Cine Arkade: Quando o rap e o cinema se encontram

19 de setembro de 2015

Cine Arkade: Quando o rap e o cinema se encontram

A alma do cinema pode ser encontrada em qualquer forma de entretenimento, e dessa vez iremos procurar no gênero musical e cultural do rap!

Além de ter uma certa paixão por videogames, filmes e entretenimento em geral, eu tenho um lugar especial para o rap e toda a cultura que o permeia, desde as origens do gênero na indústria fonográfica. O rap tomou várias facetas durante sua evolução, desde ao tipo de música que toca na balada, para o lado mais hardcore e pesado, outras vezes como o acompanhamento perfeito para o pop e mais recentemente, como um instrumento de revolução para as classes oprimidas vocalizarem suas insatisfações a respeito dos problemas da sociedade.

Mas como ainda não tenho uma coluna sobre música na Arkade, decidi me aprofundar em algo que estava observando faz tempo no rap em geral e que é um dos motivos pela recente evolução deste gênero: A crescente influência do cinema nos videoclipes dos rappers mais conhecidos atualmente.

Cine Arkade: Quando o rap e o cinema se encontram

E por isso escolhi três artistas e seus respectivos álbuns para explicar um pouco sobre cada um deles e tentar demonstrar a grandeza que há por trás destas obras.

Kendrick Lamar

“I remember you was conflicted

misusing your influence

sometimes I did same…”

Kendrick Lamar cresceu e viveu no famigerado Compton (mesma região que alguns dos grandes grupos do rap fizeram sua marca, como o N.W.A e seus variantes). Após algumas mixtapes bem sucedidas, Kendrick entrou em um momento de ascensão com good kid, m.A.A.d city em 2012 e agora com o seu magnum opus, To Pimp a Butterfly.

Kendrick sempre foi uma pessoa conhecida por se considerar mais como um escritor do que um rapper, utilizando conceitos narrativos e seguindo uma história na hora de produzir seus álbuns, além de focar em um intenso liricismo e uma forma cativante de contar histórias. Em good kid, m.A.A.D city, Kendrick expõe uma narrativa que vai se desenrolando em cada música, com o início e final da maioria das canções contando pequenas porções daquele enredo até o momento culminante que existe na transição de K.Dot para Kendrick Lamar, o ponto mais importante da narrativa do álbum.

Em To Pimp a Butterfly ele decidiu seguir um caminho mais a margem do que o esperado e envolveu o álbum inteiro em dois pontos narrativos: o poema recitado em vários trechos nas músicas e a canção final, “Mortal Man”, que revela qual era a intenção deste poema e de todas as músicas.

O poema resume sutilmente cada uma das músicas apresentadas no álbum até chegar em “Mortal Man”, que o finaliza com uma entrevista entre Kendrick e o rapper Tupac Shakur, com pequenos trechos da entrevista editadas para fazer sentido com as perguntas que Kendrick faz para ele, além de trazer uma conversa casual onde eles falam sobre os grande ícones negros das últimas décadas e falam do ameaçador futuro que teremos para a nossa sociedade.

Para acrescentar a jornada musical e social pela cultura negra que To Pimp a Butterfly te leva, Kendrick complementa com vídeos bem dirigidos e recheados de momentos impactantes que elevam a experiência como um todo. “Alright” é uma que se destaca pelo estilo e a constante narrativa expressada pelo vídeo, com Kendrick flutuando por Compton espalhando a sua palavra até que ele é baleado por um policial e cai do alto do poste de luz enquanto recita o já conhecido poema. Até que o vídeo termina com Kendrick soltando um imenso sorriso pelo trabalho cumprido.

Kanye West

“First rule in this world, baby, don’t pay attention to anything you see in the news.

Querendo ou não, Kanye West é um visionário em seu ramo, tanto musical, quanto no cinema, design, e agora na moda. É interessante ver como ele evoluiu de produtor para essa controversa força motriz que está mais relevante do que nunca, mas de todas as fases que West vivenciou como um artista, a época de My Beautiful Dark Twisted Fantasy é a mais impactante e que certamente mudou a cena do rap para um movimento mais artístico e sofisticado que vemos hoje em dia, trazendo uma jornada magnífica do começo ao fim.

E com MBDTF, West experimentou mais uma vez a cadeira do diretor com “Runaway”, um curta-metragem de 35 minutos que protagoniza o nosso rapper e uma grifo, interpretada pela modelo Selita Ebanks. Em “Runaway” vemos a dualidade e representação da psique de West, mostrando a versão cínica e realista do mundo que o rapper se coloca pelos diversos obstáculos que ele precisa ultrapassar, ao lado da inocente e ingênua criatura alada, descobrindo como as coisas funcionam — tanto no positivo, quanto no negativo — enquanto ambos se apaixonam profundamente até que o destino os separa para sempre.

Além de trazer uma história tocante, “Runaway” move a história com cenas surpreendentes que te levam para este universo tecido por West, repleto de temas sobre religião, os nossos papéis impostos pela sociedade por causa do tom de pele, e por outros momentos que pintam uma pequena parte da mente de Kanye, como a cena do jantar que contrasta a tradição e coloca negros vestidos de branco sendo servido por caucasianos; ou o momento das bailarinas vestidas de preto que se movem graciosamente à batida da música até que pairam lentamente para se assemelhar a uma obra de arte, e também o levantamento de ídolos do pop com uma gigantesca cabeça de Michael Jackson sendo transportada em uma parada repleta de fogos de artifício e uma banda marcial ao som de “All Of The Lights”.

Claro que esta não é a primeira vez que Kanye nos surpreendeu com vídeos, com o rapper atuando de forma similar com o curta codirigido por Spike Jonze intitulado “We Were Once a Fairytale”, que serviu como um versão estendida de “See You In My Nightmares”, de 808s & Heartbreak. E também o curta “Cruel Summer” que apareceu nas salas do Festival de Cannes para promover o álbum colaborativo de Kanye e sua gravadora GOOD Music, formada pelos artistas Pusha T, Big Sean, John Legend, entre outros.

E não podemos esquecer de seus próprios vídeos, incluindo o crítico e poderoso “Diamond From Sierra Leone”, o épico e divino “POWER”, e o problemático porém animado “Paranoid”, que estrela uma jovem, bela e perigosa Rihanna.

Coloque todos estes vídeos e suas respectivas mensagens ao lado dos atos que Kanye faz na vida real e você tem algo raro no entretenimento, um artista que não tem medo de falar o que pensa na frente das câmeras e sabe muito bem o quão grandioso ele é, mesmo que isto faça muitos torcerem o nariz para ele.

Childish Gambino

“Roscoe’s Wetsuit”

Talvez um dos mais óbvios dos três a estar nessa lista, Childish Gambino é o alter ego do ator, comediante, roteirista, músico e diretor Donald Glover, em mais uma de suas jornadas como artista. Por mais que Glover tenha colocado Childish Gambino em um hiato em prol de sua carreira como ator, ainda existem grandes obras assinadas pelo rapper.

Uma delas é o Because The Internet, álbum de 2013 que serviu de acompanhamento a um curta dirigido por Hiro Murai e escrito por Glover chamado “Clapping for the Wrong Reasons”, e um roteiro de 72 páginas que expande o enredo contado pelas músicas do álbum.

O mais interessante disso tudo é que os três componentes não parecem ter um valor maior sobre o outro, mas se complementam com harmonia para mover uma história em vídeo, áudio e escrita. Além disso, o próprio Glover decidiu canalizar seu trabalho em si mesmo, mudando completamente de estilo e aparência para trazer mais credibilidade à mesa com seu projeto.

O roteiro conta a história de Kid (Donald Glover), um garoto que vive em uma mansão e ocupa seu tempo tweetando e postando vídeos de celebridades no site WorldStarHipHop, seu pai é interpretado pelo rapper Rick Ross e seu amigo pelo Chance the Rapper. A história segue com Kid tendo que vender drogas ao lado de seus amigos enquanto ele se encontra vendo a frase “Roscoe’s Wetsuit” em todo lugar.

Cine Arkade: Quando o rap e o cinema se encontram

Anteriormente disponível no site oficial e agora no Genius, colocava avisos em certos momentos do roteiro pedindo para tocar uma das músicas de Because the Internet, para se acomodar ao ambiente e desenvolver uma razão por aquela música fazer parte do projeto.

Em paralelo temos o curta “Clapping for the Wrong Reasons” que serve como um prelúdio do roteiro, estrelando Glover, a ex-atriz pornô, Abella Anderson, e os músicos Chance the Rapper, Flying Lotus e Trinidad James. O vídeo mostra um pouco da vida de Kid na mansão interagindo com seus amigos até que avista uma misteriosa mulher que somente ele consegue ver.

O curta não possui muito diálogo e se suporta nas emoções visíveis de Glover e das pessoas em sua volta. A história segue até um momento excruciante envolvendo um espelho e Glover removendo uma linha de seu nariz até encontrar um dente amarrado nele.

Por último temos as músicas e seus respectivos vídeos, que não parecem fazer muito sentido na primeira vista mas que acabam se unindo se você prestar atenção e manter a mente aberta para teorias da internet. Neste caso foi uma teoria que apareceu no Reddit, em que o usuário thechowzenone conseguiu encontrar uma conexão em todos os vídeos já lançados por Glover, e logo após o usuário HendrickRamos concluiu com uma linha de tempo para os acontecimentos que levam para o clipe de “Telegraph Ave (“Oakland” by Lloyd)”.

Diferentes das outras teorias insanas que encontramos pela internet, essa realmente faz sentido e explica a gradual mudança física de Glover nos vídeos até o momento culminante. O simbolismo por trás do processo de transformação revela uma crítica social bastante válida sobre ser uma pessoa negra na América, sofrendo de todos os tipos de preconceitos e estereótipos simplesmente por falar e agir, ideias que Glover constantemente aproxima em seus diferentes projetos por ser uma pessoa tão fora do eixo em todos os arquétipos possíveis.

No fim, estes três artistas mostram um pouco de como o rap — e a música como um todo — se alia a diferentes formas de entretenimento para trazer uma obra coesa e interessante para o seu público. Nós já vimos conceitos de vídeos se tornando videogames mas nunca demos a devida atenção para essa união musical e visual que os artistas utilizam para visionarem suas obras.

Eu falei somente sobre o rap neste texto por ser o meu gênero musical favorito e do qual eu tenho mais conhecimento, no entanto eu tenho certeza que outras bandas de diferentes estilos musicais utilizam ideias parecidas. E por isso que agora é a sua vez, caro leitor, deixe os vídeos de seus artistas favoritos nos comentários e vamos trocar uma ideia sobre eles!

4 Respostas para “Cine Arkade: Quando o rap e o cinema se encontram”

  • 19 de setembro de 2015 às 15:56 -

    Felipe Balbino

  • Gostei muito cara, ótimas explicações e texto muito lúcido.
    Parabens.

  • 21 de setembro de 2015 às 10:02 -

    Hilton Lins

  • Já ouvi muito Kendrick e Kanye west,ótima matéria.

  • 23 de setembro de 2015 às 15:50 -

    Nildo Oliveira

  • Um bom texto.
    Mas kanye west é dimencionado assim só para um fã elitizado que vejo fora do brasil.
    E quando um artista fica posando de foda ou falando o quando ele é agraciado por um dom como kanye faz…é igual os músicos que se preocupa muito com o visual e não se preocupa em saber tocar melhor seu instrumento ou explorar novas vertentes…ai sobe no palco bem Poser e não te impressiona.
    Nos lugares gringos que andei ninguém tem um som dele no itunes ninguém menciona.
    E não se trata de dinheiro ou estilo de vida ja que varios outros rappers ostentam
    Faltou muita gente aqui e fiquei surpreso dessa lista de três estar kanye com Kendrick e Childish.

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