Análise Arkade: Soccer Story celebra o futebol com humildade e coração

13 de dezembro de 2022
Análise Arkade: Soccer Story celebra o futebol com humildade e coração

Em plena ressaca da eliminação da seleção canarinho da Copa do Mundo do Catar, cá estou para falar sobre futebol, mas não aquele tradicional, que ano após ano nos traz, queiramos ou não, o que de mais contemporâneo há no esporte digital, mas sim um novo olhar, que não só surpreende pelo gênero, como também pela abordagem do esporte mais popular do planeta. Quando esperamos o retorno de algum jogo que traga de volta a magia da várzea, dos campinhos de terra batida, dos jogadores fora de forma das periferias, eis que surge Soccer Story para nos surpreender.

Uma história com (sobre) futebol

Quando a Copa Maçã, maior torneio de futebol que se tem notícia e em seu auge de popularidade, acaba literalmente explodindo misteriosamente em um evento que ficou conhecido como A Calamidade, as pessoas se afastam do esporte a ponto de sequer querer ouvir falar sobre ele. Elas não jogam, tampouco querem chegar perto de uma bola, e o esporte se torna algo restrito e controlado pela poderosa corporação Soccer Inc., que não só tem o domínio sobre os torneios oficiais como controlam com mão de ferro a outrora popular arte de chutar a pelota pela baliza.

Análise Arkade: Soccer Story celebra o futebol com humildade e coração

Eis que um dia, um ano depois do desastre, uma bola mágica surge para uma jovem (o jogador pode escolher entre um rapaz ou uma moça, e eu escolhi a segunda opção) e a atrai para o já combalido campinho da região, a Soccer Town. Ela se convence que chegou a hora de desafiar o sistema e decide montar um time improvável para assim fazer ressurgirem os torneios locais e desafiar o poder central na remodelada Copa Maçã e, quem sabe, finalmente descobrir o que teria acontecido com o seu pai, agora desaparecido.

Dado o cenário, Soccer Story se coloca como uma RPG clássico que nos lembra os melhores exemplos do gênero da geração 8/16 bits, onde precisamos explorar o ambiente em busca de informações e outras pistas que nos ajudem a alcançar o nosso objetivo. Com uma estrutura facilmente reconhecível onde o mapa vai se abrindo em áreas temáticas, nossa missão principal é montar um time e fomentar o renascimento dos campeonatos esquecidos e, para tanto, é fundamental que consigamos convencer os demais times, destroçados pelos traumas d’A Calamidade, a voltar à peleja.

Análise Arkade: Soccer Story celebra o futebol com humildade e coração

De uma forma leve e completamente descompromissada com qualquer noção de realismo, nossa jornada nos leva a lugares interessantes, desafiando times de idosos, tubarões e ninjas, mas cujo subtexto pode ser muito mais interessante do que parece. No caminho, somos impelidos a lidar com as situações mais estapafúrdias, mas que o tempo todo estão nos colocando em choque com uma grande empresa que está pasteurizando um esporte que deveria ser o máximo da expressão popular, a ponto de afastá-lo quase que totalmente de suas origens, de sua essência.

A trama, sobre a qual, claro, não vou entregar mais detalhes para não estragar suas surpresas e reviravoltas, consegue encontrar um belo equilíbrio entre uma profundidade de arco central e as pequenas coisas, o corriqueiro, sem parecer pretenciosa demais. Sim, estamos tentando salvar o futebol, que aqui sintetiza toda a cultura de uma comunidade – o nome dos lugares remeter ao esporte não é uma coincidência – mas o fazemos de um modo intimista e cheio de uma fantasia lúdica toda particular, seja salvando crianças dos perigos do mar usando nossos chutes potentes, seja resgatando do esquecimento o espírito de guerreiros honrados.

Análise Arkade: Soccer Story celebra o futebol com humildade e coração

Soccer Story, ainda que seja obviamente todo tematizado em torno do esporte, é muito mais sobre o senso de comunidade, de pessoas diferentes que por algum motivo estavam separadas mas que encontram no futebol um ponto de convergência, algo que as conecta, que as torna algo maior do que um aglomerado de pessoas. Não à toa o grande inimigo não é bem alguém, e mesmo a tal Soccer Inc. é na maior parte do tempo uma sombra, uma ameaça etérea, não um antagonista real e palpável, porque a batalha de verdade não é contra alguém, mas a favor de todos.

A regra é clara, amigo

Na prática, o jogo se organiza em dois grandes momentos: o da exploração e o das partidas de futebol. O primeiro deles é o mais amplo e complexo, onde nossa tarefa está organizada em missões secundárias, grande parte delas sendo a de encontrar itens ou realizar tarefas em quantidades determinadas pelo interloculor, como encontrar doze coisas, acertar seis alvos, acionar três interruptores, etc.; e missões principais, que basicamente são tarefas que vão exigir novas habilidades que, de alguma forma, tem por meta convencer o time adversário a voltar a jogar futebol e compor conosco o campeonato local.

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Já o segundo é o complemento esperado, mas também o menos inspirado em termos de gameplay. Como já seria de se esperar, as partidas de futebol tem mecânicas bem simplificadas, mesmo na comparação com jogos como Mario Strikers. Basicamente são jogos de cinco contra cinco, com um goleiro e quatro jogadores de linha, dois dos quais se dedicam ao ataque e outros mais conservadores na defesa. Há ainda alguns momentos de tira-teima com o bom e velho X1 das ruas (com um goleiro ajudando), mas na prática é tudo bastante parecido e mesmo com algumas habilidades extras sendo liberadas conforme avançamos, há uma profundidade de pires que se mantém do começo ao fim.

Pelo lado bom, as nossas ações são praticamente as mesmas para os dois momentos: podemos chutar a bola com força, podemos fazer passes leves, podemos dar carrinhos, além de usar nossa barra de energia para correr com mais intensidade. No jogo, cada uma dessas funções tem objetivos bem óbvios, enquanto na exploração, servem para uma infinidade de coisas. O carrinho, por exemplo, quebra objetos para revelar colecionáveis e pode ser usado em outras ações pontuais. Já o chute, com ou sem controle pelo direcional direito, quebra alvos, coleta coisas altas, aciona dispositivos e ações do tipo.

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Combinações desses comandos podem ser exigidas em missões pontuais também. Pode ser que, por exemplo, tenha uma horda de inimigos se aproximando e tenhamos que fugir deles enquanto os acertamos com boladas, ou ainda tenhamos que apostar uma corrida com obstáculos pelos quais tenhamos que passar nos arrastando no chão. Seja como for, a dinâmica é muito parecida com qualquer RPG isométrico que já conhecemos: aprendemos habilidades, somos impelidos a usá-las de formas menos convencionais em tarefas aparentemente aleatórias e depois nos é cobrado usar essas novas capacidades no campo de batalha, que nesse caso é mais campo e menos batalha.

O mapa, como dito anteriormente, não chega a ser enorme, mas é bem recheado de coisas, e cartesianamente bem dividido em quatro áreas temáticas. Para que tenhamos acesso a cada trecho, são usadas as desculpas mais esfarrapadas do mundo, como ser necessário ter uma chuteira para areia para andar pela praia ou uma chuteira especial para água para locais inundados. Cada qual tem semelhanças, como missões secundárias que se repetem com os mesmos solicitantes, e coisas mais específicas da região. A vivência, entretanto, é sempre parecida: chegue, converse com os NPCs locais, aprenda sobre o lugar, colete coisas, resolva puzzles, cumpra requisitos e vença o torneio.

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Em linhas gerais, a exploração é bem divertida, diversa e atrativa, e dificilmente nos veremos andando a esmo sem o que fazer. O mapa, porém, é muito mais consultivo do que propriamente um guia, porque ele não fica cheio de pontos luminosos indicando lugares de interesse ou onde ir para cumprir as missões. Soccer Story, com isso, evita pegar na mão do jogador para dizer o que fazer a seguir, e muitas das orientações são mais vagas do que alguns jogos modernos fazem. A descoberta de como fazer algo normalmente é mais instigante do que a coisa em si, sensação que particularmente eu valorizo muito em jogos assim.

Nem tudo é perfeito, contudo. O jogo tem seus problemas de performance – experimentei no Switch, mas também descobri pesquisando que versões de PC sofrem do mesmo mal – e em algumas passagens acaba tendo alguns flicks e slowdowns, principalmente em áreas com água ou onde há muitos efeitos de partículas rolando. Em alguns casos que exigem precisão e timing mais afinados, isso pode ser um problema e tive que repetir alguns desafios por perder frações de segundo preciosos com esses defeitos. Nada que seja incontornável, claro, mas é algo a ser corrigido em futuras atualizações.

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Outro problema comum é ficar enroscado em partes do cenário por problemas de colisão. O jogo, por vezes, exige que nos esgueiremos em matas fechadas e outros ambientes mais acidentados, e incentiva que façamos isso inclusive na busca por colecionáveis e extras. Por vezes, porém, acabamos enroscando em uma quina mal resolvida, em tronco ou algo do tipo, e o jogo parece bugar um pouco mais quando estamos com a bola nos pés. Também tive problemas de crash duas vezes e precisei reiniciar o console outras duas simplesmente porque peguei um objeto e ele ficou sobre a minha cabeça indevidamente, impedindo que eu continuasse coletando outros e realizando meus afazeres.

Falhas técnicas à parte, como um RPG tradicional temos ainda um sistema de progressão de personagens que se mistura com artifícios de melhoria de competências de jogos de futebol. Assim, o grande incentivo para realizarmos toda e qualquer missão nos sugerida é que o prêmio para o sucesso são pontos de habilidade em um dos quatro grandes aspectos de cada jogador do nosso time: força, velocidade, chute e energia. É possível comprar essas melhorias usando moedas encontradas também, então, em resumo, a boa exploração é recompensadora e uma ótima forma de estar bem preparado para quando chegar a hora dos desafios mais complicados.

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Jogo bonito

Se há um aspecto que me surpreendeu do começo ao fim com um refinamento quase perfeito é o gráfico. Em uma primeira olhada, tudo parece muito similar aos jogos de décadas atrás e poderia ser visto como um típico trabalho em pixel art, algo já utilizado de modo muito ostensivo atualmente, principalmente por desenvolvedores independentes. Com um pouco mais de atenção, porém, a técnica se mistura a cenários e cenografia tridimensionais com texturas cartunizadas, bem articuladas em uma mistura entre elementos low poly e figuras desenhadas em um 2D mais tradicional. É quase um voxel art, se me permitem a expressão.

O uso de cores é muito agradável e bem diversificado, sem contudo exageros ou excessos. Efeitos de luz e de profundidade surpreendem em vários momentos, e mesmo a repetição de coisas, como texturas e árvores, não incomodam por ser algo equilibrado. Destaque para a composição de personagens que mesmo com a limitação do estilo gráfico ainda conseguem se destacar e, na grande maioria dos casos, transbordam personalidade. As vezes tem uma criança repetida aqui, um idoso com o mesmo bigode acolá, e os ninjas coloridos são providenciais ao economizar no design, mas no geral, é um belo exemplo de uso da estética adotada.

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Por sua vez, o aspecto sonoro é um tanto quanto inconstante. Sem músicas durante as partidas de futebol, os efeitos de toque e chute me lembraram de quando eu jogava Super Futebol no Master System. Durante a exploração, porém, eu simplesmente amei a trilha musical, viciante e que ficava na mente como temas grudentos (de um jeito bom), e os efeitos e ruídos contextuais são muito bem colocados. É uma ambientação muito coesa e que traduz com muita competência a leveza da experiência.

Não há diálogos por vozes, e todas as conversas se dão por caixa de texto, mas algo que poderia facilmente cair na monotonia funciona perfeitamente por dois bons motivos: o primeiro deles é que o texto é ótimo, objetivo e evita a verborragia expositiva que tanto contamina produções que querem parecer mais complexas do que são; e o segundo e mais interessante é o trabalho excepcional de localização para o português brasileiro, que traz fluidez, naturalidade e um tempero especial com expressões e referências muito particulares daqui. Tem citação até ao nosso traumático 7×1 e ao inconfundível Luva de Pedreiro. Impossível não se encantar. Criem uma premiação pra isso e entreguem pra quem fez Soccer Story e, Nintendo, aproveita que o jogo está na sua plataforma e aprenda com ele.

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Conclusão

Soccer Story é daquelas ótimas surpresas inesperadas que aquecem o coração por conseguir unir conceitos já conhecidos e estruturas sedimentadas a uma temática que pode encantar mesmo aqueles que estão pouco ligando para o maior evento futebolístico do mundo na TV. Claro que fãs do esporte terão motivos de sobra para se deliciarem com partidas emocionantes, defesas impossíveis e golaços improváveis, mas há espaço aqui até para quem nunca encostou em um FIFA ou um PES se identificar com a jornada de um grande herói comunitário.

Mesmo com alguns probleminhas técnicos e algumas inconstâncias em termos de precisão em passagens mais exigentes, é um game de fácil imersão, extrema simpatia e muita beleza dentro daquilo que se propõe. Os temas adjacentes podem ter algum impacto ou não e isso depende do jogador, porque não há aqui qualquer intenção panfletária ou algo do tipo, e a história é deliciosa em todas as suas camadas, principalmente com um texto incrível e muito bem localizado. Mesmo sendo um adepto dos jogos convencionais de futebol, confesso que esse jogo não é só bem-vindo a um mundo sisudo e ensimesmado, ele é necessário.

Soccer Story está disponível para Nintendo Switch, Xbox Series X|S, Xbox One, PlayStation 5, PlayStation 4 e PC desde o dia 29 de novembro de 2022, destacando uma vez mais que está muito bem adaptado ao nosso idioma.

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