Análise Arkade: Godfall brilha (literalmente) na nova geração, mas também tropeça

28 de novembro de 2020
Análise Arkade: Godfall brilha (literalmente) na nova geração, mas também tropeça

Era o TGA 2019, e grande parte dos expectadores do evento estava dando pouca importância para quem ganhava e quem perdia as premiações da noite. Afinal, o que todo mundo estava esperando mesmo eram anúncios do que seria a nova geração, prevista para sair um ano depois. A Microsoft mostrava toda a glória de seu novo console, enquanto a Sony, muito mais comedida, saía do evento com apenas o anúncio do primeiro jogo para nova geração do então vindouro Playstation 5.

Godfall foi anunciado em um teaser curto e com pouca informação. Mas tinha espadas, tinha armaduras extravagantes e tinha o vislumbre de um dragão de 3 cabeças. Nada com esses elementos poderia ser ruim, né? Foi nesse momento que eu entendi que a nova geração estava chegando de verdade e desde então acompanhei de perto cada novidade que saía sobre o jogo (muitas das quais publicamos aqui no site).

Aí vieram informações complementares, dentre elas de que a proposta do game seria um looter-slasher. Ok, pode ser uma ideia bacana. Um Destiny com espadas poderia funcionar. Mas, se comparado a outros lançamentos de início de geração, este talvez tenha sido o mais tímido na divulgação ao longo de 2020.

Análise Arkade: Godfall brilha (literalmente) na nova geração, mas também tropeça

Enfim, corta para novembro de 2020: já estou com o Playstation 5 e o Godfall nas mãos. Chegou a hora de conferir se ele realmente nos mostra a que veio o Playstation 5.

Uma história entre irmãos

Godfall não é exatamente um exemplo de originalidade em vários aspectos, o narrativo incluso. A bela cena de abertura do game — já divulgada como um trailer — apresenta a narrativa básica: os irmãos Orin e Macros lutam juntos, até que em algum momento eles acabaram se desentendendo, o que desencadeia uma verdadeira guerra entre seus exércitos. Orin perdeu, foi humilhado e expulso por seu agora rival. Como um general caído, ele precisa recomeçar do zero, recuperar seus recursos para finalmente poder desafiar seu irmão/adversário novamente.

Do outro lado, Macros torna-se megalomaníaco e pretende tornar-se um verdadeiro deus soberano, nem que tenha que destruir o mundo no processo. Relembre essa proposta no trailer (em inglês mesmo, porque infelizmente o jogo não tem localização para o português brasileiro nem nas legendas):

O confronto entre irmãos pelo poder é um tema recorrente em obras de ficção das mais variadas e vai de Hamlet a O Rei Leão, passando por embates épicos nas mais famosas mitologias antigas — e certamente você deve se recordar de plots similares em obras bem recentes nos cinemas e inclusive em games. Tão recorrente quanto o tema e seu previsível desfecho — e pessoalmente algo que me interessa muito mais — é a alegoria da queda e da necessidade de se reerguer.

Sim, é outro dos clichês mais manjados da história, e nos remete diretamente à famosa (e manjada) jornada do herói, mas esse princípio de que se está no topo, normalmente antes mesmo de se saber o que isso significa, e precisar cair para então se levantar (e aprender com seus erros, claro) é uma analogia das mais interessantes. Ao se alcançar novamente o cume físico e também simbólico, a transformação causada pelo processo é que o torna digno de estar lá.

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Godfall não reinventa a roda e segue a cartilha de forma protocolar. E talvez essa fidelidade ao tema seja seu mais contraditório defeito narrativo. Já sabemos de onde partimos e para onde vamos nos primeiros cinco minutos do jogo, e nada consegue realmente nos surpreender nas dezenas de horas seguintes.

Isso fica ainda mais grave por conta da falta de carisma dos personagens, que ao usar armaduras das mais espalhafatosas, não tem rosto, não tem expressão, oque torna muito difícil de se desenvolver empatia por qualquer um deles.

O processo também não ajuda a reconhecermos ali os méritos do heroísmo em nosso protagonista. Para alcançar o topo e desafiarmos novamente nosso nêmesis, é necessário antes merecer esse direito, vencendo seus generais. São cinco no total, e, adivinha, 4 deles são criaturas elementais — fogo, água, ar e terra. Para alcançá-los, é necessário explorar seus mundos, coletar uma série de artefatos e aí então ganhar o direito de enfrentá-los. Resumindo, o jogo é organizado em mundos, missões com sub-chefes parrudos, e um chefão no final. Simples assim.

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Em outras palavras, o universo do game é composto por um conjunto de pequenos mundos abertos, mais ou menos como em games como Dragon Age: Inquisition onde, a partir de uma base, vamos e voltamos para esses cenários que podem ser explorados livremente, e que para vencer é necessário cumprir alguns objetivos pré-estabelecidos. No começo, porém, há alguns artifícios incômodos que impedem que você explore tudo de forma livre, mas é compreensível para que se mantenha um certo controle da evolução narrativa. Sacrifícios para se manter a coerência.

A metade “looter

Alguns aspectos de games mais recentes causam certos receios em jogadores mais desconfiados. Loot boxes estão nessa categoria de preocupações, já que a proposta de buscar, o tempo todo, novos e melhores recursos pode passar da medida facilmente e ultrapassar o bom senso. Felizmente, Godfall é relativamente generoso em oferecer recompensas pelo trabalho bem feito, pela exploração e pela busca por melhores resultados em cada cenário. Vencer um chefão rende bons prêmios, resolver puzzles complementares é satisfatório e explorar os cenários é bastante divertido.

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Isso significa que coletar e colecionar espólios não chega a ser uma tortura, e a aleatoriedade não é prejudicial. Para ser sincero, ficar buscando novas armas e acessórios, testar cada um deles em batalha e melhorá-los na forja — que logo nas primeiras horas de jogo fica disponível no hub do game — é uma das partes mais engajadoras de Godfall. Se no começo você não faz ideia do que está recolhendo e para que serve, logo isso se responde e dá sentido ao sistema. Vale a pena enfrentar hordas (e mais hordas) para se tornar melhor preparado para enfrentar outras hordas.

Com uma árvore de habilidades bastante extensa — há uma série de recursos desbloqueáveis, e há ainda níveis em cada um deles — há muito o que explorar para conseguir alcançar os 100% do poder do seu protagonista. Somam-se a isso todas as armas possíveis, seus atributos e as melhorias em cada uma delas, e temos aqui realmente muitas opções para se evoluir.

Uma coisa interessante é que todos os equipamentos seguem o modelo entre itens comuns até os lendários, e felizmente você pode evoluir qualquer uma delas até o ponto máximo por meio de melhorias e encantamentos. Ou seja, você não necessariamente precisa abandonar aquela espada favorita só porque ela ficou defasada na comparação com outros itens pegos posteriormente.

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Isto posto, o nível de customização aqui é bastante generoso. A soma entre armaduras, equipamentos e essas capacidades que vão sendo desbloqueadas conforme se avança torna cada personagem bastante próximo do estilo do jogador. Ainda que nem todos vão se interessar por esse aspecto, é um ponto que poderia se perder em sua megalomania, mas que surpreendentemente se mantém bastante equilibrado com o resto do game.

A metade “slasher

Todo o contexto narrativo tradicional e o modelo de busca por recursos tem como único e explícito objetivo retroalimentar um sistema de combate que mostra ser, provavelmente, a melhor coisa de Godfall. Você certamente deve ter se reconhecido em vídeos de gameplay e nos sistemas convencionais de ataque rápido, ataque forte, esquiva, aparação, contra-ataque… sim, o jogo tem um feeling de uma mistura entre o mais recente God of War e jogos da From Software, só que com mais pirotecnia.

Confira uma missão inteira que capturamos no PS5:

Os gatilhos adaptáveis do DualSense fazem seu trabalho aqui, mas de uma forma bem menos incrível que em Astro’s Playroom (que, verdade seja dita, estabeleceu um parâmetro alto demais). Mas ainda assim, sentir o impacto de uma arma pesada e carregar um golpe mais poderoso oferecem um bom feedback nas mãos do jogador. Há peso, há muita diferença ao se equipar uma marreta gigantesca ou espadas curtas de duas mãos. Godfall é divertido e viciante de se jogar, e oferece diversidade o suficiente para sustentar toda a campanha.

O sistema de progressão e de melhorias de atributos, outra questão que você já viu em dezenas de outras produções, ajuda a aumentar a gama de possibilidades de combate. O escudo deixa se der só um elemento de defesa rapidamente, ganhando outros movimentos devastadores e providenciais. Inimigos caídos podem ser executados com golpes estilosos e o sistema de fúria pode ser um grande escape nas horas de maior aperto. Para quem joga RPGs de ação ou games modernos de hack and slash, não há grandes novidades, mas o esplendor pirotécnico dos combates impressiona. O maior desafio acaba sendo dominar os comandos para combos devastadores.

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Gráficos-ostentação

Muitos de nós, ávidos pela nova geração, esperamos um grande salto audiovisual em jogos especialmente dedicados aos novos sistemas. Godfall é o único grande lançamento do Playstation 5 dessa primeira leva a não ter uma versão para a geração anterior — o PC é a única outra plataforma a receber o game, ao menos por enquanto — então muito se esperava que todos os esforços da pequena, mas dedicada equipe de desenvolvimento estivessem focados em oferecer um experiência graficamente superior. E o resultado, nesse aspecto, não decepciona.

Claro, não vai demorar para que vejamos coisas ainda mais impressionantes ao longo dos próximos anos, algo absolutamente natural, mas cada vislumbre em Godfall é especialmente gratificante em termos estéticos. Texturas naturais — vegetação, água, rochas — são muito palpáveis, mas o destaque fica para as poderosas armaduras disponíveis ao longo da jornada. Os fãs de Cavaleiros do Zodíaco vão se deliciar ao ver várias delas com muita inspiração nos totens tradicionais, e mesmo não se prendendo somente aos 12 signos, as inspirações na mitologia grega (com toques de outras, como a nórdica e a egípcia) são incríveis.

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Cada uma dessas vestimentas têm alguns atributos específicos e que podem ser mais adequados para o tipo de combate adotado pelo jogador, mas é fato que vale a pena experimentar o máximo possível delas só pelo show off. São todas lindas, exageradas, quase cartunescas, e a vontade é fazer uma missão com todas. E, confesso, muitas vezes preferi não avançar na campanha só para voltar a uma missão com a armadura que acabara de adquirir e fatiar alguns inimigos com ela. Considerando que o jogo tem um elemento cooperativo um tanto tímido (logo falaremos mais dele), se exibir para outros jogadores faz parte da brincadeira.

De certa forma, é um elemento que balanceia a falta de simpatia pelos personagens que basicamente não tem rosto. Não é um defeito em si, já que é uma escolha estética e de linguagem, mas é fato que ficamos distantes o tempo todo — muitos jogos do tipo, como Destiny, permitem que o elmo seja retirado no hub. Aqui não.

Apesar disso, é importante destacar que essa falta de pessoalidade não é uma característica intrínseca dos personagens que usam máscara, e o Mandaloriano da Disney+ esta aí para mostrar que é possível criar esse vínculo de afeição com o público por outros caminhos, mas não é o caso aqui. Controlamos basicamente um avatar, uma personificação quase sem personalidade da batalha, e só com isso que acabamos nos relacionando.

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Mas, se me permitem um trocadilho inevitável, Godfall brilha na parte artística. Primeiro, porque realmente é um primor visual, com muitos detalhes, roda com ótimo desempenho (tivemos um ou outro engasgo no giro de câmera, mas nada que comprometa o todo) e os efeitos de partículas são especialmente bem acabados. Rastros elementais nos combates, luz, fogo, água, tudo isso é um espetáculo de encher os olhos. Menus e a interface também são bem acomodados, ainda que tenha mais atalhos do que poderia em alguns casos. A tipografia, em especial, pode ser pequena demais para alguns detalhes, como bonificações especiais de armas e equipamentos, dificultando a leitura — resquícios de um trabalho com o 4K ainda em amadurecimento.

O segundo aspecto onde o jogo brilha é na literalidade da palavra. O jogo mais parece projeção de sonhos ao oferecer superfícies que refletem o tempo todo, um preciosismo para mostrar o poder de processamento da iluminação dinâmica e do famoso ray tracing. As vezes, parece que estamos assistindo um jogo dirigido pelo J.J.Abrams de tantos focos de luz e reflexo, mesmo em ambientes mais naturais e até em cenários internos. Filtros de cor generosos em cada um dos mundos dão um aspecto ainda mais onírico, quase divino aos cenários. O mundo de Godfall reluz, e é um esplendor visual para quem espera ver o que a nova geração tem a oferecer.

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Mais do mesmo… o tempo todo

Se você chegou até aqui, deve imaginar que a soma de todos os aspectos relatados resulta em um jogo muito acima da média, certo? Bem, quase. Godfall é de fato um produto muito bem acabado e, em certos aspectos, surpreendente para o lançamento de uma nova geração. Contudo, a soma das partes não se torna tão memorável quando a experiência não é tão cativante assim, e isso se deve muito à uma repetição exaustiva e protocolar do modus operandi do jogador. Você recebe uma missão no hub, vai até lá, cumpre a meta, talvez queira cumprir objetivos secundários, volta ao hub, pega outra missão, vai até lá… e tudo se repete. De novo e de novo. E mais uma vez.

Detalhe: a missão é chegar a uma área, ir até os pontos de interesse marcados no cenário, derrotar uma série de inimigos que estão dando bobeira por ali (pensando bem, será que não somos nós os vilões da história, já que eles não estão mexendo com ninguém e vivendo suas vidinhas até chegarmos?), e… é isso. E de novo, até fazer o mesmo com o chefão da fase. Vez ou outra, há um puzzle para abrir um baú perdido no mapa, ou se você preferir ignorar a missão principal pode ficar zanzando atrás de mais inimigos para abater, mas o jogo nunca foge dessa fórmula.

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Sim, o sistema de combate é diverso e divertido, como dito, mas não há variedade que consiga superar uma linha de ação que se repete eternamente. Em estrutura, Godfall mira na proposta de Destiny, mas acaba acertando em Anthem, onde todo o universo construído e proposto para o jogador nunca se solidifica enquanto imersão. Você coleta códices, mas só vai se importar em ver do que se trata cada um se for muito insistente, porque sinceramente, o game não faz nenhum esforço para que você se importe com tudo aquilo. Até existe um lore, mas o que importa é o calor da batalha, a pirotecnia. Se há uma estátua caída, um monstro escondido, uma construção em ruínas, não há qualquer artifício que lhe dê, dentro do jogo, a vontade de saber mais, de conhecer, de se envolver.

O Multiplayer

O aspecto multiplayer, por sua vez, pode preencher esse buraco de substância ao trazer as relações de amizade para o primeiro plano e foi algo também bastante esperado a partir de toda a campanha de divulgação, mas não parece também tão valorizado assim.

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Você pode montar esquadrões de até três pessoas para uma exploração cooperativa, mas aquele caráter social de jogos como serviço aqui é quase inexistente, e não há uma real necessidade de se jogar com outras pessoas, a menos que você faça questão disso.

Particularmente, entendo o formato como um acerto, sem aquela coisa de que há dezenas de guerreiros cumprindo o papel de protagonista. Afinal, diferente das referências já citadas, você não é parte de uma guilda, de um clã de guerreiros. O tom do jogo é muito mais do clássico single player, do herói contra o mundo, então jogar acompanhado é divertido, mas está dosado na medida certa.

Conclusão

No todo, fica a impressão que falta alma a Godfall. Você não só já identifica muitas das inspirações buscadas seja na arte, no sistema de combate, no plot narrativo, no tom ou na ambientação, como se lembra do potencial que ele desperdiça ao não estimular o jogador a querer saber mais daquele mundo. O jogo está ali mais para ser um playground de combate do que para contar uma história envolvente.

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Mas digo isso consciente de que esse aspecto mais narrativo e imersivo pode nem ser relevante para o jogador. Se o que você quer é só descer a porrada em inimigos e apreciar belas paisagens, Godfall entrega. Artisticamente e mecanicamente, ele é um jogo bastante digno e vale a pena ser jogado, sobretudo para os fãs do gênero. O loot não é predatório, não incomoda e não chega a ser um fator tão preponderante assim, e você ainda pode se interessar e se divertir com o game, como eu fiz, mesmo não sendo um entusiasta do modelo “looter“.

Considerando a escassez de jogos de peso neste início de nova geração, Godfall merece ser conferido por quem quer ter um gostinho do que as máquinas “next gen” podem entregar. Fica a seu critério avaliar se as características “ruins” que apontei aqui são mais ou menos importantes no conjunto da obra.

Disponível para Playstation 5 (versão analisada) e PC, Godfall, em poucas palavras, é um RPG de ação bastante sólido, mas pouco inventivo, com visão em terceira pessoa no estilo over-the-shoulder que funciona bem em termos técnicos, mas nem tanto assim no aspecto de engajamento.

O jogo foi lançado em 19 de novembro por aqui, mesmo dia do lançamento do Playstation 5 no Brasil. Infelizmente, não há qualquer localização para o nosso idioma, e tudo (menus, vozes e legendas) está em inglês.

Uma resposta para “Análise Arkade: Godfall brilha (literalmente) na nova geração, mas também tropeça”

  • 28 de novembro de 2020 às 22:21 -

    Helinux

  • O visual realmente chama a atenção!!!! valeu!!!!

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