Análise Arkade – O belo e envolvente Miasma Chronicles

8 de junho de 2023
Análise Arkade - O belo e envolvente Miasma Chronicles

Com a história dos videogames se desenvolvendo para caminhos cada vez mais plurais, sobretudo pela presença de desenvolvedores de diferentes escalas de produção e intencionalidades, alguns gêneros tem ganhado cada vez mais destaque no mercado, enquanto outros parecem fadados, pelo menos em tempos atuais, a um nicho muito específico de pessoas.

Felizmente, a diversidade nos permite ter acesso a pequenos grandes achados que podem até ficar escondidos em meio a lançamentos bombásticos e estilos mais queridos do público, mas ainda assim sobrevivem, evoluem, e se fazem presentes.

Miasma Chronicles, salvo alguns problemas e deslizes mais incômodos, é destes casos. Um RPG tático baseado em turnos ousado em vários aspectos, mas que se mantém muito fiel às suas inspirações mais óbvias, como a série XCOM, ou mesmo seus antepassados mais recentes, como Mutant Year Zero.

A boa notícia para os fãs de games do tipo é que todas as melhores qualidades típicas do sistema de exploração e combate estão bem representados neste game. A má notícia é que para os não convertidos, há muito pouco aqui que pode fazer alguém mudar de ideia.

Análise Arkade - O belo e envolvente Miasma Chronicles

Uma história pós-apocalíptica

A trama de Miasma Chronicles parte do lugar comum mais seguro, uma realidade onde um evento cataclísmico conhecido como Miasma devastou o planeta e, obviamente, a humanidade sucumbiu ao desastre. Mas – e sempre há esse “mas” – uma pequena parcela da população ainda resiste em assentamentos miseráveis tentando sobreviver só mais um dia, até que surge uma esperança.

O jovem Elvis, que cresceu órfão em um desses núcleos de resistência conhecido como Sedentary, recebe uma estranha luva que permite absorver as forças do fenômeno Miasma, podendo controlá-lo. Ao lado de um inseparável companheiro cibernético, ele precisará explorar o mundo cheio de perigos em uma jornada para alterar o destino de todos e, claro, compreender seu próprio papel no grande plano das coisas.

Sim, você provavelmente já ouviu essa história, com outras roupagens, uma infinidade de vezes, e infelizmente a construção narrativa não traz qualquer inovação capaz de subverter os clichês esperados. A apresentação dos arquétipos está toda lá e facilmente reconhecemos elementos como uma liderança controversa, estereótipos de classe – o forte, o rápido, o furtivo, o corajoso, – e por aí vai.

Até mesmo as reviravoltas, se é que assim podemos chamá-las, estão lá exatamente como manda a cartilha de roteiro tradicional. O maior problema, contudo, está longe de ser uma história reconhecível, mas sim uma escrita um tanto quanto inconstante e por vezes até capaz de quebrar o ritmo da aventura. Há momentos de real interesse na trama, mas muito provavelmente essa é a parte menos memorável quando sobem os créditos na tela porque grande parte do tempo estaremos diante diálogos expositivos bem tediosos.

Análise Arkade - O belo e envolvente Miasma Chronicles

A estruturação das missões não ajuda muito no agenciamento do jogador, uma vez que estaremos quase sempre em vias de buscar algo, resgatar alguém ou encontrar alguma peça de um quebra-cabeça que nem nos importamos em montar, e voltar pra casa para descobrir qual o próximo passo. A sensação de urgência é baixa, quase inexistente, e o mundo parece muito pouco vibrante, parecendo só um amontoado de núcleos inimigos que só existem para nos esperar chegar lá.

Não há organicidade, não há senso de existência, e o antagonismo parece, o tempo todo, ser só “porque sim”. Demora para saber porque aqueles sapos mutantes nos atacam, porque um bando de humanos nos odeiam ou porque todo mundo que encontramos quer nos matar. E quando isso fica mais claro, já nem importa mais.

A sensação é a de que todos os eventos mais importantes são só pontos de conexão e contexto para a próxima tarefa. Pelo lado positivo, alguns elementos que encontramos pelo caminho são mais generosos em nos dar uma melhor dimensão do mundo que nos cerca, do que aconteceu e do que se passou por lá.

Não fossem os NPCs caídos que nem importam pra história principal, passaríamos por um amontoado de destroços sem nem notá-los. Nada disso, porém, atrapalha a evolução do jogador e o andamento das missões, e salvo quem se interessa mais em conhecer os personagens para além de sua função técnica na trama, a coisa pode seguir tranquilamente sem se apoiar naquilo que está sendo contado.

Análise Arkade - O belo e envolvente Miasma Chronicles

Explore em tempo real, combata em turnos

No que compete ao gameplay, Miasma Chronicles é bastante claro naquilo que está propondo desde os primeiros segundos. Enquanto estamos explorando os cenários em busca de recursos, somos livres para andar a esmo a partir de um ponto de vista quase isométrico – o “quase” é porque temos liberdade para girar a câmera e mudar alguns enquadramentos – e vasculhar os cantinhos, visitar pontos de interesse, cumprir tarefas secundárias e assim por diante, como se espera de um RPG tradicional.

Os ambientes são normalmente bastante restritos, com poucas áreas mais abertas e ainda menos focos de ação para além da missão, mas há soluções interessantes para espaços verticais (como prédios), salas de acesso restrito e outras construções.

O modelo muda quando entramos em combate. A forma mais tradicional é chegar a um ponto com um bando de inimigos e começar a encrenca seja atirando antes (como bem aconselharia Han Solo), seja sendo visto pelo primeiro adversário.

Nesse ponto, entramos em turno e contraturno, onde fazemos todos os movimentos possíveis com nossa equipe – que começa com dois protagonistas, mas que varia ao longo da viagem – e aguardando o time contrário fazer o mesmo na vez dele.

Por padrão, há duas ações básicas a serem feitas por personagem, que envolvem se posicionar no campo cartesiano, recarregar armas, usar os incompreensivelmente raros itens especiais (como kits de cura, granadas, potencializadores de energia e outros) e, claro, realizar movimentos de ataque, normalmente tiros.

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A coisa complica – no bom sentido – quando cada personagem pode utilizar movimentos únicos, ataques especiais e realizar outras ações específicas do contexto, ainda que seja realmente estranho o tempo de cooldown da maioria destas opções diferenciadas.

É possível gastar os dois movimentos possíveis andando para mais longe e há formas mais criativas de compor seu conjunto estratégico, mas nada que seja complexo demais para se compreender, porque o game dá tempo aos jogadores para que se aprenda as melhores formas de abordagem e as mais adequadas composições.

Miasma Chronicles parece muito mais interessado em saber como vamos utilizar aquilo que ele nos ensinou do que em sofisticar exageradamente um modelo já consagrado.

O grande tempero está nas possibilidades furtivas que o game oferece para além do embate mais duro. É possível – e altamente recomendável, aliás – antes de ser percebido pelo inimigo posicionar cuidadosamente cada membro da sua equipe no campo de batalha para que quando o pau começar a quebrar estejamos em vantagem tática.

Por vezes, me senti melhor separando o grupo em pontos específicos de flanqueamento e, em outros momentos, foi mais confortável investir no ataque massivo e pontual. Conhecer o inimigo é das formas mais eficientes de se decidir pela abordagem, claro, mas é o estilo de batalha do jogador que define qual é o jeito mais fácil de se derrotar um grupo provavelmente mais volumoso e frequentemente mais bem armado que o nosso.

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Agir pelas sombras, quando se tem um atirador silencioso, é uma das melhores ações, porque ao eliminarmos os agressores periféricos, evitamos ficar cercados por múltiplos ataques concomitantes.

E se atacar furtivamente é uma recomendação, saber ler o nível dos inimigos é uma obrigação, já que nem todos os conflitos são obrigatórios (pelo menos não nos primeiros encontros) e há vários enfrentamentos evitáveis ou adiáveis até que estejamos mais fortes.

A queda, em vários momentos onde desconhecemos o terreno ou o potencial inimigo, é inevitável em algum momento, mas a experiência é a chave para saber escolher quais brigas comprar e quais podem ficar para depois.

Destaca-se ainda um bom trabalho de interface de usuário, com um menu bastante acessível para gerenciamento de equipamentos (e suas eventuais melhorias) e poderes gerais e individuais. A árvore de habilidades, especificamente, em um formato em quadrantes acaba sendo um tanto quanto confusa naquilo que se refere a hierarquização, mas que logo nos acostumamos já que não é tão extensa assim para quem está acostumado com outros jogos de RPG.

Cada opção, porém, gasta muito mais pontos do que o jogo está disposto a dar como prêmio de nosso avanço, tornando esse processo de crescimento bem lento. In-game, as soluções de navegação também são bem razoáveis e passado o momento de experimentação e aprendizagem, se torna prática e confortável sobretudo porque se adapta bem ao ritmo das passagens de maior ação.

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A beleza da devastação

O mundo está um verdadeiro caos, a escuridão reina e até o ar parece insalubre. Há sujeira, há destruição e há uma sensação de que não há mais volta. E ainda assim, Miasma Chronicles consegue demonstrar uma beleza quase poética no nada e no vazio de um mundo morto.

As ruínas daquilo que uma vez foi o ápice da civilização humana, com cidades, parques e outras obras gigantescas conseguem guardar uma grande riqueza de detalhes que, estas sim, contam uma história pregressa. A narrativa está muito mais na emergência das coisas do que no relato de fatos, e um simples escritório arrebentado diz mais do que muitas e muitas linhas de diálogo.

A natureza corrompida não fica para trás. Florestas apodrecidas e corredeiras, até pelo ótimo trabalho na representação de texturas e materiais, são muito palpáveis.

O trabalho de iluminação é muito bem feito, com reflexos e contrastes que saltam aos olhos, independente de estarmos jogando no modo qualidade ou desempenho, e os cenários são ricos e impactantes, mesmo que alguns teimem em cair em uma certa repetição de texturas e de palheta de cor conforme avançamos pela campanha.

A direção de arte se vale de um level design modesto, sem tantos labirintos ou ampliação desnecessária de mapas, e faz do pouco espaço de cada região uma composição harmoniosa e com uma certa personalidade.

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Menos inspirados são os modelos humanos, que até pela perspectiva, não comprometem o conjunto da obra, mas que quando vistos de perto se mostram pouco expressivos e ainda menos simpáticos do que já esperamos diante a forma rasa como são estabelecidos pelo roteiro.

Surpreendentemente, são os inimigos que se fazem mais chamativos, e o desenho da maioria deles, incluindo os mais comuns e genéricos, é bem instigante. Se na prática não se comportam lá de formas tão distintas assim, principalmente quando em movimento de cerco, há uma identidade de clã que cumpre muito bem o seu papel.

O que mais me chamou a atenção, entretanto, foi na ótima estratégia de geração de partículas que se mostra fundamental para estabelecimento de um universo crível para o tal Miasma.

O esfacelamento do ambiente, os efeitos de luz das magias e poderes especiais, tudo transpira cuidado e se coloca acima da média do que é esperado para uma produção deste tamanho. A trilha musical traz ainda uma boa ambientação com instrumentos de corda e outras canções para dar ritmo, e os efeitos sonoros são adequados e corretos.

Já o trabalho de vozes é daqueles que se apoia no exagero, chegando perto (e as vezes ultrapassando) os limites da canastrice e caindo na estigmatização, o que particularmente pode incomodar muito em certos momentos.

Análise Arkade - O belo e envolvente Miasma Chronicles

Conclusão

No conjunto da obra, o trabalho artístico é muito bem adaptado para o sistema de jogo, tanto em momento de exploração como de combate, e considerando as particularidades do gênero, a otimização é muito boa.

O mesmo não pode ser dito pelo aspecto narrativo da obra que sofre com a simplificação da trama e principalmente com a construção de personagens pouco interessantes, retrógrados e até incômodos pela forma como são retratados.

O universo criado parece ser muito rico para acomodar ótimas aventuras, mas esta aqui simplesmente demanda muita boa vontade para que nos importemos com o que ela quer nos dizer.

Uma vez que superemos (ou ignoremos) a história, o sistema de exploração e combate é seguro e traz algumas variantes que valorizam o trabalho do jogador sem contudo abandonar aquele toque de imprevisibilidade. Gosto bastante das probabilidades de acerto e erro, tanto do lado de cá como no de lá, que podem tanto premiar a ousadia como punir o descuido na mesma medida.

Somado ao desenho acidentado dos cenários destruídos e às habilidades variadas do time, cada novo embate é uma verdadeira caixa de surpresas que tende para o lado da boa estratégia e da preparação cuidadosa, mas com aquela pontinha de insegurança que dá sustança para cada investida.

Análise Arkade - O belo e envolvente Miasma Chronicles

Miasma Chronicles é, como um todo, uma das boas experiências que tive com um XCOM-like, e em certos momentos de ambientação até supera sua maior referência. O que eu espero ver, caso seja de interesse dos desenvolvedores, são histórias que façam jus a todo o alicerce construído.

Afinal, se um mundo todo arrebentado depois de um evento cataclísmico não é das coisas mais originais, é o que se faz com ele depois que faz a jornada valer a pena. Neste jogo, parte desse objetivo está muito bem construído. A outra, nem tanto.

Miasma Chronicles está disponível desde 23 de maio de 2023 para Xbox Series X|S, PlayStation 5, e PC com vozes originais em inglês e localizado para o português brasileiro em legendas, textos e menus.

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