Análise Arkade – Another Code: Recollection revitaliza a franquia, mas cai em algumas armadilhas

3 de fevereiro de 2024
Análise Arkade - Another Code: Recollection revitaliza a franquia, mas cai em algumas armadilhas

Nunca, na história desta indústria vital, houve tantas produções requentadas. Remakes, remasterizações, reimaginações, coletâneas melhoradas, revitalizações, versões ampliadas, ports, reboots, continuações tardias… de uma forma ou de outra, com uma história tão curta, os videogames já chegaram ao ponto de lançar mão do recurso que ajuda a sustentar o cinema e a TV, mídias bem mais antigas, e basta puxar pela memória recente para compreendermos que muitos dos maiores lançamentos desta década são uma derivação de outra coisa pretensamente defasada.

Se o tema é polêmico e divide a base de fãs, uma coisa é certa: há coisas que claramente precisam de uma reformulação mais do que outras. Another Code teve dois jogos lançados, um para o já eterno 3DS e outra para o finado (mas inesquecível) Wii. Ambas bem distintas entre si em termos de gameplay, narrativa e dinâmica estrutural, mas igualmente perdidas em plataformas já bastante complicadas de se resgatar, principalmente quando se trata de uma marca das menos conhecidas quando comparada aos gigantes da Nintendo.

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Em outras palavras, seja para atualização de linguagem, seja para acessibilidade para m público mais recente, Another Code: Recollection se mostrou um ótimo exemplo de como trazer as coisas do passado de volta, o que não deixa de ser irônico dado que memórias perdidas e o resgate do que fora esquecido é parte central da temática que permeia a coleção, uma grande aventura dividida em dois grandes atos. Resta saber se esse ressurgimento foi bem feito e se tem o potencial de brindar antigos entusiastas junto com, claro, a conquista novos adeptos.

Uma história, duas partes

Another Code: Recollection é, antes de mais nada, um único jogo de mais ou menos 18 horas que compila os dois games anteriores em uma grande jornada de descoberta, auto-conhecimento e encontro com fantasmas do passado, literalmente e metaforicamente falando. Logo de início, somos apresentados a Ashley, uma garota órfã prestes a completar seus 14 anos de idade e que foi criada pela tia, cuja ausência de memórias de seus pais se tornou seu maior trauma de infância. Não mais que de repente, ela recebe a notícia que seu pai não só está vivo, como quer encontrar com ela em uma ilha afastada da cidade grande.

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Ao atender ao chamado, ela chega ao local e se envolve em um grande mistério que engloba o desaparecimento da sua tia e o surgimento de um improvável companheiro de aventuras, que apesar do mero detalhe de estar morto, tem o mesmo problema da ausência de suas memórias. Juntos, eles devem explorar o local, cede de uma mansão suntuosa, e compreender não só de onde vieram, como também o papel de ambos em algo muito maior do que eles poderiam imaginar.

Esta primeira parte é contida em uma única locação e se desenvolve, enquanto narrativa, praticamente como o primeiro Resident Evil, só que sem zumbis. Aliás, toda a apresentação do local é muito parecida com o que já vimos na antiga produção da Capcom, e mesmo que esses casarões antigos norte-americanos sejam sempre muito parecidos em obras audiovisuais, o leiaute é evidentemente uma referência, mesmo que involuntária.

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Não é só na aparência, contudo, que há semelhanças, e a dinâmica da trama se desenrola com a revelação de segredos antigos, busca por chaves com estranhos símbolos que abrem portas específicas (normalmente escondidas por trás de puzzles), e caminhos que levam a locais um pouco menos óbvios para esse tipo de construção. A maior diferença, além de obviamente não haver qualquer tipo de confronto ou perigo físico, está no tom altamente calmo, se assemelhando a uma ambientação de quase-sonho, fortalecendo uma viagem pelas memórias e pelos sentimentos de nossa protagonista e do seu parceiro.

A segunda metade, por sua vez, se passa dois anos depois, com nossa heroína já se aproximando da vida adulta. Dizer o que ela está buscando em um novo local, mais amplo do que o anterior, seria necessariamente entregar spoilers do que veio antes, mas o processo continua a desenvolver a maturidade e a individualidade da personagem. A linearidade é algo tão importante para a história que sequer existe a possibilidade de se começar por aqui. É um conjunto unificado que trata de sensações e simbolismos das verdadeiras revoluções na mente de um adolescente buscando encontrar sua voz, compreender quem é e, principalmente, o que quer ser.

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Aponte e clique

Por mais que se caracterize, no que se refere a gameplay, pela exploração relativamente livre do ambiente em terceira pessoa, a essência da franquia é a de uma navegação point-and-click. Todo o desenvolvimento do jogo está, portanto, na interação de Ashley com o mundo a sua volta, como objetos, ambientes e documentos, em uma mecânica bastante simples de acesso, obtenção de itens e resolução de problemas.

Os mais intensos momentos de controle se dão quando ou usamos alguns botões para girar mecanismos para afinar ajustes e operar máquinas; ou quando fazemos uso dos sensores de movimento dos controles do Switch para manipular coisas tridimensionais. Confesso que, neste último caso, me incomodei porque as mesmas funções poderiam ser feitas com os analógicos de forma mais precisa e sem prejuízo na imersão, mas a escolha exclui, por exemplo, controles normais que não tem o recurso do acelerômetro.

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Os quebra-cabeças em si, exigem muito pouco do jogador, e na sua maioria são óbvios e sem muito pensamento lógico para além do empirismo. Por vezes, o maior trabalho é encontrar por pontos de interesse escondidos pelo cenário, na ordem que o jogo determina ser o correto. Há um ou outro desafio um pouco mais elaborados, que demandam reflexão, ajustes e algo para além da pura tentativa e erro, mas na grande maioria do tempo, você terá um aparato que depende de três “alguma coisa” para funcionar e será necessário procurar por aí.

O que mais incomoda, porém, não é a forma simples e direta da solução dos puzzles, mas sim a extrema linearidade que Another Code: Recollection impõe para isso. Se você precisa acionar, por exemplo, seis torneiras no jardim ou encontrar três bonecos de uma caixinha de música, não basta procurá-los da forma como melhor desejar, mas sim do modo como o jogo decidiu que será, tudo para manter um controle maior sobre a narrativa, as cutscenes e os diálogos. São poucos os momentos onde você pode entrar em um local não escriptado, e mesmo quando consegue, não tem nada para fazer a não ser que o jogo decida que chegou o momento disso.

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A ideia é, portanto, uma experiência altamente guiada e totalmente dedicada à história, mesmo que se precise sacrificar a imersão e a sensação de liberdade que ambientes labirínticos como os que os dois atos parecem oferecer. Claro que ainda é possível ir e vir, procurar sala por sala, buscar por origamis colecionáveis para escanear, mas para uma percepção de progressão, ou é do jeito certo, ou não é. Por mais que isso valorize o caráter narrativo intrínseco da produção, confesso que me frustrei um pouco pela ausência de qualquer incentivo à tomada de decisões minhas, mesmo que fossem as erradas.

Além do bom e velho aproximar e interagir, outro mecanismo que torna as coisas mais interessantes é o chamado DAS, que se parece muito com uma mistura touch entre um PSVita com a versão lite do Switch, mas que no final das contas, é basicamente um smartphone customizado com câmera e acesso a alguns arquivos relevantes pro andamento dos eventos principais. É lá onde temos uma interface com fotografias tiradas pelo jogador, dados das missões principais e uma árvore de relacionamentos que nos atualiza sobre os personagens que encontramos. De um jeito ou de outro, é a materialização diegética das ferramentas que todo jogo de investigação disponibiliza.

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Lindo, mas desajeitado

Um dos maiores acertos desta nova versão de Another Code é fazer algo novo, do zero, sem copiar ou adaptar nenhum dos jogos anteriores – um com visão top-down com duas telas e outro tridimensional, mas bem estático – que responda às necessidades de ambas as aventuras, e a escolha pelo sistema de navegação e exploração é acertadíssima. A execução, porém, tem seus percalços, com uma movimentação bem atravancada e pouco fluída, sendo ainda mais prejudicada pela câmera que, mesmo ajustável, parece sempre fazer esforço para se aproximar demais e nos desorientar, principalmente em ambientes fechados e cheios de paredes.

Andando ou correndo, nossa protagonista parece robótica, enrosca em qualquer desnível e tem problemas para atravessar o menor dos obstáculos, com uma clara limitação do modelo de colisão. Ambientes abertos e cenários naturais são os mais explícitos para se verificar isso, e há pouco o que fazer a não ser evitar qualquer obstáculo, por mais bobo que ele pareça, no absurdo de por vezes ter que dar a volta no meio-fio ou em um pedaço de madeira jogado no chão.

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Por outro lado, as escolhas artísticas são primorosas e a mistura entre modelos tridimensionais com cel-shading e uma colorização que mais parece a mistura de pintura à óleo e aquarela torna tudo muito único e valoriza o tom mais sereno e introspectivo de Ashley. As texturas estão especialmente lindas e, mesmo sem um trabalho cenográfico super detalhado, cada ambiente tem um charme que vale a pena ser contemplado por alguns segundos. Uma simples sala de jantar com cortinas entreabertas se torna uma paisagem para se parar, olhar e apreciar.

As expressões dos personagens ainda sofrem daquele mal que pega muitas das obras que trazem a estética anime para o 3D, e se provam artificialmente moldadas para o exagero caricato. Há ainda um ou outro problema de sincronia labial e certos personagens parecem estarem dublando a si mesmos, se é que isso faz algum sentido. Mesmo com esses senões, há quadros belíssimos e passagens que conseguem transmitir sentimentos e emoções com muita sutileza, sem cair na armadilha de descambar para uma cafonice piegas, risco que é grande quando se traz dramas adolescentes para os games.

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Para nós, brasileiros, uma grande falta é a completa ausência de localização para o nosso idioma. O game é quase que totalmente voltado à sua história, e mesmo que a compreensão completa (ou a ausência dela) não seja um empecílio para o avanço, o jogo é totalmente imprestável se não entendermos o que está acontecendo. Portanto, sem o domínio do inglês, a recomendação para este jogo é nula. Por outro lado, tanto pela cadência quanto pelo texto mais leve, é possível acompanhar bem as legendas, mesmo com um nível intermediário de leitura.

O trabalho de vozes é também um destaque, que somado a músicas bastante minimalistas e tocantes, formam uma boa mixagem sonora. O ponto baixo fica para a ambientação, que além de economizar nos ruídos tanto da ação quanto dos próprios cenários, ainda falha ao tentar implementar efeitos padronizados como reverberação em cavernas e coisas do tipo. Ainda assim, o saldo, como um todo, é bastante positivo, e a composição de mundo encanta, envolve, nos deixa confortáveis naquele lugar e nos permite o envolvimento emocional necessário para se aproveitar o que o game tem a oferecer.

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Conclusão

Another Code: Recollection é, sem sombra de dúvidas, uma bem-vinda revitalização de dois jogos que teriam se perdido no tempo, seja por conta da limitação no acesso, seja porque suas mecânicas se mostravam bem datadas para o momento atual. Mais do que isso, ao recriar ambas as histórias em uma única jornada, o jogo traz coesão narrativa, técnica e estética, algo que justifica sua existência e valoriza seu conteúdo. Mais do que uma forma de monetizar algo já existente, é como se a Nintendo desse uma nova chance para que essa história encontre seu público.

A simplificação da interatividade e as escolhas rígidas de design de mundo, porém, podem afastar os maiores adeptos de uma liberdade de exploração. As assistências guiadas, que dão dicas de solução de quebra-cabeças e de lugares para onde ir, são só mais uma mostra que o jogo se interessa pouco em provocar o seu público e garante que todos possam acompanhar, tal como foi idealizada, essa singela jornada de Ashley rumo ao amadurecimento, fazendo valer a máxima de que somente ao se dominar o passado é que podemos dar um passo adiante aqui no presente.

Another Code: Recollection foi lançado em 19 de janeiro de 2024 exclusivamente para o Nintendo Switch, e infelizmente sem localização para o nosso português.

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