Arkade Series: Testemunhando a ascensão do Hip Hop em The Get Down

21 de agosto de 2016

Arkade Series: Testemunhando a ascensão do Hip Hop em The Get Down

Rap, turntables, breakdance e grafite. Os elementos que formam o hip hop se unem em The Get Down, nova produção da Netflix que conta o inicio de uma cultura que revolucionou a sociedade como um todo.

Originado no sul do Bronx em meados dos anos 70, o hip hop veio a ser um dos maiores movimentos culturais e sociais no mundo, trazendo diferentes elementos urbanos que serviam como a voz daqueles que não tinham voz, seja pela arte nos estabelecimentos, nas rodas de dança, nos scratches para formar batidas ou pela própria fala, este último utilizando o ritmo e a poesia para soltar rimas que retratavam praticamente tudo, desde o dia a dia em uma região repleta de adversidade e até frases que serviam como aliados as batidas e os loops infinitos realizados pelos DJs nas festas.

Eis que temos The Get Down, série criada por Baz Luhrmann (Moulin Rouge! e The Great Gatsby) e Stephen Adly Gurgis, além da ajuda das grandes lendas do hip hop, como Grandmaster Flash, DJ Kool Herc, Afrika Bambaataa, Kurtis Blow e Nas, para manter a autenticidade no patamar mais alto possível.

Arkade Series: Testemunhando a ascensão do Hip Hop em The Get Down

“What’s this kid, welcome to the get down”

The Get Down conta diversas histórias que rolaram no Bronx em 1977, com vários núcleos e personagens abordando diferentes temas que se relacionam com o nosso protagonista, Ezekiel “Zeke” Figuero (Justice Smith), um adolescente extremamente inteligente e engenhoso, porém com pouca ambição, querendo fazer sua marca ao mundo de alguma maneira. Ao lado de Zeke temos Mylene Cruz (Herizen F. Guardiola), com sonhos de ser uma estrela da música disco mas que vive enfrentando seu pai, Ramon Cruz (Giancarlo Esposito), um pastor extremamente conservador que vê o gênero musical como um pecado, a proibindo de ir nas boates.

Além destes dois protagonistas existem dezenas de personagens que são apresentados no primeiro episódio. Tem o lado político representado por Francisco “Papa Fuerte” Cruz (Jimmy Smits), um político que está tentando construir habitações populares para a classe trabalhadora da cidade, e que também é o tio da Mylene. O núcleo da boate de disco comandado pela Fat Annie (Lillias White), chefe de uma família gangster que trafica cocaína nas boates. Os fieis amigos de Zeke que formam alguns dos elementos principais do hip hop, como o grafiteiro Marcus “Dizzee” Kipling (Jaden Smith) e Shaolin Fantastic (Shameik Moore), servindo como um terceiro protagonista pela sua vida dupla entre ser um traficante para a Fat Annie e ser um discípulo de Grandmaster Flash para se tornar uma lenda dos turntables.

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Como pode ver, é uma variedade e tanto de personagens vivendo suas vidas e possuindo suas próprias ambições. E por isso temos um enredo que, no primeiro episódio, é confuso e caótico. Mesmo com uma hora e meia de duração The Get Down luta para apresentar todos os personagens de uma forma coesa, deixando o tempo para pequenas primeiras impressões de personagens secundários que poderiam aparecer no segundo episódio, porém pela natureza interligada do roteiro, acaba não sendo possível já que para um certo momento acontecer o público teria que conhecer o personagem em questão. Não é uma problema necessariamente grande, mas visível especialmente no primeiro episódio, mostrando que a meia hora adicional que recebeu em comparação aos outros episódios não valeu para muita coisa.

Porém, esta confusão se dissipa nos episódios subsequentes. A história se desenrola com mais facilidade e novos elementos são adicionados para apresentar o que eles realmente queriam mostrar na primeira parte da série. E justamente pela duração incomum de The Get Down – seis episódios que vão entre 53 e 93 minutos cada – que a série consegue ser mais compacta, contando uma história que vai ficando cada vez mais clara até chegar no desfecho, deixando caminhos que vão nos deixar curiosos para saber o que acontecerá na segunda parte da série.

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“Shaolin’s the DJ that we call Fantastic
Cause Shaolin Fantastic’s a bad motherf-“

E é a história que se torna um exemplo de como Luhrmann e sua equipe fizeram o máximo para acentuar os detalhes do tema em questãoa. Desta maneira quem move os personagens para os lugares é a própria música, Zeke se redescobre na música e enfrenta dilemas sobre o seu futuro, Shaolin Fantastic tenta manter uma vida dupla entre o trabalho honesto e o ilegal, e Mylene luta para se tornar uma estrela da disco e entrar para a indústria da música. Já os personagens secundários são guiados por estes três, ajudando, criando dúvidas e interferindo com seus objetivos.

A música é apresentada de outras maneiras, dando lições de história sobre o hip hop que são quase imperceptíveis. Em um dado momento Shaolin Fantastic explica os respectivos líderes das regiões do sul do Bronx, em outro Grandmaster Flash demonstra a técnica do giz de cera que reinventou a arte do scratch ao encontrar um segmento da música que se mantém em loop infinito, dando abertura para o MC rimar e o público dançar.

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Já os outros elementos do hip hop se mantém vivos em diferentes arcos da história, como o grafite, sendo que aparece de duas maneiras distintas: primeiramente na história de Shaolin Fantastic e depois com Dizzee, o grafiteiro que desenha sobre o nome de Rumi 411. E também nos desenhos grafitados no metrô de Bronx, que aparece em diversos momentos da série, incluindo os próprios títulos dos episódios, formando frases pichadas na lateral do metrô.

Este tempo utilizado na série coloca o grafite em um nível de detalhe similar à arte do rap e do DJ, se aprofundando em alguns detalhes de cada uma dos pilares que formaram o hip hop, seja falando sobre as diferentes assinaturas, regiões e estilos de arte envolvidos no grafite, nas estruturas de rimas e acompanhamento da batida no rap, e as técnicas básicas e a cultura por trás dos turntables. Somente o breakdance que não recebeu o mesmo tratamento, estando presente em uma boa parte da série mas servindo como um acompanhamento para as festas underground. Porém, acredito que a falta de foco no break dance foi uma boa ideia pela curta temporada, podendo corrigir este problema na segunda parte da série.

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“We had to rumble with rivals on the rubble
While buildings around us would crumble”

Por fim temos o cenário que mantém todos estes elementos em lugar. O sul do Bronx está tão aterrador quanto impressionante em The Get Down, mostrando um lado humilde e colorido nas ruas onde moram Zeke e boa parte do elenco enquanto a cidade se contrasta na extrema pobreza pelos prédios em chamas e eventos que ocorreram durante uma das piores épocas já testemunhadas na região, com pessoas vivendo com quase nada no meio dos escombros que mais parecem cidades afetadas pela Segunda Guerra Mundial.

Causada pela alta taxa de desemprego e uma economia estagnada, muitas famílias saíram de seus apartamentos, cujo as empresas contratavam pessoas para queimar estes prédios e destruí-los, garantindo o dinheiro da apólice de seguro e se salvando da crise iminente. Como consequência o sul do Bronx foi alvo de gangues e traficantes, que por sua vez faziam com que moradores de rua e viciados morassem nestes prédios abandonados.

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The Get Down caminha por uma corda bamba diante estes temas de pobreza e uma cidade em ruínas, os personagens são esperançosos, mas com uma decepção visível em seus olhos, lutando para mudar a situação de alguma forma, seja pela cultura ou política. Um personagem que demonstra muito do declínio do sul do Bronx é Papa Fuerte, que empurra um novo projeto de habitações para a população de baixa renda, luta que se torna bastante árdua, complexa e repleta de sacrifícios feitos por todos os lados. Zeke também é um ótimo exemplo desta luta como vítima, afetado pelo crime de uma maneira que molda o personagem e define seu caráter, que é bastante explorado durante a série.

Outro escolha que ajuda fortalecer o tema é o uso de cenas documentadas na vida real para formar transições entre as cenas atuadas. Prédios em chamas, tráfico de drogas, gangues e até momentos mais simples como pessoas andando nas calçadas aparecem para complementar o ambiente presenciado no sul do Bronx nos anos 70. E isto mostra como The Get Down retrata a região tão bem, muitas vezes sendo difícil de distinguir as cenas documentadas e da série.

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“Rest in peace moms, don’t worry about your son
Some day I’ll make you proud cos yeah I am the one”

The Get Down não é só uma homenagem a uma dos subculturas mais importantes das últimas décadas, mas um aprendizado que mostra a paixão dos envolvidos. Com o valor de produção mais caro da Netflix – 120 milhões de dólares na temporada inteira – The Get Down se torna uma escolha excelente, abordando temas que são relevantes até hoje em um gênero musical que cresce a cada momento.

A atenção aos detalhes e o supervisão dos grandes ícones do hip hop, especialmente Nas, que tem um envolvimento ainda maior pelo trabalho de escrever as letras das músicas da série e ainda servindo como o narrador que traz uma prévia rimada de cada episódio, fazem com que The Get Down seja uma série que coloca a música em primeiro lugar e aprecia sua posição de poder.

A primeira parte de The Get Down nos dá uma série cativante, divertida e se mostra extremamente interessada em mostrar este mundo influenciado por rimas e scratches para o público. As atuações são competentes, especialmente a de Shameik Moore, que rouba todas as cenas com o imprevisível e enigmático Shaolin Fantastic. A série termina com uma sensação similar ao término do primeiro episódio, explodindo de antecipação para o que está por vir na jornada de Zeke, Mylene, Shaolin Fantastic e todos os personagens de The Get Down.

A primeira parte de The Get Down já tem todos os episódios disponíveis na Netflix.

5 Respostas para “Arkade Series: Testemunhando a ascensão do Hip Hop em The Get Down”

  • 21 de agosto de 2016 às 15:45 -

    Ahab

  • The Get Down deveria ser mais The Warriors e menos Moulin Rouge. Conta mais a história da música disco do que do hip-hop em si. Tem momentos que mais lembra Everybody Hates Chris. É interessante, mas não é tudo isso que estão falando. Desperdiçou um ótimo potencial.

    • 22 de agosto de 2016 às 12:58 -

      Henrique Gonçalves

    • Não sei se valeria a pena se fosse mais como The Warriors, pra isso a gente já tem o próprio The Warriors e um documentário chamado Rubble Kings que conta esse tipo de história. Se fosse assim The Get Down seria ~mais uma~ série com o mesmo tema. E olha que eu tava bem receoso por ser do Baz porque não sou um fã de musicais (to começando a curtir só agora), mas essa vibe mais animada me faz sentir que a série se acomodou melhor.

      Sobre ser mais que disco do que hip hop é simplesmente porque eles estão abordando o inicio mesmo, onde nem existiam rappers propriamente ditos. É mais uma série sobre a transição dessas duas subculturas, então imagino que a segunda parte terá um foco ainda maior no hip hop enquanto ele cresce cada vez mais.

  • 21 de agosto de 2016 às 20:52 -

    Leandro alves

  • Gostei do texto e a série parece interessante.  Pena que não possui netflix ainda

  • 22 de agosto de 2016 às 14:35 -

    Manolo

  • Mostra o declínio da cena disco e a gênese do hip hop e expressões artísticas que formaram a essência desse movimento. Estou achando excelente.

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