Análise Arkade: Mass Effect Legendary Edition é tudo o que deveria ser, e mais

27 de maio de 2021
Análise Arkade: Mass Effect Legendary Edition é tudo o que deveria ser, e mais

Não sou dos maiores fãs de relançamentos e remasterizações caça-níqueis no mundo dos games, e mesmo remakes precisam de um motivo muito bom para realmente se justificarem, mas confesso que desde que os primeiros rumores sobre um remaster da trilogia de Mass Effect surgiram, precisei conter minhas reações de um pseudo-fã para não me empolgar demais, o que foi difícil, já que minha experiência com os três jogos na geração PS3/X360 foi um tanto quanto fragmentada. Joguei o primeiro, depois de alguns anos acabei jogando o terceiro de forma picada e aí finalmente peguei o segundo pra jogar a sério.

Ao longo dos anos seguintes, voltava para os jogos instalados para matar a saudade, dar uma conferida em uma expansão ou outra, mas sempre nesse vai e vem na timeline, até pela correria do dia a dia e pelo atropelo de estar curtindo a geração seguinte. Os planos para voltar e começar do zero sempre estiveram lá, mas nunca se concretizaram por vários motivos. A confirmação da remasterização se tornou uma ótima oportunidade — ou uma bela desculpa — para finalmente refazer essa jornada na companhia de Sheppard e as diversas configurações possíveis de sua tripulação. Cá estou eu para me render: essa remasterização não só é bem-vinda, ela é necessária.

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Melhorar o que é preciso e manter o que é incrível

Como comentei no texto sobre minhas primeiras impressões, para ficar realmente perfeito só faltou a localização para o nosso bom e velho português brazuca, mas enfim, já chorei bastante por isso lá. Quem sabe, uma atualização, né EA (pouco provável, infelizmente). Aproveito o tópico para dizer que o texto do game é realmente impressionante. A elaboração de universo, aliás, é dos trabalhos mais interessantes e coesos da indústria, e diálogos — por mais que algumas conversas acabem caindo num clichê as vezes raso — são de forma geral muito importantes para que nos importemos com tantas raças, mundos e culturas diferentes.

Um dos acertos dessa coletânea, antes de falar do que foi melhorado, é não ter mexido naquilo que continua impecável. A ambientação, a construção narrativa, o encadeamento de eventos não-lineares e a forma orgânica como as missões principais — e mesmo as paralelas, por mais bobas que pareçam — se encaixam no todo é de uma competência que nos deixaram mal acostumados, desejando que o fato de ter retornado a esse padrão inspire a Bioware a retomar o bom caminho para o vindouro Dragon Age 4 e, claro, o próximo capítulo inédito de Mass Effect — lembrando que Mass Effect Andromeda não foi lá muito bem recebido, ainda que tenha seus méritos — relembre nossa análise.

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Também já tinha falado um pouco sobre a sensação que tive ser comparável ao da remasterização de Uncharted de alguns anos atrás: parece que a ideia veio principalmente para adequar um primeiro jogo cheio de boas ideias, mas cru, aos sistemas sólidos estabelecidos posteriormente. O primeiro Mass Effect é, certamente, aquele que recebeu o maior salto tanto em termos de qualidade visual quanto no que tange a jogabilidade de combate, e em ambos os aspectos, se aproximou bem o suficiente das suas sequências. Jogar tudo de uma vez, claro, evidencia algumas diferenças, mas é visível que houve um nivelamento por cima.

Outra escolha de manutenção que julgo acertada foi a questão da munição recarregável de ME2 e ME3 não terem “contaminado” o primeiro. Ainda parece um tanto quanto estranho começar com armas sem munição e cool down e depois passar para outras com a mecânica mais tradicional de contagem de balas, coleta de pentes e tudo mais, mas mudar algo desse tipo traria transformações tão aprofundadas no gameplay que o remendo poderia ser um verdadeiro tiro no pé (com o perdão do trocadilho). Além disso, desde sempre ficou evidente que essa coleção é uma nova roupagem para os jogos que já foram, em seu tempo, consagrados por crítica e público, então mexer no que funciona podia acabar desandando o caldo.

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Particularmente, fico dividido entre algumas mecânicas nesse aspecto. Gosto da ideia de ter armas “inesgotáveis” com as quais posso contar sempre, mas também confesso que isso significou variar pouco entre elas no primeiro jogo, elegendo a minha favorita e focando nela. Também gosto da coleta de itens — aquele loot raiz — mais do que a compra de equipamentos em lojas ou do encontro pontual delas em certas missões. Em ME2, por exemplo, passei quase metade da campanha sem poder utilizar o rifle de assalto com minha personagem Vanguarda porque deixei a missão onde ela aparece para depois. Nada grave, claro… questões de preferência.

Ao mesmo tempo, o sistema de hacking que veio depois me foi muito mais confortável. Em ME1, por ter me especializado em uma classe que não favorece esse aspecto, acabei deixando dois terços dos cofres para trás por incapacidade do personagem, principalmente próximo do final onde quase todos os itens a serem invadidos exigiam alguma habilidade que eu não tinha. Consequências de escolha, claro, mas ainda assim, prefiro os puzzles que vieram depois, que mesmo repetitivos, permitem levar bons espólios para a Normandy no final do dia.

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Um universo ainda mais impressionante

A ideia, portanto, não é esperar que estes games se pareçam com os mais pomposos lançamentos da geração atual. Sem nenhuma surpresa, ainda temos modelos humanos (e humanoides) com expressões limitadas e movimentos robóticos e, por vezes, pouco fluidos. O trabalho de renovação de texturas de pele, olhos, tecido, porém, é louvável, e até passa raspando no teste do close-up, algo que nem todo jogo recente, mesmo AAA, consegue fazer. Há alguns takes realmente bonitos durante intervalos e cenas de corte. A versão corrigida de ME: Andromeda continua superior nesse aspecto, mas não tanto e, comparando lado a lado, parecem realmente quatro jogos da mesma geração.

As melhorias visuais podem ser sentidas também nos mais diferentes biomas apresentados nos jogos. Uma instalação metálica que sofre com a luz dura de um sol forte em contraste com o interior sombrio de uma nave tomada por substâncias orgânicas, uma cidade iluminada em contraponto com um planeta tomado pelo frio e pela natureza inóspita, tudo funciona bem, com texturas de alta qualidade. Há um borrado aqui, uma quina perdida acolá, um tanque que entra na parede cá, mas ao longo das mais de 80 horas somando as três campanhas, são a exceção que confirmam a regra. Bugs gráficos que eu me lembrava não apareceram novamente, felizmente.

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A ambientação sonora se mantém competente como o era, e algumas passagens, pelo headset, são bem imersivas com sons surgindo de todos os lados. As vozes se mantém ótimas, inclusive as mais canastronas de alguns NPCs. A entonação para reações distintas funciona, e a trilha musical, por sua vez, continua sensacional, principalmente nos dois últimos games do pacote. Talvez o que mais me deixe contente com esse olhar mais analítico da coisa é que aquilo que eu temia gostar por nostalgia e não por qualidade não se concretizou: o que era bom na minha memória é realmente bom e conseguiu sobreviver ao tempo.

Claro, algumas coisas datadas estão presentes, como o mapeamento de botões para se correr ou se usar habilidades especiais, por exemplo. Interações com cenário e obstáculos podem incomodar quem está acostumado com a fluidez de um Gears 5 ou mesmo um Uncharted 4 da vida, mas não tem muitas invencionices nesse aspecto: o combate é aquilo de mais básico que reconhecemos em shooters de murinho. Ande, se esconda, atire, avance, limpe a área, recolha recursos e assim por diante.

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Outras mudanças mais difíceis de se notar para quem tem memórias distantes dos originais são bem-vindas, como alguns reenquadramentos em cenas de corte que evitam alguns exageros dos originais, ou o sistema de dirigibilidade do Mako (aquele tanque que era mais bonito do que prático desde o primeiro game), que não é mais a tortura que era. Mesmo em espaços mais abertos e acidentados, ainda é bem confortável se locomover e atirar ao mesmo tempo.

O level design, pautado naquele sistema de corredores de travessia e bolsões de ação, é bastante funcional e foge dos padrões de mundo aberto dos RPGs de ação mais recentes. Sim, é possível fazer um bom RPG com progressão linear e Mass Effect Legendary Edition mostra que isso pode ser ainda muito proveitoso. Confesso que muitos dos ambientes presentes seriam incríveis de se explorar mais livremente, mas compreendo que o foco que se mantém em Mass Effect valoriza o ritmo das campanhas e da aventura espacial. Como nosso editor Rodrigo Pscheidt bem lembrou em seu recente review de Biomutant, nem sempre um mundo aberto para exploração é sinal de qualidade.

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Para os colecionadores de plantão, as quatro listas de conquistas — uma para cada jogo da coletânea e mais uma para metas gerais na soma dos três — provavelmente serão um prato cheio para extrair tudo o que existe nesse pacote. A grande maioria delas são meio que automáticas para quem busca realizar as missões com regularidade, outras dependem de um pouco mais de empenho e outras ainda vão de algumas escolhas que se faz ao longo da jornada. De qualquer forma, é possível que buscá-las possa dobrar o tempo de dedicação e render muito vai e vem universo afora.

Vale a pena ressaltar uma vez mais que a percepção de ritmo do jogo é espetacular não só pelo desenho dos níveis e das missões — com momentos de respiro opcionais como, por exemplo, exploração de recursos em planetas com sondas especiais — mas também pelos tempos de carregamento significativamente menores desta versão. Nos originais, entrar em elevadores chegava a ser bastante cansativo, e irritava um pouco em ambientes que exigiam um back tracking mais constante. Agora, o carregamento inicial é quase instantâneo em telas de loading, e mesmo esses artifícios dentro dos cenários são bem rápidos.

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Isso não significa que não existam, claro. Os elevadores continuam lá, assim como aqueles corredores de transição entre portas, e eliminar esses elementos significaria um trabalho absurdo de redesign, mas existirem não é um problema em si, pelo menos não mais. São vestígios, digamos assim, de um outro momento, uma outra época. Destaco ainda que joguei a grande maioria das campanhas no Playstation 5, e isso favorece esse desempenho, mas o pouco que joguei no PS4 padrão para fins de testes não ficou muito atrás nesse aspecto.

Por outro lado, essa diferença é mais significativa, como já se poderia esperar, em termos de desempenho gráfico. Na nova geração, a escolha entre fluidez de quadros e qualidade visual não chegou a ser sentida, e o jogo rodou em 4K a 60 fps lisinhos no PS5, e sinceramente não senti nenhuma queda perceptível mesmo em momentos mais intensos. Vale citar que algumas avaliações mais técnicas — e portanto, muito mais precisas e sensíveis do que meu olhar — atestaram que o desempenho no XBox Series X é mais estável e constante que no console da Sony.

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Algumas faltas podem ser sentidas, como uma DLC do primeiro Mass Effect e, talvez aquilo que faça mais falta para entusiastas, o modo multiplayer do Mass Effect 3. Ainda que Bioware e EA tenham sinalizado que se a comunidade realmente quiser, é possível que isso chegue em algum momento para essa remasterização, é uma lacuna que pode incomodar a priori. Confesso que para mim, há conteúdo suficiente aqui e esse modo não me faz falta. O conjunto é completo, coeso e muito bem finalizado em si. Mas todo extra, claro, sempre será bem recebido e toda desculpa para continuar nesse universo é válida. Manda mais que está pouco!

Conclusão

Pelo tom desse texto, creio que tenha ficado bastante evidente o quanto fiquei satisfeito com essa remasterização, e poucas se mostraram tão necessárias quanto essa. O polimento gráfico, somado ao alinhamento da jogabilidade, junto a outras melhorias pontuais, conseguiram atualizar uma trilogia clássica para fãs antigos e novatos de uma forma eficiente e encantadora. Se quiser, você pode encarar o pacote como uma grande e unificada jornada de grandes personagens, em uma história de proporções galácticas que não deve nada a franquias consagradas do cinema como Star Wars ou Star Trek.

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Todos os três jogos, a sua maneira, são espetaculares agora como eram quando lançados. Na verdade, todos tiveram seus percalços em seu tempo, uns mais do que o outro, e todas as correções implementadas na época somadas às melhorias modernas de agora, se mostram ainda mais indispensáveis do que nunca.

Já disse e repito: Mass Effect Legendary Edition é a forma definitiva de se jogar uma das melhores trilogias de todos os tempos, e é uma recomendação quase que obrigatória para todos, fãs ou não de sagas espaciais, entusiastas ou não de RPGs, especialistas ou não em jogos de tiro em terceira pessoa. É um pacote para quem gosta de bons jogos. Ponto.

Disponível para Playstation 4, Xbox One e PC (com a possibilidade de se jogar via retrocompatibilidade no Playstation 5 e no XBox Series X|S), Mass Effect Legendary Edition está disponível desde 14 de maio de 2021.

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