Tribuna Arkade: Vamos falar um pouco sobre o caos acontecendo com Dungeons & Dragons

20 de janeiro de 2023
Tribuna Arkade: Vamos falar um pouco sobre o caos acontecendo com Dungeons & Dragons

Dungeons & Dragons, o primeiro RPG da história e também o mais famoso de todos, é um jogo que mesmo quem nunca jogou já ouviu falar em algum momento de sua vida. E mesmo que nunca tenha ouvido falar, certamente já interagiu com uma das inúmeras criações que só existem graças a D&D, como os RPGs nos video games.

Até o fim de 2022, Dungeons & Dragons vivia possivelmente o melhor momento de toda a sua história, em um enorme pico de popularidade e em número de jogadores, que conheceram o jogo graças a shows como Stranger Things, Critical Role, Dimension 20, e também graças a video games, com a série Baldur’s Gate, Neverwinter Nights e outros.

Porém, com 2023 mal começando, toda a imensa montanha de sucesso de Dungeons & Dragons estremeceu de tal forma que causou um desabamento imenso de popularidade e principalmente de confiança, tudo graças a Wizards of the Coast, a empresa dona de D&D, que resolveu mudar as “regras” ao redor do jogo de forma incrivelmente predatória e, pior ainda, de forma furtiva.

Se você é fã de Dungeons & Dragons e acompanha as novidades sobre o RPG, provavelmente já sabe o que está acontecendo, mas mesmo se você saiba ou não, vamos conversar um pouco sobre esse verdadeiro caos que está acontecendo, que é tão grande que parece até mesmo o fim de uma campanha em uma luta contra uma criatura lendária. Em uma luta para salvar a OGL, a Open Game License.

Vamos então começar do começo, em uma taverna, com o grupo de aventureiros ouvindo falar sobre o que é essa tal de OGL. Tenha em mente, conforme segue adiante, que este artigo foi escrito sem conhecimento legal sobre o assunto (afinal, é a legislação americana que está sendo tratada aqui), mas sim como um compilado de tudo o que aconteceu.

Sendo assim… Todo mundo, joguem seus dados de iniciativa!

Entendendo o que é a OGL

No livro Dungeon Master’s Guide – O Livro do Mestre, encontramos o seguinte excerto em sua página 4 no final do segundo parágrafo do trecho “Parte 1: Mestre dos Mundos”:

“Esse mundo agora é seu e você pode alterá-lo como quiser, bem como modificá-lo à medida em que explora as consequências das ações dos jogadores.”

(Dungeon Master’s Guide – Livro do Mestre. 5ª Edição. Wizards of the Coast. pg. 4. Editora Galápagos.) – Perdão pela citação fora dos padrões!

Esse texto é o que define a “alma” de Dungeons & Dragons, que simplesmente dá aos jogadores e aos Dungeon Masters (ou DMs) total controle sobre o jogo. Crie seus mundos, conte as histórias que quiser, ou até mesmo modifique histórias e mundos já existentes, incluindo mundos oficiais do jogo.

E é basicamente essa filosofia que deu surgimento à Open Game License – a OGL – no ano de 2000. Essa licença é basicamente uma permissão para que qualquer um – pessoa física, pequena ou grande empresa – possa criar conteúdos novos e originais baseados em Dungeons & Dragons, tendo total posse dessas criações, sem conflitar com direitos autorais ou marcas registradas de D&D e da Wizards of the Coast.

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Em resumo, a OGL 1.0a, como é conhecido esse documento, permite que qualquer um crie suas próprias campanhas, histórias, jogos homebrew, ou até mesmo modificações de regras e aspectos de D&D, e seja capaz de vendê-las de forma totalmente legal. Basta ver, por exemplo, diversas campanhas de Kickstarter, ou livros lançados de aventuras que não fazem parte dos mundos de Dungeons & Dragons, mas são baseadas nas regras da 5ª edição do jogo, a popular 5e.

Graças à OGL, muitos outros RPGs e editoras/publicadoras nasceram, como a Paizo – criadora do RPG Pathfinder, o principal concorrente de D&D no mundo dos RPGs de mesa; A Kobold Press; A Darrington Press, fundada pela galera de Critical Role e etc. Até mesmo a Revista Dragão e Tormenta RPG aqui no Brasil, que apesar de terem nascido antes da OGL, foram beneficiadas pela licença quando ela foi publicada em 2000! A OGL 1.0a permitiu que o cenário de RPG “florescesse” no mundo. E ela possui uma característica muitíssimo importante: A OGL é uma licença perpétua. Ela não pode ser revogada.

E aí começamos a entrar a treta, pois a Wizards of the Coast não quer mais que ela seja perpétua. A empresa quer lançar uma nova licença, chamada OGL 1.1, que é simplesmente desastrosa. Vamos então falar sobre ela.

A OGL 1.1 e a revolta da comunidade

O início do desastre começou em dezembro do ano passado, quando a CEO de Dungeons and Dragons, Cynthia Williams, comentou em uma reunião de investidores que o jogo está “sub-monetizado“, e que ela queriamfazer mais dinheiro com a marca através de algumas práticas muito comuns nos video games: microtransações e assinaturas/compra de passes. E nessa mesma época foi anunciado que uma nova OGL estava sendo criada.

A comunidade de criadores de conteúdos e publicadoras independentes de RPGs já ficou alerta após isso. E no dia 5 de janeiro de 2023, o verdadeiro plano foi exposto ao mundo, quando a jornalista Linda Cogeda publicou um enorme artigo no site gizmodo sobre a OGL 1.1, que havia sido vazada para ela por uma fonte anônima dentro da Wizards of the Coast. E nesse dia, tudo foi jogado no ventilador, começando pelo seguinte detalhe: A OGL 1.1, que deveria ser divulgada para coletar feedbacks antes de ter validade, já estava pronta para ser implementada na surdina!

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A OGL 1.1 que foi vazada é um documento de 15 páginas cheio de termos técnicos e legais, e textos explicando suas motivações, como por exemplo impedir o surgimento de materiais ofensivos, discriminatórios, racistas e etc, vinculados, ainda que indiretamente, a marca Dungeons & Dragons. O documento também almeja impedir o uso não autorizado de elementos do jogo, como personagens, monstros e etc, para a criação de NFTs e conteúdo para a Web3. Mas o que realmente importa são quatro pontos muito importantes:

  1. A Wizards of the Coast quer monetizar D&D por cima dos criadores de conteúdos, exigindo o pagamento de 25% em royalties sobre os criadores cuja receita exceta U$ 750.000,00 por ano. – Ou seja, canais como Critical Role e Dimension 20, e também publicadoras como a Paizo, Kobold Press e Darrington Press, que geram muita receita com seus produtos, seriam obrigadas a pagar 25% de qualquer valor que ganhem acima de 750 mil dólares.
  2. A Wizards of the Coast tomaria para si parte dos direitos das propriedades intelectuais de quaisquer criações feitas sob as regras da OGL. 1.1. Usando como exemplo o RPG Pathfinder, que foi criado graças a OGL 1.0a, a Wizards of the Coast poderia tomar para si parte dos direitos de Pathfinder, dando a si própria o direito de usar esses direitos como quiser. Por exemplo, a WotC poderia criar produtos ou marketing usando Pathfinder, sem precisar pagar nenhum valor sobre isso à Paizo, criadora desse sistema de RPG.
  3. Segundo o texto da OGL 1.1, seu lançamento invalidaria por completo a OGL 1.0a, inclusive retroativamente. Ou seja, tudo, absolutamente tudo criado com base na OGL 1.0a que já foi lançado ou ainda irá ser lançado, seria considerado “ilegal” por terem sido criados sem o respaldo das novas regras. E isso inclui até mesmo mesas de RPG virtuais, como o site roll20.net, que oferece ferramentas para que as pessoas possam jogar RPG mesmo a distância.
  4. Por fim, o detalhe mais importante de todos: A OGL 1.1 dá a Wizards of the Coast total direito de alterar a licença e seus contratos a qualquer momento, bastando somente que a Wizards dê um aviso de 30 dias. Ou seja, se a Wizards simplesmente quiser mudar o acordo e dizer que Pathfinder agora pertence a eles, eles poderiam fazer isso desde que avisassem a Paizo com 30 dias de antecedência. E a Paizo não poderia fazer nada, a não ser brigar na justiça contra isso.

Como era de se esperar, a resposta a isso foi a pior possível, gerando muitas discussões online e artigos (como este que você está lendo), expondo a situação. Mas isso ainda não era o pior da situação. A OGL 1.1 já é terrível por si só, mas o que piorou tudo foi que os vazamentos não pararam por aí. Por vários dias seguidos, mais e mais vazamentos de conversas e documentos internos mostravam as verdadeiras intenções da Wizards of the Coast.

No Twitter, vários relatos vindos de fontes anônimas confirmadas por múltiplos criadores de conteúdo intimamente ligados com Dungeons & Dragons, mostravam qual era o verdadeiro objetivo da Wizards of the Coast, que vai muito além da OGL 1.1.

De acordo com esses relatos, a presidência de Dungeons & Dragons, da Wizards of the Coast e da Hasbro, a empresa-mãe das duas primeiras, veem os clientes como um obstáculo para o lucro que eles desejam alcançar. Isso pode parecer bem estranho, mas segundo esses relatos, mesmo com D&D sendo o primeiro e maior RPG do mundo, a marca não lucra muito com a venda de seus conteúdos: livros de regras, expansões, aventuras prontas, miniaturas oficiais e etc. Sendo assim, os clientes finais, aqueles que compram os livros e jogam D&D não são o foco. O foco é a marca.

Isso faz sentido quando se observa o cenário de RPGs. As aventuras oficiais e expansões prontas não são o que fizeram Dungeons & Dragon alcançar tanto sucesso atualmente. Quem fez isso foi sua comunidade, os criadores de conteúdos, os livros e jogos homebrew criados por outras empresas e, como já mencionado, shows como Stranger Things, Critical Role, entre outros.

A Wizards of the Coast desejava então ter controle absoluto sobre a marca e basicamente sobre o mercado de TTRPG (Tabletop RPG – Os RPGs de mesa), tendo total controle sobre como seus produtos são consumidos e disseminados. E, com isso, a WotC via os criadores e produtores de conteúdos (livros, campanhas transmitidas online, mesas de RPG virtuais, etc) como fontes para sua renda, ao exigir os pagamentos de royalties desses grandes nomes, basicamente lucrando as custas dos conteúdos dos outros.

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Stranger Things foi um dos grandes responsáveis pela popularização atual de Dungeons & Dragons.

E aí voltamos para o artigo do gizmodo, que fala que a OGL 1.1 já estava pronta para entrar em vigor. Segundo o artigo, a OGL 1.1 foi enviada para algumas publicadoras e grandes produtores de conteúdo, mas não como um esboço para ser avaliado, e sim como um contrato, dando a essas empresas poucos dias para aceitarem os termos e assinarem. Inclusive, essas empresas receberam uma versão diferente da OGL 1.1, menos predatória na questão dos royalties, mas com o mesmo conteúdo.

Segundo vários relatos, ninguém assinou esse contrato que era obviamente danoso para todos, exceto para a Wizards of the Coast, que tinha o plano de revelar a OGL 1.1 no dia 6 de janeiro como já sendo válida, revogando completamente a OGL 1.0a. Mas, a OGL 1.0a é uma licença perpétua, e mesmo assim a WotC queria basicamente apagá-la. Tem coisa errada aí, não?

E então começaram os protestos, com o nascimento da campanha #OpenDND, que teve um forte efeito, complicando totalmente as coisas para a Wizards of the Coast, tornando a situação como um todo ainda pior.

Protestos e a resposta da Wizards of the Coast

Os vários vazamentos subsequentes a revelação da OGL 1.1 mostravam com clareza as ações e pensamentos dos presidentes da Wizards of the Coast, vendo os clientes como um obstáculo para o dinheiro, vendo as publicadoras com fonte para fazer obter lucro e completamente ignorando os protestos do público.

O plano de monetização de Dungeons & Dragons usaria uma métrica para testar sua rentabilidade, que era o número de assinaturas no site D&D Beyond, um site que oferece diversas ferramentas para auxiliar em sessões de jogo, como fichas de personagens, acesso a livros digitais, glossário de itens e magias e etc. O público ficou sabendo disso, iniciando uma campanha de boicote, com uma quantidade na casa das dezenas de milhares de pessoas cancelando suas assinaturas do serviço.

Isso obrigou uma resposta da Wizards of the Coast, que usou os perfis do site D&D Beyond para isso. Em sua primeira resposta, eles admitem que a linguagem usada na OGL 1.1. foi ruim, porém, eles descreveram o documento vazado como um “esboço”, dando a entender que foi propositalmente vazado para coletar feedback da comunidade. O que não é verdade, segundo as fontes anônimas e segundo os jornalistas que viram o documento original, que não possuía nenhuma menção de ser um esboço e continha um contrato para ser assinado.

Essa resposta ainda possui o seguinte trecho, que obviamente, não foi nem de longe bem aceita pelo público:

“… vocês ouviram pessoas falando que eles venceram, e nós perdemos porque fazer com que suas vozes fossem ouvidas nos forçou a mudar nossos planos. Essas pessoas estão parcialmente certas. Eles venceram – assim como nós.”

O que já estava péssimo ficou ainda pior, e mais vazamentos revelavam como a presidência da WotC não dava importância para os protestos, acreditando que ninguém mais ligaria para a história depois de um mês. Também surgiram informações de que nunca, desde que a atual presidência de D&D entrou em vigor, qualquer pesquisa ou feedback coletado do público sequer foi lida. Com relatos de que essas pesquisas só eram feitas para que qualquer reclamação fosse “depositada” em formulários oficiais que seriam ignorados, com o objetivo de evitar que essas reclamações se espalhassem via Twitter, Youtube, ou que a WotC recebesse emails de reclamação. E se isso não fosse o bastante, muitos relatos de funcionários sendo demitidos por questionar seus superiores também começaram a aparecer.

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Critical Role também é um dos grandes contribuidores para a popularidade de D&D.

Após isso, os perfis oficiais da D&D, WotC e D&D Beyond ficaram em silêncio por dias, até finalmente publicarem uma nova mensagem, dessa vez pedindo desculpas por toda a situação e pelo texto da OGL 1.1. No texto, escrito por Kyle Brink, Produtor Executivo de D&D (e que aparentemente só está há cerca de 3 meses no cargo), pede desculpas pela forma como tudo aconteceu, bem como garante para o público que a OGL 1.1 não conterá as cláusulas predatórias do documento vazado.

O pedido de desculpas menciona explicitamente o seguinte (tradução livre):

“Qualquer mudança na OGL não terá impacto em pelo menos estes esforços criativos:

  • Seu conteúdo em vídeo. Seja você um comentarista, streamer, podcaster, membro de um livecast, ou outro tipo de criador de vídeos em plataformas como Youtube, Twitch e TikTok, você sempre terá cobertura da Wizards Fan Content Policy. A OGL não vai (e não irá) mexer em nada disso.
  • Seus acessórios para os conteúdos que você é dono. Nenhuma mudança na OGL afetará sua habilidade de vender miniaturas, livros, aparatos, dados, e outros itens relacionados a suas criações, personagens e trabalhos.
  • Conteúdos não publicados, por exemplo conteúdos contratados. Você usa a OGL se quiser publicar seus trabalhos que referenciam conteúdo da quinta edição através da SRD (System Reference Document). Isso significa que trabalhos comissionados, serviços de DM pagos, consultoria, e por aí vai não serão afetados pela OGL.
  • Conteúdos VTT (Virtual Tabletop). Qualquer atualização para a OGL continuará a permitir que qualquer criador publique conteúdos em VTTs e continuará a permitir que publicadores de VTT usem conteúdos da OGL em suas plataformas.
  • Conteúdo da DMs Guild. Os conteúdos que você lançar na DMs Guild são publicados sob a Community Content Agreement with Dungeon Masters Guild. Isso não mudará.
  • Seu conteúdo na OGL 1.0a. Nada irá impactar qualquer conteúdo que você tenha publicado sob a OGL 1.0a. Esses conteúdos sempre estarão licenciados sob a OGL 1.0a.
  • Seus ganhos. Não haverá requerimentos de royalties ou relatórios financeiros.
  • O direito de posse dos seus conteúdos. Você continuará a ser dono de seu conteúdo sem requisitos de licença retroativos.

Essa declaração foi uma completa mudança de tom para a primeira resposta – que não-explicitamente colocava a culpa de toda a controvérsia da OGL 1.1. em cima da comunidade, dizendo basicamente que estavam “fazendo tempestade num copo d’água”. Mas, como é de se esperar, mesmo com essas mudanças positivas, a história não acabou por aí.

O futuro para Dungeons & Dragons

Apesar do pedido de desculpas e o comprometimento em não usar a OGL 1.1. como forma de monetização fácil e para “roubar” conteúdos dos outros, o público não está aceitando a mensagem, mas sim rejeitando-a com ainda mais afinco, em especial por causa de dois fatores.

Primeiro: o texto menciona a OGL 1.1. como um “esboço”, o que já foi comprovado que não é verdade, pois foi vazada como já sendo um contrato legal. E segundo: o texto não faz qualquer menção quanto a cláusula de que a Wizards of the Coast pode simplesmente mudar o acordo a qualquer momento.

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Vazamentos subsequentes, que diziam que a WotC estava planejando aumentar o preço das assinaturas de D&D Beyond para 30 dólares ao mês, por jogador (quando atualmente o plano mais caro é apenas de 6 dólares ao mês, permitindo que apenas o DM tenha a assinatura e todos os jogadores de uma campanha compartilhem seus conteúdos), investir em DMs controlados por IA e restringir conteúdos homebrew no site. Fora as denúncias de que nenhuma pesquisa direcionada ao público é lida. O próprio perfil no Twitter da D&D Beyond veio a público desmentir esses rumores.

E ontem, durante a escrita deste artigo, o perfil oficial de Dungeons & Dragons no Twitter divulgou um novo artigo, declarando que a OGL 1.1 foi descartada em prol de uma nova licença, a OGL 1.2., cujo documento público pode ser lido AQUI.

Em suma, a OGL 1.2. tem as principais características: Ela afetará somente conteúdos TTRPG, incluindo os publicados para VTT. Ou seja, apenas a publicação de livros, campanhas e etc, criados com o intuito de serem comercializadas serão afetados pela nova licença. O documento ainda cita que a OGL 1.2. só será necessária em obras que façam referências diretas a materiais de Dungeons & Dragons, como por exemplo usar seus monstros, ou magias. Já para poder utilizar somente as regras e mecânicas do jogo, a Creative Commons License, que é separada da OGL, provê todo o necessário.

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Também está contido na OGL 1.2. que não haverá qualquer cobrança de royalties nem mesmo disputas pela posse dos conteúdos criados sob a licença. Inclusive, o documento cita explicitamente que quem sentir que a Wizards of the Coast quebrar contratos, é livre para processá-los – Mas isso não é garantia de que quem tentar isso vencerá, pois o documento protege a WotC contra processos. E o artigo publicado no site da D&D Beyond comenta que a licença nova serve para que eles possam combater conteúdos discriminatórios, ilegais e contendo discursos de ódio, além de impedir o uso ilegal de conteúdos em tecnologias blockchain.

Porém, apesar dos comprometimentos louváveis e em voltarem atrás com a terrível OGL 1.1., a situação não melhorou. Há menção no documento de que a OGL 1.0a continua sendo válida, mas que ao mesmo tempo ela está desautorizada. Apesar do documento mencionar que a OGL 1.0a. continuará sendo válida para produtos já publicados sob a licença, a forma como as palavras são usadas deixam muitas questões em aberto. Afinal, não é preciso entender de contratos para saber que letras miúdas e até mesmo jogo de palavras tem muito poder em contratos legais.

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E, acima de tudo, a confiança do público com a Wizards of the Coast e com a própria gerência de Dungeons & Dragons foi permanentemente quebrada. Informações de fontes anônimas dentro da WotC não param de surgir, mostrando que tudo o que aconteceu desde o dia 6 até agora foi basicamente um jogo administrativo dos CEOs e presidentes dessas empresas, sem que os jogadores, publicadoras, nem ninguém mais, fora a marca Dungeons & Dragons, sequer tivessem importância.

O que a comunidade de TTRPG quer, e que já deixou muito claro, é que a OGL 1.0a., que é permanente, continue a ser permanente e jamais seja modificada, desautorizada, nem nada do tipo. A empresa D&D argumenta que a desautorização é necessária para combater conteúdos discriminatórios e uso ilegal da marca em NFTs e coisas do tipo. Mas tem muitas letras miúdas, palavras bonitas e mentiras misturadas nesse caldeirão.

O futuro para os RPGs de mesa

Todo essa gigantesca briga pela OGL foi péssima para Dungeons & Dragons, pois afastou quase todas as publicadoras que criavam suas próprias aventuras baseadas nas regras da 5e. Mas gerou uma resposta muito positiva, pois mobilizou essas publicadoras a desvencilharem-se de vez da marca D&D e criarem um sistema completamente novo.

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A Paizo, junto de muitas outras publicadoras, anunciou no dia 12 de janeiro a criação de uma licença neutral e livre para todos, a ORC (Open RPG Creative License). A ORC, que está sendo desenvolvida em conjunto por mais de 1500 publicadoras, tem como objetivo criar uma forma de que todos possam criar e compartilhar suas criações de forma não-restritiva. Como o próprio artigo no site da Paizo anunciando a ORC diz, a ideia é semelhante a um sistema operacional open-source, em que qualquer um pode usar e modificar o sistema (é claro dentro de regras de bom senso estabelecidas).

Não penas isso, mas até mesmo o pessoal de Critical Role deixou no ar a possibilidade de que estão planejando a criação de seu próprio sistema de RPG, também desvencilhando-se de Dungeons & Dragons. No caso de Critical Role, como eles possuem contratos vigentes atualmente com a Wizards of the Coast – o que os impede de posicionarem-se mais abertamente sob risco de ações legais – por enquanto apenas um comunicado com linguajar vago foi usado para mostrar que eles se opõem as mudanças na OGL. Mas fica praticamente bem claro que eles planos de usar sua própria publicadora, a Darrington Press, para alcançar ainda mais independência.

Por fim, no que isso afetará você que joga RPG com seus amigos, ou que nem mesmo joga RPG? Basicamente nada. Dungeons & Dragons continuará como sempre foi, com suas regras e aventuras, seus monstros e magias icônicos. O que realmente muda, porém, é que em breve o cenário de RPGs de mesa será muito mais aberto e diversificado. Só nos resta observar o futuro e esperar por um Natural 20 para os jogadores e para aqueles que fazem com que os RPGs estejam tão em alta hoje em dia.

Apesar disso, a nova OGL, seja a versão 1.2 ou talvez até uma outra, um dia entrará em vigor, visto que a Wizards of the Coast está realmente comprometida a aprovar uma nova licença. Mas, a comunidade segue sua briga para manter a OGL 1.0a, que foi criada para ser perpétua. E essa história certamente está longe de acabar.

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