Análise Arkade: Biomutant é vítima de sua própria ambição

25 de maio de 2021
Análise Arkade: Biomutant é vítima de sua própria ambição

Biomutant foi anunciado há quase 4 anos, em agosto de 2017. E desde lá chamou a atenção de todo mundo, com sua premissa pós-apocalíptica diferenciada, cheia de animais mutantes, kung fu e crafting.

Hoje, enfim o jogo foi lançado para PS4, Xbox One e PC. Tivemos a oportunidade de experimentar o jogo antes do lançamento, e agora vamos compartilhar nossa opinião com você em nossa análise de Biomutant!

Escolhas pós-apocalípticas

Biomutant se passa em um futuro pós-apocalíptico em que não existem mais seres humanos no mundo. Destruímos demais o planeta com nossa poluição, nossas máquinas, nossa ganância e nossas guerras. As raças dominantes agora são mutantes — animais antropomorfizados que sobrevivem catando sucata, ou criam suas próprias comunidades e vilarejos.

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Este mundo selvagem (que já acabou uma vez) está em perigo novamente: a Árvore da Vida, que é (supostamente) a “cola” que mantém tudo unido e funcionando, está sendo atacada por tribos radicais e terríveis monstruosidades conhecidas como Devoradores de Mundos.

Obviamente, é nossa missão evitar que isso aconteça… ou não, uma vez que, em Biomutant, já começamos tomando uma decisão de peso: iremos ajudar as tribos que querem proteger a Árvore da Vida, ou os povos que querem garantir que os Devoradores de Mundos cumpram sua missão, na esperança de que isso ajude a natureza a retomar seu lugar?

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Esse é o primeiro dos Devoradores

Pois é, Biomutant é um jogo que traz dilemas e bifurcações desde os primeiros minutos, e suas decisões moldam uma história que pode ter múltiplos finais. Há um sistema de moralidade, representado por criaturinhas da Luz e da Escuridão, cujo balanceamento é afetado pelas escolhas que você faz enquanto joga. Matar ou perdoar? Culpar ou absolver? Lutar ou ser diplomático? Quem decide é você, mas esteja preparado para lidar com as consequências de suas decisões.

Potencial mal aproveitado

Falando assim, das escolhas e questões morais que o jogo traz, parece incrível, eu sei. Mas a verdade é que Biomutant é um jogo um tanto confuso. Sua história meio que atira para todo lado: o lance de conquistar as vilas e a missão de proteger a Árvore da Vida parecem se complementar, mas na verdade correm em paralelo, e acabam não se conectando direito. E a parte de conquistar as vilas só é chatinha, pois se prolonga por tempo demais.

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Conquistar outras vilas aumenta seus domínios… mas é chato

Como há muitos nomes de lugares, personagens e criaturas que são bem estranhos, pode acontecer do jogador ficar meio perdido no meio de tantas terminologias pitorescas — especialmente porque nada é falado diretamente: as criaturas do jogo têm seus próprios dialetos, de modo que tudo passada pelo “filtro” de um narrador que é carismático… mas também tende a colocar seus próprios devaneios no que diz.

O jogo também não faz um uso muito bom de flashbacks: acompanhar a infância do personagem que criamos é útil para nos apresentar certos conceitos e personagens importantes, mas, na prática, esses momentos não têm muita relevância narrativa. A história poderia ser mais contida, mais direta.

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Um bom exemplo é um chefe chamado Lupa-Lupin: em um flashback, vemos ele fazer coisas terríveis, e o início do jogo dá a entender que ele será uma grande ameaça. Porém, de repente dar cabo dele torna-se um objetivo sem relevância, perdido no meio de conflitos maiores. Para piorar, o roteiro força a barra para gerar empatia pelo monstro — pense no que é feito com o Kuro no incrível Ori and the Blind Forest –, mas não convence. O arco narrativo de Lupa-Lupin é inconsistente, irrelevante, e aqui nem há opção de ser benevolente ou perdoar: a situação é resolvida na base da porrada, mesmo.

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Esse é o Lupa-Lupin

Tem também uma missão “importante” onde devemos escolher 4 personagens para embarcarem “na Arca” conosco… mas não vi minhas escolhas terem grandes consequências. Não quero jogar um balde de água fria na sua empolgação, mas acho importante que você venha com as expectativas bem calibradas: na minha opinião, Biomutant mira bem alto em suas ambições, mas o que ele entrega não chega lá. E isso não vale só para a história.

Wung Fu

Biomutant é um RPG de mundo aberto que “empresta” elementos de diversos títulos para construir suas mecânicas. Depois de passar quase 20 horas com o game, é impossível não reconhecer similaridades com títulos como Zelda, Borderlands, Horizon Zero Dawn e até um pouquinho de Devil May Cry.

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Embora seja um “action RPG” com bastante “action”, ele nunca deixa o “RPG” de lado por muito tempo. A começar pelo sistema de criação de personagens, que é bastante intuitivo de se usar, e chega acompanhado de uma escolha de classes de personagens que vai afetar principalmente o seu loadout inicial e sua afinidade com certas habilidades.

Para manter meu personagem parecido com aquele dos trailers, eu acabei não mexendo muito na aparência nem na classe inicial dele — pistoleiro — mas logo percebi que isso não é assim tão relevante. Salvo as habilidades únicas e perks de cada classe — que nem são tantos assim –, todo o resto pode ser modificado: você decide se quer usar um espadão de duas mãos, um par de manoplas ou um bastão, independente da classe do seu personagem. O mesmo vale para os ataques à distância: quer usar uma pistola ou duas? Um rifle? Ou que tal um bumerangue? Independente da classe, você usa o que quiser.

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Aí entra o chamado Wung Fu, estilo de combate predominante do jogo que mistura ataques corpo a corpo com diferentes armas (ou mesmo sem armas) e tiroteios malabarísticos com armas de fogo customizáveis. O grosso do combate se apoia em técnicas de Wung Fu que são iguais para todas as classes.

Somado ao Wung Fu, temos ainda outros dois tipos de habilidades: as mutações e os poderes psiônicos, que são basicamente as magias e “superpoderes” do jogo. As mutações demandam gosma biológica para serem liberadas, enquanto os poderes psiônicos vêm da energia que drenamos de máquinas e componentes radioativos.

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São essas habilidades que dão um tempero extra aos combates, e garantem mais variedade e profundidade: eu e você até podemos liberar as mesmas habilidades, mas não necessariamente iremos manter a mesma “build”. Cada jogador vai escolher as “magias” que mais se adequam ao seu estilo de jogo.

Na prática, o sistema de combate de Biomutant é funcional, mas não achei ele particularmente bom. Tudo é meio desajeitado, falta impacto e atacar inimigos quase nunca cancela seus golpes. Temos uma arma de fogo, mas não tem como mirar decentemente, e um sistema de parry/contra-ataque bastante subutilizado. O jogo usa recursos de câmera lenta para criar momentos estilo Max Payne/Matrix, mas faz isso sem o mesmo refinamento.

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O bullet time proporciona momentos (meio) cinematográficos

E já que estamos em combates, vale ressaltar que o jogo tem um punhado de chefes gigantes, bem como mechas de combate que podemos construir com sucata — e são úteis tanto na exploração quanto no combate. As boss battles são grandiosas, mas sofrem dos mesmos problemas que as batalhas comuns: o gameplay não acompanha o potencial dos confrontos, e os inimigos (mesmo os comuns) demoram demais para cair.

A impressão que fica é que os produtores encheram o jogo de possibilidades de combate — wung fu com armas, sem armas, com armas de fogo, mutações, magias, mechas –, mas “esqueceram” de criar uma mecânica responsiva e agradável que tirasse proveito de tudo isso. O resultado são combates que podem parecer estilosos, mas são truncados, e nem tão empolgantes quanto poderiam ser.

Um mundo cheio de perigos e puzzles

O vasto mundo aberto de Biomutant é fascinante, e oferece muita liberdade de exploração… desde que você saiba os lugares que pode ir, e os que deve evitar. Explicando: há áreas tóxicas que podem matá-lo em questão de segundos, bem como desertos escaldantes que vão matá-lo de calor e zonas frias que podem congelar seu personagem. Conforme subimos de nível, podemos melhorar nossa resistência a esses elementos, mas para preservar a vida, geralmente precisaremos de algum tipo de veículo, montaria ou proteção para cruzar esses locais.

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Sua “montaria” também pode ser um mecha feito de sucata

Como esse é um jogo com ênfase no crafting, prepare-se para passar um bom tempo abrindo gavetas, caçambas e baús em busca de equipamentos (ou partes de equipamentos). É possível montar ou aperfeiçoar armas e partes do traje utilizando sucata, em um sistema de customização bastante denso, que vai muito além de “deixar algo mais forte” pois envolve também buffs, debuffs e danos elementais. As partes são intercambiáveis, então você pode criar combinações bem malucas, desde que tenha as peças necessárias.

A exploração, felizmente, é uma das partes divertidas do jogo: vasculhar ruínas, cavernas e bosques é prazeroso, e o jogo possui um inteligente sistema de fast travel que facilita as coisas (repare que o personagem faz xixi nos postes de fast travel, marcando o território, como os animais fazem). E, sempre podemos descolar uma montaria se quisermos ganhar velocidade enquanto exploramos.

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Essa névoa verde indica que a área é tóxica

O mundo de Biomutant é salpicado de objetivos secundários, segredos e pontos de interesse. Vai do seu interesse vasculhar cada cantinho do cenário, ou desbravar cada caverna que encontrar. Há muito conteúdo opcional aqui, e deixar tudo para trás (ou não) é uma decisão do jogador.

Como esse é um RPG de mundo aberto, espere por muitas missões estilo “garotos de recados”: preciso que vá buscar tal coisa para mim, encontre algo que perdi ou leve isso para alguém. As missões principais, por sua vez, tendem a se repetir, pois geralmente envolvem a conquista de territórios inimigos para fortalecer a presença da tribo que decidimos apoiar.

E já que falamos em repetição, Biomutant é cheio de pequenos puzzles pentelhos: ligar um equipamento, abrir um baú ou religar a energia de algum lugar geralmente envolve um puzzle no qual precisamos conectar elementos de cores iguais tendo um número específico de movimentos para realizar. A lógica desses puzzles nunca é particularmente complexa, mas eles simplesmente não são divertidos, e aparecem com (muito) mais frequência do que deveriam.

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Prepare-se para muitos puzzles desse tipo…
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E desse tipo também

O fato é que, apesar de sua roupagem diferenciada, Biomutant é um open world RPG bastante formulaico, que não é particularmente criativo em sua estrutura e pode tornar-se repetitivo depois que entendemos sua cadência. Isso não é um problema exclusivo de Biomutant (mesmo The Witcher 3 é assim), mas é uma fórmula que já demonstra sinais de cansaço, simplesmente porque hoje existem muitos RPGs de mundo aberto nessa linha — até Assassin’s Creed entrou nessa.

Audiovisual

Aqui talvez esteja o maior acerto do jogo: a direção de arte de Biomutant é simplesmente maravilhosa. A mistura de tecnologia sucateada com natureza selvagem cria cenários incríveis, e o design dos personagens e monstros, no geral, é incrível. Aplaudo de pé a criatividade dos artistas da Experiment 101, que criaram um mundo visualmente deslumbrante. Há até espaço para brincadeiras de design, com onomatopeias com cara de história em quadrinhos e outros detalhes charmosos.

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Dá gosto explorar o mundo do jogo

Ainda que falte algum polimento nas animações e na detecção de colisão dos personagens com objetos do cenário, no geral o jogo roda bem. Sofri com vários crashes nos primeiros dias (recebemos o jogo no início de maio, bem antes do lançamento), mas é bom ressaltar que o jogo já vem recebendo atualizações, que tornaram a experiência muito mais estável — estou rodando no PS5, via retrocompatibilidade.

Como não há vozes “de verdade” aqui (as criaturas conversam através de rosnados, guinchos e outros barulhinhos) sobra espaço para o narrador cumprir seu papel e ser porta-voz de nossa jornada. E ele faz um ótimo trabalho, acrescentando um aspecto lúdico à nossa aventura, de um jeito que lembra Bastion. Ele pode se tornar meio pentelho às vezes, mas o jogo até nos deixa reduzir a frequência de seus comentários, se quisermos.

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Todos os diálogos são “traduzidos” pelo narrador

A trilha sonora é boa especialmente por combinar com a proposta do jogo e com o mudo onde ele se passa. Não é aquele tipo de trilha que a gente vai querer ouvir fora do jogo, mas, ali, dentro do contexto, ela funciona bem. Algumas “emendas” e loops são perceptíveis, mas acredito que isso possa ser corrigido agora que o jogo já saiu.

Acho válido ressaltar aqui a qualidade do trabalho de localização: como eu disse, o mundo de Biomutant é cheio de nomes e termos pitorescos, e tudo foi adaptados de formas criativas para o nosso idioma. Lugares como “Torresmão” e “Torresminho” são só alguns exemplos do carinho que foi empregado no jogo. Não é só tradução, é localização.

Conclusão

Biomutant é um primeiro jogo bastante ousado para o pequeno estúdio sueco Experiment 101 — a equipe responsável pelo jogo tem cerca de 20 pessoas. Os caras já quiseram começar com algo grande, e talvez esse excesso de ambição seja o principal problema do game: ele tenta fazer tantas coisas, que acaba não fazendo nenhuma delas direito. O resultado disso é um jogo que é só “ok”, embora tivesse potencial para ser muito mais interessante.

Análise Arkade: Biomutant é vítima de sua própria ambição

A impressão que fica é que faltou foco. Sobram mecânicas e ideias, mas nada parece ter sido executado com o cuidado que merecia. O jogo é uma colcha de retalhos, cheia de sistemas mal aproveitados, com uma história confusa e uma estrutura formulaica que não consegue se sustentar por trás da fachada vibrante e colorida de um mundo incrível, rico, viçoso… mas mal aproveitado.

Biomutant poderia ser um pouco menor, mais contido, mais focado. É o típico exemplo de que “menos pode ser mais”. Respeito a ambição de um estúdio novato que quer provar seu valor, mas sinto que eles quiseram “dar um passo maior que a perna”. As vezes pode ser melhor ter menos ambição no planejamento e mais qualidade na entrega.

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Finalizo esta análise com uma anedota que ouvi esses dias, e que tem um pouco a ver com o “mundo animal” do jogo. O pato anda, nada e voa, mas não faz nenhuma dessas coisas direito. Biomutant é como o pato: tenta fazer coisas demais e acaba não fazendo nenhuma delas bem o bastante. Uma pena.

Biomutant está sendo lançado hoje, com versões para PC, PS4 (versão analisada, rodando no PS5) e Xbox One.

Uma resposta para “Análise Arkade: Biomutant é vítima de sua própria ambição”

  • 25 de maio de 2021 às 18:36 -

    Andre Lima

  • Eu e meus parças sempre discutimos isso. Todo jogo de mundo aberto sofre do mesmo mal, repetição. Ou ele é “pequeno” focado e menos repetitivo, porem os jogadores heavy reclamam da falta de conteúdo (que eu nunca entendi.. pq q falta? repetir um mesmo estilo de missão mais 10 vezes?) ou grande “cheio” de conteudo (que a real é a mesma coisa). No fim, eu acho que é a “SKIN” do jogo aberto que faz a diferença. Eu AMO Grécia antiga, logo Fenyx Rising foi uma maravilha fazer a mesma coisa 1000 vezes, assim como em Odyssey. Agora RDR1/2, ou até mesmo The Wticher pra mim é um saco! haha.. mas pra esse to animado, esperar um pouco ainda pra comprar.

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