Análise Arkade – Detective Pikachu Returns é “só” elementar, meu caro Pokémon

26 de outubro de 2023
Análise Arkade - Detective Pikachu Returns é "só" elementar, meu caro Pokémon

Fico imaginando como deve ter sido divertida a reunião onde se estavam levantando propostas novas para projetos Pokémon, e em certo momento alguém sorriu e verbalizou uma ideia (quase) genial: e se colocássemos o Pikachu como um investigador policial no melhor estilo noir, com uma voz grave, como parceiro de um garoto tentando solucionar um crime? Muitos risos, todo mundo felicitando o sujeito pela descontração, um estalo na cabeça de quem manda e, de repente anos depois, em 2016, o 3DS recebe o primeiro jogo Detective Pikachu.

Obviamente que esse cenário deve ter acontecido somente na minha cabeça, mas ainda assim a situação é um tanto quanto inusitada e pouco ortodoxa, algo que tem estado em falta nos últimos anos nesta indústria vital, sobretudo dentro do sistema mainstream de produção de jogos.

Análise Arkade - Detective Pikachu Returns é "só" elementar, meu caro Pokémon

A proposta não só deu certo como ainda gerou a primeira adaptação live action dos famosos monstrinhos de bolso para os cinemas (falamos sobre o filme aqui no site), e agora chega a nós uma continuação direta da aventura original, oportunamente chamada de Detective Pikachu Returns, procurando atingir pela primeira vez o público ampliado do sistema híbrido da Nintendo. Será que continua tendo seu apelo?

Continuando de onde parou

Para uma continuação tardia saindo para outro sistema, há sempre um grande desafio: como valorizar tudo o que foi construído antes sem estabelecer pré-requisitos que inviabilizam a entrada de novos adeptos? A solução aqui torna esta tarefa algo tão simples como deveria: em uma abertura acompanhada por um bom café quentinho, nosso co-protagonista amarelo retoma os principais eventos passados e nos atualiza do atual estado deste universo.

Depois que a famigerada Droga R, aquela que estava deixando os Pokémon confusos e demasiadamente agressivos, foi contida, as coisas parecem estar novamente fugindo do controle e a cidade de Ryme City começa a ser palco de novos casos estranhos e inexplicáveis. Os agora reconhecidos heróis Tim Goodman e Pikachu, profissionais que têm estado muito ocupados com vários outros casos, precisam juntar algumas peças desconexas de um quebra-cabeça teoricamente intrincado enquanto tentam descobrir o que, no final das contas, aconteceu com o pai de Tim, Harry.

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Infelizmente, mesmo dedicando muito tempo em estabelecer aliados e antagonistas, poucos dos novos e dos velhos personagens se salvam, e a grande maioria serve somente de escada, como uma ferramenta qualquer, e são tão profundos quanto uma colher de chá. A maioria dos diálogos é feita por texto, com uma cadência bem enfadonha e tediosa. Salvam-se, quando muito, os próprios bichinhos, na tradução simultânea do nosso roedor elétrico favorito para a linguagem humana. Seria ótimo ver mais do trabalho de vozes, aliás, mas como de costume, ele só aparece em passagens pontuais da trama.

A construção narrativa aqui parece um pouco mais orgânica em introduzir alguns elementos interessantes antes mesmo de explicitar como eles se encaixarão na grande trama. Sem se propor apressado em revelar qual é o problema central logo de início — porque, afinal, o público já compreendeu aquele mundo — sobra mais tempo para desenvolver os personagens e suas principais relações, ao mesmo tempo em que as mecânicas centrais são bem ensinadas ao jogador. Pena que nem uma coisa nem outra careciam de todo esse desenvolvimento.

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Mais visual novel, menos exploração

Definitivamente, nenhuma destas coisas — personagens e gameplay — é tão complicada a ponto de exigir muita força para que o jogador possa compreendê-las. Se a história não se apressa e vai se desenrolando quase que no automático, as ferramentas de coleta de pistas e outras informações também são bastante generosas, tornando o jogo amigável para crianças, explicitamente o público alvo da produção. Uma pena que a falta de localização para o nosso idioma seja um grande obstáculo para os pequenos brazucas entenderem o que está acontecendo.

Contudo, a simplicidade do jogo permite que até quem não está entendendo muita coisa consiga avançar e fechar a campanha em menos de duas dezenas de horas. O fracasso simplesmente é impossível, e a maior dificuldade do game é encontrar todos os pontos centrais de interação. Uma vez que você converse com as pessoas ou criaturinhas indicadas no canto da tela, bem como esteja atento a um ou outro ponto de interesse no cenário, tudo vai acontecendo com muita tranquilidade. Tranquilidade até demais, eu diria.

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Por padrão, é necessário coletar algumas evidências, seja via depoimento, seja via provas nem tão escondidas assim. Quando se consegue uma coleção delas, é possível fazer uma dedução lógica que dá andamento à trama. Assim, se eu encontro, só para efeito de exemplo, uma pena vermelha no local de um crime, e o mordomo viu um Delibird circulando pela região no horário do acontecido, você pode concluir que ele é o principal suspeito. O momento da dedução é determinado pelo jogo, diegeticamente na voz do nosso parceiro, e as informações essenciais dentro dos diálogos estão destacadas em vermelho.

Contudo, se o jogador não chegar ao que o jogo definiu como solução lógica, sem problemas. Como dito, não há espaço para o fracasso: o game só avisa que a escolha está errada e permite uma nova tentativa até se escolher a correta. Diferente de outras produções recentes que se apropriam de mecânicas similares, como alguns games baseados nas obras de Agatha Christie, Detective Pikachu Returns está muito pouco preocupado em oferecer uma investigação desafiadora, mas busca algo mais palatável para iniciantes e crianças. O que é pode ser bom, mas, por outro lado, acaba tirando grande parte da responsabilidade da investigação das mãos do jogador. No fim das contas, tanto faz estar ou não prestando atenção.

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Isso significa, portanto, que aquele que espera qualquer coisa minimamente próxima de um adventure point-and-click no estilo Monkey Island irá se frustrar , e mesmo que se possa andar livremente pelos cenários que se abrem conforme avançamos, quase nunca há algo realmente interessante para se fazer para além de seguir o roteiro pré-estabelecido.

Configura-se assim um modelo de progressão muito mais próximo de um visual novel convencional, só que com ainda menos poder de escolha no desdobramento dos eventos, mas mais liberdade para se andar por aí. Mesmo com algumas poucas reviravoltas, tudo é previsível e cheio de obviedades que não vão surpreender muita gente.

Nem todas as ações, contudo, estão relacionadas à linha principal da investigação, e vez ou outra recebemos tarefas secundárias dos moradores da região. Nada, claro, que vá para além do velho (e nem tão bom assim) leva-e-traz, com coisas como “perdi meu Pokémon e preciso que você o encontre pra mim” e tarefinhas do tipo que são solucionadas muitas vezes “sem-querer-querendo”, só passando pelos locais abertos no mapa. Ainda que melhore a qualidade de vida do jogo, tais missões apenas engrossam a experiência, sem necessariamente a expandir.

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A falta de uma segunda tela, recurso muito bem utilizado pelo jogo original, significa também uma simplificação da coisa toda. Nenhuma dedução pode ser feita fora da interface principal que pausa a ação do jogo, nem há qualquer possibilidade de se tirar conclusões antes de coletar todas as pistas, o que torna o trabalho menos cerebral e mais braçal. Novamente, algo que torna o jogo mais amigável para crianças, que talvez nem estejam prestando tanta atenção na história.

Um mundo de cores e rebarbas

O universo de Pokémon é um espetáculo estético em potencial, mas que infelizmente está sempre permeando o “quase” bonito quando vemos o resultado das últimas produções. É como se o planejamento da equipe de direção de arte jamais fosse implementado de verdade, e o que seria incrível na teoria é, na prática, no máximo ok.

Detective Pikachu Returns, principalmente quando o comparamos com outras produções exclusivas lançadas no mesmo período, é um arremedo do potencial do Nintendo Switch e parece pertencer a uma geração anterior.

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A começar pela modelagem dos personagens humanos, com texturas que os fazem parecer bonecos de plástico pouco expressivas. Olhando de longe, o jogo nos lembra de animações tridimensionais pré Toy Story remasterizadas em HD. Os próprios Pokémon sofrem para se salvar e, tirando o protagonista que teve um cuidado maior, parecem estátuas esperando por uma interação na calçada. Mesmo sem a complexidade de ataques e golpes especiais dos jogos da linha principal da franquia, os bichuinhos conseguem perder muito da graça de seus designs, da textura de pelos, penas, escamas e folhagem — algo que o filme conseguiu adaptar muito bem.

Os cenários tem seus momentos, alguns são até surpreendentes em termos de level design, mas jamais se mostram realmente impactantes e encantadores. Há avanços, na comparação com a percepção um tanto quanto robótica do jogo anterior, mas ainda assim está muito distante daquilo que já sabemos ser possível com o atual sistema da Nintendo. Não há economia nas cores e na saturação de dias ensolarados, o que valoriza a diversidade dos monstrinhos, mas tudo parece mal encaixado e mal recortado quando em conjunto com o todo.

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A grande força do jogo, portanto, está no legado gigantesco que a franquia construiu ao longo das últimas décadas. É inevitável não se encantar com a primeira aparição do nosso herói, e o jogo não economiza nos seus close-ups e sabe muito bem como mexer com os fãs de longa data.

Não demora para que encontremos outros protagonistas de diferentes gerações, e no mesmo quarteirão dá pra conversar com um Pokémon da primeira e outro da última sem muito melindre. As estrelas do show, felizmente, não ficam escondidas em momento algum, e vários serão muito úteis ao longo da jornada.

Conclusão

Detective Pikachu Returns é, para o bem e para o mal, tudo aquilo que se poderia esperar da sequência do jogo de 2016, agora em uma outra plataforma que considera um público que não necessariamente conhece a sub-franquia a fundo. Com algumas referências diretas ao game original e outras piadas com a adaptação cinematográfica, os desenvolvedores não negam seu passado, o valorizam, mas felizmente fogem da dependência de qualquer conhecimento prévio.

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A trama é relativamente longa para um jogo com o foco na narrativa, e dura por volta das 15 horas, beirando as 20 para quem quiser primeiro atender a demandas extras antes de seguir com a história principal, mas ela fatalmente pode cair em momentos cansativos e muitas vezes desinteressantes. Longas sessões podem se tornar sonolentas para quem não estiver realmente fascinado com cada participação especial dos monstrinhos de diferentes gerações.

A história não é das mais empolgantes e a jogabilidade exageradamente infantilizada tira todo e qualquer efeito de desafio, o que torna o game mais trabalhoso pelo aspecto de coleta de informações do que realmente empolgante pela resolução dos casos. A recompensa por resolver um caso morno é… outro caso morno. Tanto faz estar interessado ou não, porque você vai seguir adiante do mesmo jeito.

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Uma vez cumpridos os protocolos, o avanço é contínuo e à prova de falhas, o que significa que prestar atenção ao que está acontecendo é uma escolha, não uma necessidade. Se você pular todos os diálogos, se coletar as pistas sem ver do que elas tratam, ainda assim vai terminar o game.

É uma característica positiva ou negativa? A decisão é sua e está relacionada à expectativa criada. Para mim, eu diria que foi frustrante descobrir logo de início que meu esforço não importava muito, e minha filha, de 7 anos, que deveria ser a beneficiária de algo assim, também se desinteressou até tendo minha ajuda com a tradução dos textos. Se o game não empolga nem a velha guarda que cresceu com a marca, nem os pequenos, talvez haja uma crise de identidade a ser compreendida.

Detective Pikachu Returns está disponível exclusivamente para Nintendo Switch e, lamentavelmente, está localizado em áudio somente para o inglês e o japonês. Há legendas em uma dezena de idiomas, mas o português brasileiro não é um deles.

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