De Volta Para o Arkade: corra, pense, atire, a história da Valve (parte 1)

6 de fevereiro de 2016

De Volta Para o Arkade: corra, pense, atire, a história da Valve (parte 1)

Conhece a história dos videogames? Conhece mesmo? Pois pra quem é historiador de videogame e pra quem quer aprender um pouco mais, entre no nosso DeLorean e venha conosco De Volta Ao Arkade para conhecer a primeira parte da longa história da Valve Software!

Dentro dos nomes mais famosos da história dos games, apenas alguns conseguem elicitar uma reação divisiva dos jogadores, e um deles é o nome Valve Software. Amada por uns, repudiada por outros, a Valve foi de ícone a exilada, de odiada a celebrada, tudo em menos de 20 anos. Não importa sua opinião sobre a Valve, é impossível negar seu efeito não só nos games, mas no modo como eles são distribuídos, modificados e jogados. Como é que uma companhia vai de desconhecida a revolucionária em tão pouco tempo? Qual é a história por trás de franquias como Half-Life, Counter Strike, Portal, Team Fortress, Left 4 Dead DOTA? Junte-se a nós, na primeira parte da história da Valve, aqui, no De Volta Ao Arkade.

Gabe & Mike

De Volta Para o Arkade: corra, pense, atire, a história da Valve (parte 1)

Gabe Newell se juntou a Microsoft em 1983, trocando a prestigiada Harvard por uma esdruxúla desenvolvedora de software. Assim que entrou, Newell começou a trabalhar no sistema operacional da Microsoft, Windows. “Eu fui um dos produtores das três primeiras versões do sistema”, comentou certa ocasião sobre o seu tempo na empresa. Aos 34 anos, Newell se tornou um dos “milionários da Microsoft“, programadores que haviam se tornado ricaços graças ao sucesso gigantesco da companhia (é estimado que a Microsoft criou doze mil milionários apenas durante os anos 90).

Mike Harrington, no entanto, demorou um pouco mais para se juntar a Microsoft. Em vez de abandonar a universidade, Harrington terminou seus estudos e conseguiu um trabalho na desenvolvedora Dynamix, programando uma variedade de games de esporte para companhias como a Activision. Em 1987, ele fez o pulo para a Microsoft, e se juntou ao time por trás do sistema Windows NT. Em pouco tempo, ele também se juntou ao grupo dos “milionários da Microsoft“.

De Volta Para o Arkade: corra, pense, atire, a história da Valve (parte 1)

Os dois eram jovens, ricos, e queriam fazer algo diferente do normal. Por coincidência, eles também amavam games. Inspirados por Michael Abrash (um ex-trabalhador da Microsoft que havia abandonado a empresa para trabalhar com a iD Software em Quake), os dois decidiram criar uma desenvolvedora de video games. Só tinha um pequeno problema: os dois nunca conseguiriam criar um game sozinhos, afinal, eles eram especializados no desenvolvimento de sistemas operacionais.

Mesmo assim, a desenvolvedora foi criada com o objetivo de evitar os problemas estruturais que os dois haviam encontrado durante seu tempo na Microsoft. Para se livrarem de qualquer limite imposto por um distribuidor, Newell Harrington decidiram usar o dinheiro que eles haviam ganhado na Microsoft para financiar a nova empresa, que se chamaria Valve Software, com o lema de “abra sua mente”. Os papéis oficializando a criação da desenvolvedora foram assinados no mesmo dia que Gab se casou com Lisa Newell.

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Newell Harrington sabiam que eles queriam fazer games com orçamentos grandes, do tipo que poucas empresas novas conseguiriam fazer. Só que apesar de terem muito dinheiro, eles não tinham o suficiente para contratar programadores experientes do mercado. Então eles se viraram para outro mercado completamente diferente: os dos mods. “Nosso primeiro programador estava trabalhando em uma loja de waffles”, Newell disse mais tarde sobre esta escolha. “E ele é um dos programadores mais criativos do mercado até hoje.”

Com um time composto por vinte e oito jovens desconhecidos, a Valve começou a planejar ideias para seu primeiro game. Eventualmente, eles encontraram dois conceitos que capturaram o interesse do grupo: um deles seria Quiver, um game de horror e ação em 3D inspirado por Doom e pelas histórias de Stephen King, e o outro seria Prospero, um game de fantasia e exploração inspirado por Myst e o escritor Jorge Luis Borges.

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Enquanto o time trabalhava arduamente nos dois projetos, Newell testava tentando achar alguém que publicasse um dos games que a Valve estava produzindo. Novamente, o fato deles serem uma empresa nova e sem games no currículo deixou tudo muito mais difícil. Newell estava pronto para desistir até ele uma reunião com a Sierra Online, uma empresa interessada em publicar um game em 3D na engine usada por Quake, que havia sido um sucesso nos anos anteriores.

Interessados pelo trabalho da Valve, a Sierra decidiu assinar um contrato, prometendo publicar um game deles. Assim, eles poderiam abandonar a pequena empresa caso o game fosse um fracasso. Com a engine de Quake em mãos, a Valve começou a fazer melhoras, adicionando suporte para Direct3D, dentre outros. Lentamente, Quiver começou a tirar mais e mais atenção de Prospero, até que foi decidido que todos na Valve iriam focar em um só projeto: um game que agora se chamava Half-Life.

A vida será diferente em 1997

Jornalistas e consumidores se amontoaram para ver uma das inúmeras demonstrações da Valve Software na E3 de 1997. A empresa, surpresa com a recepção entusiasmada, usaram esta chance para mostrar o sistema de animações e a inteligência artificial do game. Harry Teasley, um dos desenvolvedores do game, prometia que o game iria “aterrorizar os jogadores, especialmente aqueles cansados de games de tiro sem graça que não tem nada de novo para oferecer.”

Tanto a Valve quanto a Sierra estavam certos de que tinham um sucesso em mãos, e o desenvolvimento continuou com o lançamento marcado para novembro de 1997. Ao mesmo tempo, várias adições foram feitas ao time: Kelly Bailey foi contratado para compor uma trilha sonora original para o game, criando várias músicas que iriam pontuar os momentos de ação e suspense, enquanto Marc Laidlaw, um autor de ficção cientifica, foi contratado para escrever a história do game.

Os jogadores controlariam Gordon Freeman, um cientista parte do complexo de Black Mesa, responsável pela pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias. Seguindo um estilo ‘filme B’, Gordon acidentalmente causaria uma invasão alienígena ao realizar um experimento de teletransporte, tornando a gigante Black Mesa em um labirinto do terror. E além de lutar contra aliens invasores, Gordon também teria que lutar contra soldados mandados para limpar e abafar a situação, além de descobrir uma conspiração por trás da invasão.

Infelizmente, a Valve logo notou que não conseguiria completar o game antes da data de lançamento marcada. A decisão de adiar o game foi aterrorizante para a desenvolvedora, já que sua parceira Sierra estava no meio de uma campanha de marketing gigante, prometendo que Half-Life seria o maior game do ano. A escolha quase destruiu a parceria entre as duas, mas eventualmente o game foi adiado para 1998. Foi naquele momento que o time da Valve, com um ano de experiência atrás deles, olhou para o game e disse: “isso não tá bom não”.

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Valve entrou em um desespero. Eles juntaram tudo que haviam feito em um único nível, e ao verem o resultado final, decidiram reformular o game inteiro. Com menos de um ano até o lançamento, a Valve essencialmente jogou tudo no lixo e começou do zero. O time logo entrou no que é conhecido como crunch time, o momento onde todos os desenvolvedores dedicam todas as horas do dia para trabalhar em um só game.

Apesar do resultado final ser o game que conhecemos hoje, o crunch time foi um momento tão deplorável e terrível da história da Valve que, quando a empresa re-escreveu o seu manual do trabalhador em 2011, ela colocou uma regra dizendo que ‘não existe crunch time‘. “Nenhum programador da Valve vai passar o dia inteiro trabalhando. Crunch time é um anúncio de que falhamos no planejamento e na comunicação.”

Half-Life eventualmente foi lançado em novembro de 1998, após mais uma aparição na E3 (onde ganhou vários prêmios) e dois demos, um chamado Day One — que inclui um quinto do game final — e outro chamado Uplink, que inclui versões restauradas de níveis que foram cortados de Half-Life durante o ano da reformulação. O trabalho foi tanto que os programadores da Valve estavam checando tudo um dia antes do lançamento, apagando qualquer bug ou problema de última hora que aparecesse.

O resto é história. Half-Life foi louvado pela sua ação eclética, sequências inovadores e inteligência artificial surpreendente. Ele recebeu mais de 50 prêmios de melhor game do ano e acabou marcando a história dos games, em um ano repleto de clássicos eternos (Metal Gear Solid havia sido lançado dois meses antes, e Ocarina of Time foi lançado duas semanas depois). Mas a Valve estava ainda começando.

Mil games em um só pacote

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Além do modo singleplayer, Half-Life vinha com dois segredinhos dentro do pacote. Um deles era um modo multiplayer deathmatch, que se tornou um sucesso instantâneo. O outro era um kit com ferramentas de desenvolvimento. A Valve estava dando para os jogadores tudo o que eles precisavam para criar games novos dentro da engine de Half-Life, aprendendo com o fato de que muitos dos membros da própria Valve haviam começado suas carreiras com os mods.

Sabendo o quanto um mod poderia aumentar a vida de um game, a Valve logo contratou o time por trás de Team Fortress, um dos mods mais famosos de Quake, encomendando uma versão da modificação para Half-Life (que foi lançada sob o nome de Team Fortress Classic). Além disso, a Valve também contratou os times por trás de mods populares como Counter Strike Day Of Defeat, lançando versões separadas desses games para atraírem um público maior.

Com os mods dominando o mundo online, a Valve logo começou a trabalhar em outros projetos. No entanto, em vez de deixar a franquia Half-Life de molho, a desenvolvedora decidiu passar as rédeas do mundo para a então novata Gearbox Software. O seu líder Randy Pitchford propôs para a Valve uma nova história no mundo de Half-Life. Baseada na peça Rosencrantz e Guildenstern Estão Mortos (que conta a história de Hamlet pela perspectiva de dois personagens secundários), o jogador tomaria o controle de um soldado invadindo o complexo de Black Mesa. Inspirado por Rashomon, Newell sugeriu que o jogador visse cenas de Half-Life por outra perspectiva.

Dessa conversa nasceram duas expansões: Opposing Force, que te coloca na pele de Adrian Shepard, um dos soldados envolvidos na invasão de Black Mesa, e Blue Shift, que te coloca na pele de Barney Calhoun, um dos guardas de Black Mesa que tenta escapar do caos causado por Gordon. Apesar de Marc Laidlaw ter ajudado na construção da história desses dois games, alguns elementos deles (incluindo uma raça de aliens inimigos chamadas a Raça X) não são considerados parte do universo Half-Life.

Além das expansões, a Gearbox também desenvolveu uma versão de Half-Life para o Dreamcast que nunca foi lançada. Uma versão para Mac também foi produzida, mas foi lançada anos mais tarde, como um clássico via Steam e não em caráter de lançamento, e a razão por trás dos dois cancelamentos é uma falta de interesse por parte do público (e porque a Sierra não via muito lucro em nenhuma das duas plataformas).

A calmaria antes da tempestade

Enquanto milhares de jogadores se divertiam com as modificações e versões online de Half-Life, uma questão predominava na mente do público: “e agora?” No final da história do game, você acaba se aliando ao misterioso G-Man, um homem que estava te observando desde o começo de tudo, implicando que ele sabe alguma coisa sobre o tal ‘acidente’ que levou a invasão. “Uma boa escolha, Senhor Freeman,” o G-Man diz antes dos créditos começarem. “Te vejo lá na frente.”

A promessa de uma sequência não era falsa, e a Valve logo começou a trabalhar em Half-Life 2. A desenvolvedora que antes era ignorada por todos agora era conhecida como o melhor lugar para se trabalhar. Newell e Harrington haviam criado um ambiente de trabalho sem títulos, sem ordens e sem chefes. Todos faziam aquilo que queriam fazer, desde que fizessem algo. A Valve estava crescendo, e os seus planos para Half-Life 2 cresciam juntos.

Em 2000Newell recebeu o pedido de demissão de Harrington. Seu amigo com quem havia criado a Valve não estava interessado em criar mais um Half-Life e queria acabar com a parceria. Newell se tornou o único dono da Valve, e Harrington comprou um barco com a esposa e saiu para velejar o mundo. “Me senti sozinho,” Newell revelou em uma entrevista feita anos depois. Mike era meu confidente, o único que ouvia meus problemas. Mesmo assim, não vou me aposentar e fechar a Valve. Ficaria louco se me colocassem em um barco ou se eu tentasse aprender a jogar golfe. Vamos fazer games.”

O pior ainda estava por vir.

Na próxima parte da história da Valve: tudo que pode dar errado dá errado no desenvolvimento do melhor game de todos os tempos.

Leia Mais

No final de todo De Volta Ao Arkade, providenciamos links para quem quiser ler mais um pouco sobre o assunto.

3 Respostas para “De Volta Para o Arkade: corra, pense, atire, a história da Valve (parte 1)”

  • 8 de fevereiro de 2016 às 15:08 -

    Felipe Machado Tostes

  • Que matéria legal. Vou compartilhar com meus amigos que jogavam CS, na época de ouro das LANs e dos corujões…Que época de ouro essa de 98 hein: primeiro Metal Gear, depois Half-Life e em seguida, Ocarina of Time.

  • 8 de fevereiro de 2016 às 15:42 -

    Gilmarzinho

  • Sensacional!Parabéns pelo texto e pela pesquisa. 

  • 11 de fevereiro de 2016 às 08:11 -

    Roney Colella De Souza

  • Em termos de realismo as expressões faciais de dor e personagens agonizando antes de morrer foram um avanço considerável.Imagino um jogo que resolvesse colocar reações de dor realistas e explícitas em cada um dos capangas que morre.Isso é tão controverso que até hoje muitas empresas amenizam ou mesmo evitam colocar em seus jogos.Em um certo jogo em dentre à vários capangas havia um que antes de morrer dava um grande grito e ao cair no chão fraquejava enquanto tentava se levantar.Era possível ver a expressão aterrorizada no rosto dele, medo e tristeza em meio à lagrimas sufocas quase como se suplicasse para não morrer.Em diversos jogos de classificação 10 anos o corpo do inimigo desaparece o protagonista não demonstra qualquer reação.Me fez ficar pensativo quanto a índole de muitos personagens considerados bondosos.

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