Análise Arkade: Saviorless, o primeiro indie game cubano a ganhar visibilidade mundial

5 de abril de 2024
Análise Arkade: Saviorless, o primeiro indie game cubano a ganhar visibilidade mundial

Saviorless é “marketeado” como o primeiro indie game cubano. Produzido por um estúdio super pequeno, o título é um exemplo de resiliência em um mercado sem nenhuma tradição na indústria de games.

A jornada para as Ilhas Sorridentes

Saviorless nos apresenta à história de um jovem curioso, Antar, que está em busca de uma criatura mítica, a Garça Reluzente. Ele acredita que a ave vai guiá-lo até uma terra prometida, as Ilhas Sorridentes, onde ele, supostamente, irá tornar-se um heroico Salvador.

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Antar (agachadinho) e a Garça Reluzente

A história do Antar que acompanhamos está sendo contada por um velho narrador, que possui 2 jovens aprendizes. O velho sempre conta a história do mesmo jeito, e quer continuar assim, pois alega que a narrativa está ligada ao equilíbrio do próprio universo.

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Os 3 narradores

Seus jovens aprendizes, porém, têm outros planos, e quando suas ideias mirabolantes começam a interferir na narrativa, as coisas ficam perigosas. Entra em cena Nento, um implacável caçador que também almeja chegar às Ilhas Sorridentes, mas por motivos bem menos altruístas.

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Nento é uma espécie de jumento humanoide superpoderoso (?!)

É uma história um tanto confusa, ambientada em um mundo que é sombrio, mas muito belo, repleto de lugares incríveis (ainda que decadentes) e criaturas surreais. Tudo isso é desenhado à mão, em um traço caprichadíssimo (numa vibe meio Gris) que esbanja estilo e faz de Saviorless um jogo que é, antes de qualquer coisa, um deleite para os olhos.

Os 3 protagonistas

Com 3 narradores, Saviorless acaba tendo, também, três protagonistas: o garoto Antar, o caçador Nento e a versão de Antar transformada em Salvador, que passa a aparecer a partir de certo ponto da campanha.

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Obviamente, existem puzzles de redirecionar feixes de luz

Antar protagoniza a maior parte do jogo, e, por ser pequeno e indefeso, seu gameplay é focado em plataforma e puzzles integrados ao cenário. Quando ele torna-se Salvador, ganha habilidades de combate e a capacidade de enfrentar monstros, E Nento por sua vez, responde por breves e frenéticos momentos de combate.

Por um lado, isso acrescenta uma boa variedade de mecânicas. Por outro, todas essas mecânicas são bastante simples. Ou seja, ainda que o tempero mude um pouquinho, o sabor é meio que o mesmo. Nento e o Salvador, por exemplo, funcionam essencialmente da mesma maneira, e até suas animações de ataque e movimentação são iguais.

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Transformado em Salvador, Antar é capaz de sair na mão com os monstros

O combate em si não tem nenhuma profundidade, e nem é o foco do jogo. Os trechos de plataforma e puzzle, por sua vez, também são bem básicos, não exigindo muita habilidade nem muita perspicácia do jogador.

Tentativa e erro

Desta forma, sem grandes desafios o que acaba acrescentando uma camada de dificuldade ao jogo é o fato de que, jogando com Antar, tudo é “one hit kill“, ou seja, qualquer coisa nos mata na hora. E, em sua forma de Salvador, nossa barra de vida diminui constantemente, o que nos obriga a sermos rápidos na matança para evitar que ela esvazie.

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indefeso, Antar só pode correr e fugir

Considerando que controlamos Antar na maior parte do tempo, a morte instantânea por qualquer deslize acaba sendo o que mais incomoda. E não é nem pelo desafio em si, mas pela chateação de ter que repetir um trecho mais trabalhoso em caso de falha.

É que assim: muitos dos “puzzles integrados ao cenário” do jogo envolvem mecanismos que acionam espinhos, pisos eletrificados, ou servir de isca para que os projéteis inimigos acertem pontos específicos do cenário. E muitas vezes esses momentos se dividem em várias etapas (acerta uma coisa, depois vai para a outra, e mais outra). Falhar na terceira “etapa” e ter que repetir as anteriores torna tudo frustrante e repetitivo.

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Aqui o objetivo é fazer o inimigo acertar os geradores na parede

Saviorless ainda comete a gafe de não criar checkpoints depois de diálogos ou cutscenes. Ou seja, passou por uma cena longa de diálogo e morreu? Vai ter que entrar naquele ambiente de novo e pular toda a falação só para tentar de novo.

Falando assim pode parecer picuinha, mas são detalhes de qualidade de vida que aborrecem o jogador. E, novamente: como tudo é one hit kill, a morte é inevitável. Seria muito mais prático se houvesse um respawn direto no lugar da morte, ou simplesmente um barra de vida que nos permitisse tomar dano umas 3 vezes antes de morrer.

Audiovisual

Aqui é, sem dúvida, onde Saviorless realmente brilha. Seu visual cuidadosamente desenhado à mão é lindíssimo. Cada cenário é rico em detalhes, cada animação é feita com esmero. Houve muito carinho e dedicação em cada frame do jogo, e isso transborda para fora da tela em um jogo artisticamente impecável.

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Olha que coisa linda

Apesar de belo, o mundo de Saviorless também é sombrio. O jogo tem um design de monstros muito particular que é incrível. Numa vibe que me lembrou um pouco o “terror fofinho” da série Yomawari, aqui temos criaturas realmente horripilantes… apresentadas em uma estética que, no geral, é encantadora.

A trilha sonora, lúgubre e misteriosa, potencializa a imersão, e enriquece a vibe de melancolia que o jogo carrega. São músicas incidentais, acordes tímidos de piano, que se misturam com muita naturalidade aos sons ambientes para criar uma experiência coesa.

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As máquinas do jogo são meio orgânicas

Válido ressaltar ainda que Saviorless chega totalmente localizado a diversos idiomas, inclusive nosso PT-BR. Confesso que tive alguns problemas com a localização — muitos diálogos ficaram em espanhol, mas menus e documentos estavam em português –, mas acredito que tenha sido por conta do acesso antecipado. Creio que não seja nada que um patch não corrija.

Conclusão

No fim das contas, Saviorless é um jogo de altos e baixos. Seu departamento audiovisual é irretocável, sem dúvida um dos mais belos jogos 2D dos últimos anos. Mas como jogo, com o controle na mão, ele não é lá muito criativo, ou diferente.

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Dito isso, fico muito feliz por viver em um mundo em que esse jogo existe, mesmo com suas escorregadas. E digo isso simplesmente porque não há uma indústria de games consolidada em Cuba. O país é extremamente pobre e, por questões sociopolíticas, sofre há décadas com sanções econômicas e mercadológicas por parte dos Estados Unidos e seus parceiros comerciais.

Cuba é tecnologicamente atrasada. Produzir jogos por lá deve ser algo extremamente penoso, pois falta de tudo: equipamentos, mão de obra, financiamento… até energia elétrica. Saviorless passou mais de 7 anos em desenvolvimento e foi o primeiro jogo cubano a “furar a bolha” e ganhar visibilidade internacional — muito por conta do acordo feito com a publisher francesa Dear Villagers.

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Então, ainda que, como jogo, Saviorless acabe não sendo memorável, como produto cultural ele é, sem dúvida, muito especial e relevante. Espero que ele seja o estopim que vai fazer novos talentos surgirem, novos projetos acontecerem, novos jogos “made in Cuba” chegarem ao resto do mundo. Vida longa à Empty Head Games e ao mercado de games cubano.

Saviorless foi lançado em 2 de abril, com versões para PC, Playstation 5 (versão analisada) e Nintendo Switch. O jogo possui menus e legendas em português brasileiro.

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