi quase dizimada e sua outrora gloriosa sociedade varrida do mapa.

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Um guerreiro, gravemente ferido, acaba sendo resgatado na ilha de Himmaphan por um sacerdote que lhe confia a posse das lendárias asas de prata, artefatos poderosos que lhe concedem grandes habilidades. Com elas, ele deveria enfrentar uma série de desafios contra vários inimigos para recuperar poderes elementais que deveriam conferir à sua relíquia seu poder total, permitindo que ele pudesse vencer o rei dos gigantes e assim derrotar todo o mal. Para quem tem paciência (e entendimento do idioma estrangeiro), é uma introdução longa e lenta, com um texto bastante regular.

Ainda que a cada grande chefe de fase tenhamos diálogos contextuais, é uma construção narrativa um tanto quanto enfadonha e desinteressante. Todo o background cheio de potencial (mesmo o clichê de recuperar poderes elementais), pouco é aproveitado e aacaba restrito a linhas de diálogo, já que não há qualquer efeito prático de toda essa “lore” na gameplay. Chegar ao final em pouco mais de uma hora — se você tiver a sorte de não ter um crash em momentos importantes nem o save corrompido — nada mais é do que fruto de uma insistência sabendo que o jogo é curto e pouco tem a ver com desejar ou ser compelido a se envolver com aquela história.

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Além do protagonista ter o mesmo carisma de uma jaca e de não encontrarmos nenhum NPC minimamente interessante ao longo de toda a aventura, o jogo, mesmo curtíssimo, é arrastado e insiste em repetições desnecessárias com uma falta de contextualização absurda. Afinal, se o meu problema é com alguns trolls, por que raios estou lutando, em 80% do tempo, contra caranguejos, morcegos e piranhas? E por que um jogo com esse escopo e seis fases tem a pachorra de repetir chefe? Por mais que o início seja modorrento, há uma promessa (talvez uma esperança) de crescimento da trama, o que nunca se cumpre — pelo contrário, só piora.

Jogando como antigamente

Ao assumir o controle do nosso grande herói, somos apresentados a comandos bastante conhecidos e que lembram uma versão simplificada e achatada para o blano bidimensional de God of War, com um ataque fraco e rápido, um ataque forte e lento, o salto (com a possibilidade de salto duplo), uma esquiva e algumas possibilidades de combos no chão e no ar. Tudo certo até encontrarmos o primeiro inimigo, que vai sintetizar o tom da aventura, uma dinâmica de dois ataques, esquiva para as costas do adversário e repetição dessa combinação. Do primeiro ao último, tudo se manterá exatamente igual.

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Aprender combos mais longos é útil só quando conseguimos atordoar minions genéricos, algo que dá o tempo necessário para bater um pouco mais sem tomar um contra-ataque imediato. Ainda assim, usar combinações desse tipo nem são tão aconselháveis porque os golpes mais poderosos utilizam da nossa barra de energia, a mesma que quando acumulada permite que entremos em um modo mais poderoso, uma espécie de especial por tempo determinado que nos deixa mais rápidos e possibilita até a recuperação da barra de vida.

Ou seja, usar dos ataques fortes, mesmo que possível, nos priva de acumular a energia suficiente para esse modo, o que prejudica demais nos momentos de maior perigo e, portanto, acaba não compensando tanto assim. Já que a inteligência artificial é simplória (para não dizer inexistente), é melhor usar da paciência e da repetição do que cortar caminho e ficar sem recursos mais adiante. Para compensar a falta de um comportamento mais adequado de inimigos, o jogo ainda peca em não impor qualquer impacto aos nossos golpes, mas nos infringindo esse efeito quando atacados.

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Isso é ainda pior quando, em batalhas contra chefes ou sub-chefes, somos envolvidos em um tipo de ataque contínuo que nos arranca um belo naco de vida, já que não podemos nem fugir, nem responder ao ataque, e só assistir o sofrimento do pobre Krut. Frustrante, desequilibrado e injusto: estes são alguns adjetivos que podem ser usados para descrever o combate do jogo, e que o tornam mais difícil do que ele realmente deveria ser. Mesmo na dificuldade padrão, todo inimigo, dos mais bobos aos mais resistentes, são como esponjas de golpes e, mesmo em pequena quantidade, acabam enroscando sempre não por serem desafiadores, mas sim porque punem ou pela demora em cair, ou quando um ciclo de repetição é quebrado em um ou dois golpes.

Falta não só diversidade de movimentos, de ataques ou combos, como também de formas de uso. Há dois ou três tipos de monstros voadores que demandam ataques aéreos, um ou outro sub-chefe dá abertura para ataques a distância, mas todos aqueles que encontramos apresentam basicamente os mesmos ataques, o mesmo timing de ação e a mesma forma de serem derrotados, mudando, quando muito, a skin. Lutar contra um escorpião, um caranguejo, uma planta de fogo ou um troll guerreiro é exatamente a mesma coisa. Nada se aprende, tudo só se repete.

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Boas ilustrações, bom som… e só

O estilo artístico do jogo, fruto do bom trabalho da Pixel Perfect, é das suas melhores qualidades. Personagens e cenários com aquela sensação de desenho a mão trazem cores vibrantes e ambientes variados, com um sistema de iluminação global generalista bem funcional, com passagens realmente impressionantes tanto em termos de ilustração como na sua colorização. A geração de partículas também não é prejudicial e cumpre o seu papel, mas são os cenários em primeiro plano repetitivos e com profundidade rasa, incluindo uma paralaxe bem modesta, que diminuem qualquer intensão mais grandiosa, qualquer escolha artística mais arrojada.

Além disso, algumas animações são pouco fluidas, em certos casos até robóticas, mas isso é muito mais uma consequência de um modelo de jogo engessado do que necessariamente das escolhas estéticas. O mesmo vale para cenários que, tematicamente, têm tudo para oferecer riqueza e diversidade de possibilidades, mas que acabam se resumindo a uma ou outra ideia repetida. Amplos desertos, florestas densas ou castelos medievais se tornam corredores com texturas repetitivas e sem qualquer grande inspiração.

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Tudo isso, somado, resulta (ou é resultado, em um efeito cíclico desastroso) em um dos level designs mais pobres que eu já vi, considerando não só produções mais recentes ou independentes, mas até mesmo jogos tecnologicamente mais limitados de gerações passadas. Ande, ande, ande, pule, encontre um inimigo, repita a formulinha de combate até derrotá-lo e siga adiante. Repita o processo de novo e de novo. Há uma fase com um pouco mais de articulação labiríntica, há duas ou três passagens com caminhos alternativos, dois ou três pontos de plataforma, mas nada que chegue perto de fazer a diferença.

O resultado é a presença de uma ou outra criatura em pontos aleatórios, guardas patrulhando coisa nenhuma, caminhos que levam do nada a lugar nenhum, verticalidade que, no máximo, é um zigue-zague sonolento e nada que lembre qualquer lógica contextual ou emergente. É realmente uma grande lástima que você tenha até alguns elementos pingados que seriam muito interessantes de serem abordados, como raças e monstros que poderiam carregar uma lore valiosa, mas que só estão lá como skins de criaturas malvadas genéricas.

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A trilha sonora, por sua vez, tem méritos, e consegue transmitir um tom de grandiosidade que jamais pode ser visto em qualquer outro aspecto do game. Mesmo quando invadimos um castelo ou quando voltamos a uma cidade em chamas tomada por um gigante, só a música consegue nos dar o tom épico prometido pela situação, e mesmo não apresentando canções especialmente memoráveis, traz ótimas soluções. A sonoplastia, se não brilha por si, faz o que se espera dela, e a ausência de qualquer trabalho de vozes distancia ainda mais a produção de quaisquer intenções de imersão e engajamento.

Escolhas questionáveis

Há que se argumentar que muitos dos problemas do jogo podem ser resultado do escopo independente da produção, o que faz bastante sentido, mas só em alguns casos. A falta de criatividade narrativa é dos pontos mais evidentes de uma falta de atenção, e não de recursos, e o desenho de níveis paupérrimo com um ou outro vislumbre de que havia algumas possibilidades desperdiçadas também evidencia um certo descaso com esse tópico. Mas os problemas não param por aí.

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O primeiro deles é um esquisito sistema de salvamento, com limitadíssimos checkpoints espalhados pelos níveis, normalmente próximos a sub-chefes ou aos chefes finais. Para acioná-los, porém, não basta chegar até eles: é necessário pagar para que eles funcionem — e o preço relativamente caro.

Explicando: lutando contra inimigos ou abrindo baús escondidos pelo cenário, conquistamos pontos de energia, de vida, e moedinhas (ou almas) que podem ser utilizadas nesses checkpoints. O primeiro uso, como dito, é justamente para acionar o checkpoint em si. Se você escolher não pagar por isso, no caso de morte, tereá que voltar ao começo da fase (ou ao último checkpoiont que pagou para usar).

O segundo uso das almas que acumulamos é justamente desbloquear melhorias, como aumento na barra de vida, no poder de dano, no acerto crítico, compra de vidas extras ou na recuperação da barra de vida esvaziada. Tudo isso, porém, é muito caro, e muitas vezes ao pagar o “pedágio” que aciona o checkpoint, não sobra muito para melhorar o personagem. Das duas, uma: ou se volta metade da fase para fazer esse desbloqueio de melhorias no ponto anterior, ou ficamos indo e voltando em certos trechos com respawn de inimigos para farmar moedinhas. Duas formas artificiais e contra-produtivas para o formato do jogo.

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Os upgrades são caros… e liberar os checkpoints também.

O resultado é que cheguei ao chefe final sem ter tido chance de sequer desbloquear um terço das melhorias, porque não há inimigos elimináveis nem tempo para se ganhar o suficiente. Isso valeria de alguma coisa se houvesse, por exemplo, um NG+ ou algo que o valha, permitindo que se começasse uma nova run em uma dificuldade maior, por exemplo, só que com as melhorias já compradas acumuladas para continuarmos a partir dali. Só que não há essa opção: quando terminamos o jogo, recomeçamos a campanha do zero, sem qualquer incentivo… A não ser procurar de novo um bom motivo para gostar do jogo — o que, comigo, não funcionou.

Conclusão

Krut: The Mythic Wings tinha muito potencial, e, em uma primeira olhada, parece apresentar vários pontos para que possamos confiar que o jogo oferecerá grandes recompensas a quem investir na sua proposta. Um trabalho de arte conceitual bacana, um sistema de combate já conhecido, mas consagrado, uma mitologia que deveria ser rica, e uma aventura side scrolling 2.5D que remete a bons tempos do gênero, compõem uma receita daquelas que tinha tudo para ser uma aposta segura. Contudo, o preparo desanda quando, ao juntar tudo isso, não se acrescenta alma à obra.

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Uma ambientação insuficiente poderia ser contornada pela criatividade cenográfica e principalmente por um desenho de níveis que seja algo um pouco mais ambicioso do que simplesmente criar uma linha reta entre o início e a batalha contra chefes. Contudo, o que se tem é o mínimo do mínimo exatamente nesses dois quesitos, com três ou quatro pontos de salto ali no meio só pra dizer que estão lá, uns inimigos aleatórios jogados em qualquer canto sem nenhum contexto ou critério, e batalhas formulaicas sem exigências intelectuais, motivações ou variações de comportamento da IA.

Mesmo com tudo isso, eu realmente busquei qualquer âncora a qual pudesse me apegar, porque realmente me interesso pelo gênero e por histórias que tratem de mitologias como essa. Eu queria que os tais seis elementos me fossem úteis, que o jogo me desafiasse de forma consciente, a me envolver com essa jornada clássica do herói caído que ressurge do nada para se tornar uma lenda e salvar o mundo… mas a cada vez que via os créditos subirem, só sentia o vazio. Nem mesmo incomodado eu estava, seja com história, com bugs e travamentos, ou mesmo com a dificuldade deslocada, e isso é o pior que pode acontecer quando você estava realmente disposto a gostar daquilo. Uma pena, mas Krut: The Mythic Wings é um jogo vazio, esquecível e sem graça.

Krut: The Mythic Wings será lançado amanhã (12 de julho de 2022) para Playstation 5, Playstation 4, XBox One, XBox Series X|S, Nintendo Switch e PC, com textos em alguns idiomas, incluindo o inglês, mas infelizmente o português não é um deles.

2 Respostas para “Análise Arkade: O potencial desperdiçado de Krut: The Mythic Wings”

  • 12 de julho de 2022 às 12:29 -

    Leo Garzedim

  • A gente fica com a impressão que toda a criatividade se foi na cena de abertura do trailer. Tinham uma boa premissa, e só.
    Uma pena mesmo…

    • 5 de agosto de 2022 às 15:40 -

      Paulo Roberto Montanaro

    • Exatamente. Parece que o jogo foi pensado para complementar aquela cena.

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