Análise Arkade – DC Super Hero Girls: Teen Power e o outro lado da DC Comics

19 de junho de 2021
Análise Arkade - DC Super Hero Girls: Teen Power e o outro lado da DC Comics

Se alguém hoje, de sopetão, falar algo sobre o Universo DC, é possível — provável talvez — que o público médio que acompanha a cultura pop tenha como primeira lembrança a visão bastante particular do que se convencionou chamar de Snyderverse, sobretudo pelas últimas produções cinematográficas baseadas nas criações dos quadrinhos da editora nos últimos 90 anos. É um tom um tanto quanto sóbrio, que popularizou o bordão “sombrio e realista” que não só deriva das incursões mais recentes dos diretores Zack Snyder e Christopher Nolan, como resgata ainda os filmes do Batman do final dos anos 1980 e começo dos 1990.

Ou é possível que esse público ainda possa considerar uma outra DC, mais alegre e colorida, quiça descompromissada, nonsense e até auto-paródica, que tem suas origens lá nos seriados em animação e live-action da segunda metade do século XX, e que sobrevive nos dias atuais muito mais em produções infantis e seriados televisivos do que na linha principal de grandes produtos cinematográficos. Nessa categoria você certamente reconheceria as séries da Warner Channel, o tal do Arrowverse, e principalmente Teen Titans GO e, claro, Super Hero Girls, animação que se foca no protagonismo feminino com personagens como a Mulher-Maravilha, a Supergirl de Kara Denvers e a Batgirl de Barbara Gordon.

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Mais do que o trio mais conhecido, a série, hoje disponível em serviços como a Netflix, expande os horizontes para outras personagens nem tão populares, e o grupo de heroínas conta ainda com Bumblebee, Zatanna e a Lanterna Verde Jéssica Cruz. Se contarmos todo o panteão também de vilãs ou heroínas de suporte, estão presentes na série Star Saphire, Arlequina, Giganta, Mulher-Gato, Hera Venenosa e um tanto de personagens que orbitam, de uma forma ou de outra, esse mundo das super-heroínas.

Aqui, sem qualquer tipo de preocupação com fidelidade canônica e coisas que não tem qualquer importância para um público-alvo mais jovem, vemos a versão adolescente de todas elas, o que significa não só que estão aprendendo o que significa ser uma heroína, como também que essa vida acaba se misturando com os problemas típicos da idade, sobretudo em uma visão bastante pueril do que isso significa, o que transparece um certa ingenuidade da abordagem, mas que obviamente tem seus objetivos enquanto produto de entretenimento para apresentar o universo e atingir (ou quem sabe até renovar) seu público.

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Um episódio interativo

Eu sei, lá se foram quatro parágrafos e até agora nada de citar o game em si, objetivo final desta análise. Mas confie em mim, caro leitor, cara leitora: essa introdução é fundamental para que entendamos não só do que se trata DC Super Hero Girls: Teen Power, como também de que ponto de vista estou partindo para o texto. Vale citar que vivenciei a experiência com bastante calma, ao lado de minha filha de 5 anos de idade, não só pela experimentação in loco com o público ao qual o jogo claramente se dedica, como também pelo fato dela ser uma fã da animação e, portanto, ser alguém que manja dessa roupagem. Sim, confesso, estou me utilizando também da observação e não só da minha perspectiva como jogador e redator. Espero que isso seja útil.

Bem, o jogo nada mais é do que uma expansão do que é mostrado na série televisiva, quase que um episódio interativo e maior que pertence àquela visão. Ainda que tenha um cuidado ao apresentar cada personagem, com nome, identidade secreta e um breve resumo do seu background, isso é algo bastante contextual e se vale do que fora construído anteriormente para não ficar explicando origem de poderes e toda a lore. Você já começa acompanhando o grupo em meio a um evento de destruição de uma parte de Metropolis, que acaba deixando a Baía de Hob’s completamente em ruínas. Com um plano populista, a família Luthor surge com uma proposta de revitalização do lugar, e convida toda a comunidade a ajudar.

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Não demora muito para que se descubra que as boas intenções fazem parte de mais um daqueles planos infalíveis do vilão, e cabe ao jogador, no controle das três principais protagonistas, ajudar a população, enfrentar alguns vilões — e principalmente algumas vilãs nem tão malvadas assim apoiar a reconstrução da região destruída, descobrir os planos secretos por trás de tudo isso e salvar o dia, sem abrir mão, obviamente, de fazer o dever de casa da escola ou dar um passeio pelo centro da cidade. Depois do primeiro capítulo, é possível alternar entre todas elas e usar aquela que for a preferida, ainda que certas missões sejam específicas de uma ou de outra.

A trama, claro, não é das mais sofisticadas, e serve muito mais de pano de fundo para justificar a exploração e os embates do que para qualquer coisa maior que isso. A aventura é leve e descontraída, sem qualquer senso de urgência, e consiste em algumas passagens em ambiente aberto (mesmo que bem limitado a alguns quarteirões de cada região disponível no jogo) onde caminhamos livremente em nossa identidade civil, ajudando crianças a recuperar brinquedos perdidos ou senhoras a encontrar seus gatos. Além disso, temos um smarphone com o qual podemos tirar fotografias de qualquer lugar para postar na Superstapost, rede social integrada dentro do mundo do game, e assim conseguir seguidores, curtidas e tudo mais.

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Na outra ponta, há uma vida uniformizada, com missões mais pontuais e pulverizadas pelo mundo, onde enfrentamos robôs, monstros, algumas criaturas sobrenaturais (como bonequinhas do capiroto e ursos possuídos), e algumas batalhas contra chefes. Nesse modelo, o sistema de combate se aproveita de mecânicas de beat ‘em up bem fáceis de se aprender, com ataques simples (que podem virar combos), esquivas, pulos (que podem funcionar como voo no caso da Supergirl) e alguns ataques especiais próprios de cada heroína. Normalmente, esses momentos de ação funcionam no sistema de arena: tem um problema, alguns inimigos, você os vence e vê a sua pontuação de acordo com o desempenho.

Estão disponíveis missões principais, bastante explícitas no mapa, e também algumas tarefas secundárias, em grande número até, e que não fogem muito do padrão de leva e traz de jogos de mundo aberto mais pomposos. Coisas do tipo “tire a foto de meu crush e traga para mim” ou “perdi o meu balão , me ajude a encontrá-lo” que valem principalmente para aproveitarmos os momentos de exploração livre pelos ambientes. Um modelo esquemático quase cartesiano, mas que preenche supreendentemente bem a experiência do jogo, já que produtos mais dedicados a crianças tendem a investir no sistema seguro de linearidade. O maior valor da história, portanto, não está no que acontece, mas em quem guia os eventos, que são garotas poderosas e cheias de personalidade.

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Vivendo uma dupla identidade na prática

Ao mesmo tempo, esse modelo simplificado de mundo aberto para um público infanto-juvenil cobra seu preço, já que é um sistema que depende de diálogos, muitos diálogos, além de uma procura mais atenta, de uma paciência que pode cansar em sessões mais longas, e exatamente por isso adotamos aqui um esquema de jogar pouco, mas sempre. As opções de interação nas redes sociais fictícias do game funcionam bem, e certamente motivam os fotógrafos mirins (ou mesmo os marmanjões) a procurar alguns bons ângulos, pessoas interessantes e enquadramento pouco óbvios para boas fotos da cidade.

O sistema de batalha, por sua vez, pode parecer bem simplório para os mais veteranos, mas é um acerto enorme para os pequenos. Sem complicações, sem timing, sem contagem de frame, sem janela de contra-ataque, estamina, nada disso. Viu um vilão dando bobeira, vai lá, aplica um combinado de quatro ou cinco ataques, fica esperto para fugir quando ele for desferir seu golpe, e por aí vai. A maior complicação fica por conta dos momentos de voo, que são um pouco mais travados do que deveriam, mas o próprio game ajuda, corrige altura, aproxima, então não há muito o que lamentar. Nesse caso, um modelo mais repetitivo atende ao necessário para que se siga adiante.

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O jogo ainda oferece variedade e uma certa profundidade com um modelo bem redondinho de evolução de personagem, onde se pode comprar upgrades, como aumento na força ou no HP, um ou outro movimento novo, e melhorias mais pontuais. Isso com a ajuda de moedas que se ganha cumprindo cada objetivo primário ou secundário. O dinheiro é pouco, contudo, já que também serve para comprar novas vestimentas para o dia-a-dia e modelos de construções para ajudarmos na tal reforma da região afetada pelos ataques. Ou seja, sobretudo na primeira metade da jornada, escolhas entre o estético e o prático precisam ser bem pensadas.

Talvez o maior problema, em termos de jogabilidade, esteja em aspectos de precisão e sutileza nos movimentos, e isso acontece por uma conjunção de coisas, a começar por comandos um pouco desajeitados, uma fluidez de movimento um tanto quanto estranha e uma câmera problemática, principalmente (mas não apenas) em ambientes mais apertados ou com algum tipo de obstáculo. Isso não é uma exclusividade deste jogo, claro, e provavelmente seja o problema mais recorrente em jogos tridimensionais desde a geração 32 bits, mas em DC Super Hero Girls: Teen Power a câmer está especialmente arisca e, por vezes, bizarra. Se o combate é de fácil assimilação, momentos de plataforma, mesmo que raros, podem ser bem irritantes.

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Boas intenções estéticas, execução nem tanto

Se o posicionamento da câmera e do ponto-de-vista não é dos mais confortáveis, o estilo artístico adotado tem seus altos e baixos. Visualmente, todos os personagens são exatamente o que vemos na animação 2D, e a transição para as três dimensões com um cel-shading bem chapado funciona e não causa qualquer estranheza, apesar das arestas. É aquele estilo visual cheio de traços exagerados e retos, com expressões caricatas que marcam a tendência das animações infantis nas últimas duas décadas. Por outro lado, os ambientes são relativamente mais pobres em todos os quesitos.

As texturas de chão e paredes são fraquíssimas, sobretudo quando vistas de perto, algumas muito próximas de um verdadeiro borrão. Não é raro passar por alguns trechos onde o jogo parece mais uma animação de recortes, com os personagens bem descolados do mundo. Soma-se a isso modelos exageradamente repetitivos — todo carro parece o mesmo carro, todo teto parece o mesmo teto — e uma volumetria bem poligonal. Ambientes naturais, os poucos disponíveis, evidenciam ainda mais essa limitação, sobretudo quando isso transborda para os sistemas de colisão, com paredes invisíveis para todos os lados e todo objeto parecendo ser feito do mesmo material maciço. Ao mesmo tempo, há uma boa profundidade e campo, as coisas carregam rapidamente e ocasionalmente encontramos belas paisagens compondo o cenário.

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É evidente também que expressões são uma coleção de poses bem pontuais, sem movimento de rosto ou animação de qualquer tipo, algo que não chega a incomodar tanto pelo próprio estilo mais cartunesco do traço, e as animações de gameplay são bastante satisfatórias, ainda que estejam muito distantes do que já foi visto nos melhores (e até alguns dos medianos) games do Switch. Isso, quando em conjunto com uma dublagem que se limita a poucas palavras e expressões exageradamente gritadas, pouco incentiva a se aprofundar e a se importar com a história. O resultado é que o ritmo do jogo se torna inconstante, tornando a narrativa, que já é bem simples, quase que irrelevante.

Não ajuda o fato de que, como padrão na plataforma, o jogo não tem localização para o nosso português brasileiro, nem mesmo nos textos. Para crianças menores e que não tem domínio do inglês ou do japonês (únicos idiomas disponíveis até o momento) um adulto ao lado ajuda nessa tradução simultânea, ainda que as passagens de diálogo e de contextualização possam se tornar cansativas, um problema obrigatório entre uma passagem jogável e outra. Não é de se estranhar que por vezes o jogador queira só pular as animações e focar na ação, em procurar coisas, e quebrar alguns robôs malvados. A minha pequena ajudante, aliás, até evitava, ou adiava ao máximo, ir direto pra missão para não precisar parar de jogar pra ver todo mundo conversando.

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Conclusão

Como um todo, DC Super Hero Girls: Teen Power é um jogo que tem suas qualidades sobretudo ao respeitar a estética adotada pelo produto principal dessa linha, e tem boas soluções em termos de trilha musical e efeitos sonoros, mas não se deve esperar nada muito elaborado nesse sentido. Visualmente, parece perdido no tempo, mas que ao mesmo tempo consegue ser um pouco mais moderno em termos de construção de mundo e na estruturação da campanha. Um HUD bastante generoso e alguns easter eggs do universo DC também agregam valor à experiência.

A despeito de todas as limitações, é bem verdade que tem muito mérito ao respeitar a essência do material base, e traz consigo o carisma e a personalidade de suas protagonistas. Por mais que seja instável tecnicamente, há um frescor oriundo da própria criação desse mundo, que valoriza as heroínas em um espaço tradicionalmente mais sisudo e cheio de clichês voltados ao que se entende como “produto de meninos”. Ainda que se aproprie de alguns estereótipos de uma forma exagerada, é um jogo que não é só algo pensado para crianças, mas especificamente para valorizar o protagonismo feminino para as meninas menores.

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É aqui onde resgato os famigerados parágrafos iniciais desta análise. Quando tento enxergar o game pelos olhos da minha pequena ajudante, não busco apenas saber se os sistemas são adequados a ela em termos de aprendizado, precisão de comandos, interesse na história ou mesmo se o jogo é tão colorido quanto a série animada. O desenho animado, aliás, é a maior entrada dela no mundo de super-heroínas, no universo dos quadrinhos, e se enxergar ali controlando alguém com quem se identificar foi essencial para que na maioria do tempo evitássemos simplesmente pular as conversas. Mesmo em inglês, mesmo sem vozes, mesmo com expressões faciais exageradas, ela queria saber o que essas garotas poderosas estavam fazendo pra salvar o bairro. E isso, leitores e leitoras, faz toda a diferença.

No final das contas, as limitações técnicas estão todas lá, o jogo certamente não vai figurar dentre os mais premiados ou mesmo os mais lembrados do ano, e a história deverá guardar a ele um reconhecimento tão morno quanto a tantos outros produtos licenciados que já vimos ao longo das últimas três ou quatro décadas. Mas quando eu ouço da minha filha, quando perguntada sobre o que ela achou do game antes de eu começar esse texto, que esse é o jogo favorito dela (e olha que o game que jogamos antes desse foi Super Mario Odissey) há muito o que se considerar o peso de cada aspecto objetivo, mesmo em uma avaliação crítica como é a intenção desse texto. No final das contas, não tem como almejar qualquer pretensão de imparcialidade total.

Dito isso, DC Super Hero Girls: Teen Power está disponível para Nintendo Switch desde o dia 04 de junho deste ano de 2021, e se você é fã do universo DC ou da animação onde o game se baseia, certamente poderá dar uma chance para ele. Pode ser que no final, o saldo seja sim bastante positivo.

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