Análise Arkade: Curse of the Dead Gods é puro roguelike, desafio e aprendizado

6 de março de 2021
Análise Arkade: Curse of the Dead Gods é puro roguelike, desafio e aprendizado

Hades fez história em 2020 ao se colocar dentre os gigantes nas maiores disputas de Jogo do Ano, desafiando o domínio de jogos de grande orçamento a premiações desta natureza. Mas o grande mérito do game está muito longe desse aspecto simbólico, que para ser sincero não importa tanto assim como todos nós fazemos parecer. O grande diferencial do jogo está em elevar o patamar de um gênero que parece cada dia mais sedimentado na indústria, principalmente no cenário independente, e mostrar que há ainda muito espaço para que propostas roguelike ganhem nossos corações e algumas boas horas de dedicação.

Curse of the Dead Gods não é exatamente uma cria de Hades, já que certamente teve seu desenvolvimento iniciado muito antes desse fenômeno ter tamanha repercussão, mas deriva das mesmas bases. Traz consigo características que funcionam muito bem, tais como o aprendizado constante, a evolução cadenciada, a adaptabilidade como habilidade necessária, sem deixar de lado uma construção mitológica que está muito mais nas entrelinhas do que em textos ou declarações objetivas. Mas como o próprio jogo nos ensina, vamos com calma em cada um desses temas.

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Riquezas, glórias e maldições

Quando um explorador no melhor (e pior) estilo Indiana Jones adentra as catacumbas misteriosas, lar eterno de deuses caídos, em busca de riquezas inimagináveis e glórias incalculáveis, ele descobre que nada pode ser conquistado de graça: será preciso lutar pelos espólios.

Se não temos exatamente um background tão definido para nosso protagonista, uma coisa é certa: ele jamais será o mesmo depois de dar os primeiros passos nesta aventura. Isso porque uma das principais mecânicas presentes no jogo é que a cada trecho adentrando cada dungeon esconde uma maldição diferente, algo que não só transforma nosso herói, como também pode modificar completamente a forma como nós, enquanto jogadores, encaramos os desafios seguintes.

Explico melhor: a campanha, se assim podemos chamá-la, é articulada em um sistema piramidal: temos logo de cara três dungeons disponíveis, cada qual guardada por uma criatura ancestral, uma divindade, por assim dizer. O nível seguinte é composto por mais duas e, no topo, a última. Para liberar cada nível, há uma quantidade específica de artefatos a serem conquistados nas anteriores, como oferendas que dão direito ao acesso a esses níveis elevados. Cabe ao jogador, deste modo, decidir qual caminho seguir para conquistar o pré-requisito.

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Cada dungeon é organizada em salas, com uma série de caminhos possíveis. Esses compartimentos são divididos em algumas categorias conforme bonificações possíveis no caso de vitória: enquanto há as que dão muito ouro, outras oferecem armamentos melhores ou algumas melhorias a serem equipadas. Há outras ainda onde se pode recuperar a barra de HP e algumas guardam surpresas aleatórias — como em Hades. Essas categorias são facilmente identificáveis no próprio mapa, tal como o caminho possível até a sala do chefe, ou do sub-chefe da área, como a ilustração acima exemplifica.

Por fim, como já citado, entrar em algumas salas pode trazer uma maldição diferente, algo que depende de uma barra de corrupção que se enche de acordo com algumas ações realizadas. A construção procedural — ou seja, os mapas são gerados de modo diferente a cada nova incursão — é parte da aprendizagem. Ainda que alguns elementos sejam esperados, e conforme o jogador repete cada área vai percebendo alguns padrões mais previsíveis, tudo pode se transformar rapidamente conforme as maldições são ativadas. Também aleatórias, elas estabelecem novas características que trazem desvantagens (afinal, são maldições), mas algumas podem até ajudar. Por exemplo, algumas podem diminuir a efetividade da iluminação da sua tocha, mas ao mesmo tempo, você toma menos dano quando em uma área iluminada. Nem todas tem contrapartida, porém.

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A soma de todos esses aspectos, sejam os de escolha do próprio jogador, sejam os com características de aleatoriedade, fazem com que cada nova incursão seja diferente das anteriores. Mas ainda tem mais: nosso personagem tem como padrão dois tipos de armas equipadas. A priori (e isso não é regra absoluta) um para ataques corpo-a-corpo, como espadas, manoplas e marretas; e outra para ataques a distância, como espingardas e chicotes. Conforme se avança na área, é possível ainda equipar uma terceira, pesada, de duas mãos. O padrão é começarmos com um facão simples e uma arma de fogo sem muita identidade. Logo, isso também muda, mas esse é um tema para o próximo tópico desta análise.

O retorno e a transformação

Reza um dos preceitos da jornada do herói que a busca é sempre pelo retorno ao estado original, ao passo que toda aventura nos transforma. Jogos roguelike levam essa característica muito a sério e isso transparece em vários pontos de Curse of the Dead Gods. O primeiro, mais conceitual, é que cada novo recomeço resulta em uma aprendizagem diferente, seja na forma como lidar com certos tipos de inimigos, seja na melhor forma de escolher nosso caminho. Entendemos que por vezes é melhor evitar alguns tipos de salas em detrimento a outras, ou deixar para visitar as de oferendas mais tarde. Essa é a forma como o jogo nos ensina a jogar, já compreendendo que a repetição de dungeons é parte da experiência.

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Primeiro, porque vamos morrer. Algumas vezes. Provavelmente várias vezes. Segundo, porque mesmo em trechos já vencidos e superados, vale a pena uma nova visita para craftar recursos. Então não é porque conseguimos vencer alguma divindade que não voltaremos a vê-la, e o game sabe disso, tanto que há um contador de quantas vezes matamos cada uma destas entidades. O perigo dessa mecânica é o jogo não conseguir oferecer diversidade o suficiente para não tornar essa reiteração algo repetitivo e enfadonho. Felizmente Curse ofthe Dead Gods é muito competente em incentivar o retorno porque há sempre algo novo a se descobrir.

Um exemplo disso é a capacidade de melhoria prática do nosso personagem e se deu arsenal. A cada retorno ao hub — que é basicamente a entrada principal da caverna — é possível usar alguns tesouros coletados, como caveiras e anéis, em habilidades novas ou melhorias para as que já existem. Com o tempo, novas vão sendo liberadas, a ponto de nunca se esgotarem, ainda que só três delas, no máximo, podem estar equipadas ao mesmo tempo. Certos upgrades são relativos a tipos específicos de armamentos, então nem sempre o mais caro poderá ser de grande ajuda. Afinal, se você compra um atributo poderosíssimo para uma arma que não tem em mãos e não encontra dentro da dungeon, essa melhoria não faz diferença. Cada escolha faz parte da estratégia não só da jornada seguinte, mas de toda a continuidade da vivência no jogo.

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Também podemos aumentar gradativamente a diversidade de altares que nos oferecerão os conjuntos de armamentos possíveis de início. Quanto mais deles forem liberados, mais variada será a escolha. E quanto melhores forem esses altares, mais qualificados são esses equipamentos. Tudo isso vai aumentando o estado inicial do nosso herói na partida para uma nova aventura, tudo isso nos torna tecnicamente melhores para enfrentar os perigos, armadilhas e desafios que nos esperam. Estar bem preparado demanda tempo, dedicação e planejamento a médio e longo prazos. E nada disso dispensa a boa e velha prática porque, no final das contas, não saber lidar bem com a ação na hora H pode colocar todo esse investimento a perder.

Então, sim, Curse of the Dead Gods é difícil. Contudo, não mais que a grande maioria dos games notáveis do gênero. Para ser sincero, o jogo é muito mais generoso com erros e deslizes que grande parte dos games desse estilo e não chega a ser punitivo ao extremo, pelo menos nos primeiros desafios. Com o domínio adequado dos movimentos de ataque e principalmente, dos de esquiva, é possível alcançar bons resultados logo de início. Chegar ao final já é outra história… o game consegue criar uma curva de flow cadenciada no começo para engrossar o caldo na segunda metade da jornada. É nesse ponto onde sistemas mais complicados de se dominar começam a fazer a diferença. Só pra se ter uma ideia, os chefões das primeiras fases são só “mais uma sala” da metade pra frente.

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Por exemplo, o comando de parry, de aparar ataques adversários, não é dos movimentos mais fáceis, já que a janela do comando é bastante precisa. Cometi o erro de ignorar a função em detrimento de outras que funcionaram melhor para mim nas primeiras horas. O resultado foi que tive que reaprender o movimento quando esquiva e ataque ininterrupto já não bastavam. Então, se eu puder adiantar uma dica para quem for investir no game é: aprenda e domine cada movimento, mesmo quando eles não forem tão exigidos assim. Porque em algum momento, eles serão, garanto.

Ao mesmo tempo, sempre fico feliz em não encontrar aqueles inimigos insuportáveis que parecem ser esponjas de ataques com barras de vida intermináveis. Mesmo os chefes são vencíveis sem a obrigação de ficarmos horas e mais horas tirando lasca por lasca deles. Continuam desafiadores, alguns com padrões não muito fáceis de se criar oportunidades, mas um caminho bem construído garante que você esteja bem preparado quando chegar o momento do desafio maior. Mais do que tudo, a sensação, mesmo quando fracassamos, é a de que o jogo é justo e honesto ao premiar o esforço e nunca forçar a barra para parecer mais difícil do que realmente é.

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A luz e a escuridão

Como todas as masmorras que se prezam, as de Curse of the Dead Gods são bastante escuras, cheias de mistérios e perigos escondidos. Jogos que se baseiam na visão isométrica e geração procedural tendem a se aproveitar de texturas e padrões de forma excessiva, e aqui não é tão diferente assim. Cada área tem sua identidade, algumas referências mais diretas e outras nem tanto, mas a sensação, depois de algumas horas, é de mesmo com o esforço em garantir um level design variado, a parte estética se torna mais constante e repetitiva — muito por conta da natureza cíclica do gênero.

Em um traçado que se apropria do bom e velho cel shading, paredes, objetos cênicos, armadilhas, totens e quinquilharias, deste modo, se destacam pouco quando vistos de forma separada, e o mesmo vale para os inimigos que mesmo quando se distinguem uns dos outros, o próprio sistema de jogo não favorece uma apreciação dos detalhes de cada modelo. Mesmo nosso herói não ganha tanto destaque assim, mesmo quando em janelas de suporte, menus e outros. O jogo abusa da mesma palheta de cores colorida em cada dungeon, e garante os tons arenosos em locais inspirados em ambientes desérticos, ou dos cinzas nos cavernosos. Nada tão surpreendente ou mais ousado nesse caso.

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O destaque está mesmo no sistema dinâmico de iluminação. Primeiro, porque fontes de luz são parte da própria jogabilidade. Você carrega uma tocha e pode acender algumas fontes, mas isso não é só um artifício para ajudar na visibilidade. Há momentos onde tomamos mais dano quando na penumbra, ou somos mais fortes em locais iluminados. Então ambos os sistemas — o visual e o de gameplay — estão ainda mais integrados que o usual. E para que isso funcione, os efeitos de luz e sombra são muito competentes ao espalhar a claridade (ou não) pelo cenário, contabilizar objetos e outras fontes (como fogueiras, áreas incendiadas e ataques flamejantes) e até efeitos da maldição na própria tocha.

Também por isso, ataques nossos ou adversários são um espetáculo visual a parte, com cores e partículas se destacando no brandir das armas. Nada que seja exagerado, ou que nos faça perder a perspectiva de onde estamos ou de onde vem os ataques, mas há bons momentos onde a confusão na tela traz beleza estética. Se por um lado os modelos não são o ápice do detalhamento, o estilo cartunesco funciona muito bem como a construção pirotécnica do combate e, ao mesmo tempo, a simplificação de personagens e objetos somada aos espaços escuros garantem fluidez e desempenho adequados para que todo esse destaque literalmente brilhe.

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A trilha sonora, por sua vez, traz uma musicalidade bem econômica, com sons abusando das notas agudas para dar um tom de suspense enquanto toda a passagem se constrói pela ambientação cavernosa, com ecos e tons graves mais alongados. Soma-se a tudo isso efeitos sonoros exagerados de armas, movimentos e grunhidos que beiram o clichê de cada um dos monstros e temos uma elaboração atmosférica intensa. O uso de headset, como na maioria dos casos, ajuda muito a perceber as pequenas nuances e a embarcar no clima, mas não chega a ser algo indispensável para a experiência.

Como um todo, o aspecto audiovisual da produção é muito coerente com a proposta. Se não chega a se destacar muito no que tange a qualidade de modelos, cenários e de movimentação, é no abuso dos efeitos de iluminação e de ruídos, que estão incorporados na própria experiência da jogabilidade, onde o jogo se destaca, e o faz bem. Talvez pudesse ser mais ousado na diversificação dentro do universo estabelecido, mas há que se compreender que a geração de ambientes de forma procedural não ajuda na composição criativa dos espaços.

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Conclusão

Curse of the Dead Gods merece destaque e respeito. Ainda que traga uma narrativa muito mais contextual do que profunda, e deste modo use pouco do lore criado para si mesmo, o game consegue ser envolvente, mesmo sem nos importarmos tanto assim com esse protagonista. O modelo roguelike pode, em algum momento, incorrer no esgotamento, mas isso certamente deve demorar a acontecer e ainda há muita lenha para queimar nesse quesito.

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O sistema de combate é ótimo, com a possibilidade de combinações e construção de builds bem interessantes entre as diversas armas disponíveis, e a composição de combos é particularmente sofisticada para o gênero. Sistemas de melhoria e aprimoramento são interessantes o suficiente para nos manter engajados, e a diversidade da elaboração procedural de cenários garante que demore muito para que ambientes, fases e dungeons se tornem repetitivos.

O visual tem seu estilo próprio, ainda que pouco se destaque por questões de originalidade, e o uso inteligente das nuances da iluminação fazem muito bem para o jogo. Uma trilha sonora adequada, menus bem organizados e a localização dos textos para o português ajudam a oferecer uma experiência sólida, viciante e imersiva, garantindo que mesmo os momentos mais trabalhosos sejam suficientemente agradáveis para nos fazer buscar aquele algo a mais em cada nova entrada no mundo do jogo.

Curse of the Dead Gods, desenvolvido pela Passtech Games e distribuído pela Focus Home Interactive tem lançamento confirmado para 04 de março de 2021 para Playstation 4, XBox One, PC e Nintendo Switch (além do Playstation 5 e do XBox Series via retrocompatibilidade). O jogo possui menus e legendas em PT-BR.

Uma resposta para “Análise Arkade: Curse of the Dead Gods é puro roguelike, desafio e aprendizado”

  • 6 de março de 2021 às 21:36 -

    Helinux

  • valeu galera do Arkade!!!!

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