Análise Arkade: o caos descompromissado de Arcadegeddon

9 de julho de 2022
Análise Arkade: o caos descompromissado de Arcadegeddon

Praticamente um ano depois, cá estamos para falar um pouco mais de Arcadegeddon, que finalmente terminou o seu período de Early Access e entrega sua versão definitiva para que possamos aproveitá-lo em toda sua plenitude. Em 2021, fizemos um texto bastante detalhado sobre nossas primeiras impressões do jogo, onde apontamos várias qualidades e potencialidades, além de expectativas do que deveria ser melhorado para o futuro. Bem, o futuro chegou (?!) e está na hora de descobrirmos o quão diferente o jogo está.

Salvem o Arkade arcade

Para quem ainda não teve a oportunidade de saber do que o jogo se trata, uma rápida introdução: nosso personagem customizável é um grande fã de jogos eletrônicos e, mais especificamente, dos bons e velhos arcades, os fliperamas que eram tão comuns algumas décadas atrás e presentes tanto em casas especializadas quanto em botecos de bairro.

Ao descobrir que uma grande corporação inescrupulosa está tentando destruir o último estabelecimento que sobra no seu bairro por meio de um vírus que contamina o universo virtual que interliga o lugar, ele decide, junto de seus amigos, colocar a mão na massa e ajudar Gilly, dono do lugar — e que acaba se tornando o mentor do grupo –, eliminar as ameaças com as próprias mãos digitais.

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Isto significa que a meta é eliminar ameaças digitais em um mundo completamente virtual, com o jogador entrando em missões por meio de uma interface que o insere nesse universo. Funcionando como um shooter em terceira pessoa que permite incursões colaborativas com elementos de roguelite, o conceito é bastante direto e objetivo: entre no jogo, atravesse uma série de missões que escalam em termos de dificuldade e complexidade, enfrente grandes chefões quando for qualificado o suficiente para isso, e elimine a ameaça (ou morra tentando) até não sobrar mais nada.

Essa é a dinâmica padrão do modo Aventura, a qual já tínhamos testado antes e que, de forma até surpreendente, já se mostrava bastante sólida e muito bem articulada. Arcadegeddon não se trata, e nunca teve qualquer pretensão, de ser um jogo cheio das modernidades complexas atuais, e não traz nenhuma grande reviravolta na trama, nem se mete a besta criando uma infinidade de modos de jogo diferentes que desviam a atenção do foco desta aventura cheia de frescor e leveza.

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Porém, é um jogo bastante apoiado no modelo multiplayer, e parece que todo o desenho dos níveis e de combate foi projetado para ser melhor aproveitado acompanhado. O PvE é infinitamente mais divertido quando comparado ao single player, que funciona, é bem ajustado em termos de dificuldade, mas está longe de ser tão catártico quanto aquele bom e velho tiroteio ao lado de amigos e/ou ilustres desconhecidos. Um grande acerto do lançamento (pelo menos para uma parte do público) é já estar desde o primeiro dia oficial como parte do plano Essencials da PS Plus, chegando gratuitamente para assinantes do serviço, o que aumenta o número de pessoas já com acesso ao jogo e facilita a jogatina cooperativa.

Não poderia deixar de existir porém, para um jogo com essa proposta, um modo PvP, que não necessariamente fica ancorado nos objetivos iniciais de resgatar o fliperama dos bandidos, mas que se torna um ótimo complemento não só para que os jogadores possam medir forças e testar seus avatares customizados contra outras pessoas reais, como também para garantir uma maior longevidade ao título, já que mesmo com um alto grau de replay em seu modo principal, ainda pode se esgotar rapidamente em mãos mais dedicadas. Basta saber se o suporte do jogo continuará alimentando-o para que haja sempre bons atrativos, como novos mapas, armas diferentes e mais recursos cosméticos.

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Atire no que se mover

Para os veteranos em jogos de tiro, não há muitos segredos a se desvendar em Arcadegeddon e bastam alguns minutos para estarmos totalmente adaptados aos controles. Mirar com um gatilho, atirar com o outro, trocar de armas com o toque de um botão e usar os comandos de ombro para ativar habilidades especiais, além de comandos para pular, recarregar e esquivar fazem parte do pacote básico de todo shooter moderno. Não há qualquer intenção de se reinventar a roda e mesmo com a pegada nostálgica, o jogo é bastante confortável para todo tipo de jogador.

Há alguns comandos que podem, entretanto, demandar uma certa prática até estarem memorizados. O primeiro deles é o rolamento padrão, que funciona ao pressionar o analógico direito (o da câmera), algo que não é tão convencional. A variação mais dinâmica funciona ao pressionar o mesmo botão ao correr e estes comandos, mesmo para quem não tem muito interesse em ficar desviando dos tiros adversários, vai ser útil para quebrar as muitas caixas com moedas e outros recursos espalhadas pelo cenário. Os ataques especiais também não são tão automáticos, já que ao acioná-los, será necessário disparar pressionando os dois botões de ombro ao mesmo tempo. Detalhes porém, para um sistema que, no geral, é bastante tradicional e responsivo.

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O mesmo pode ser dito do modelo de progressão de níveis, onde somos colocados em grandes corredores compostos por seguimentos que funcionam como semi-arenas de batalha e que se assemelham a outros games do gênero onde avançamos para o próximo ponto de interesse, eliminamos tudo o que surgir, incluindo robôs, drones e outras criaturas cibernéticas, coletamos moedinhas e power ups que forem dropando desses combates e seguimos para o próximo nível. Há pontos de checagem entre uma passagem e outra, onde há um segundo de respiro enquanto melhoramos o nosso arsenal comprando itens mais poderosos, alguns deles bem criativos, e ainda temos a opção de elevar o nível de dificuldade do próximo segmento.

Os objetivos também são muito comuns, como por exemplo destruir alguns pontos de interesse, defender uma certa área ou simplesmente chegar ao outro lado. Quando atingimos um certo pré-requisito durante a jornada, podemos acionar o enfrentamento contra um chefe, e são quatro deles que devem ser vencidos em uma única run para conseguir fechar com sucesso a missão. Ainda que sejam bem fortes, são inimigos que são alinhados ao nível do jogador, o que significa que não importa quando somos convidados a enfrentá-los, eles sempre estarão acessíveis da mesma forma. Fáceis? Não. Mas possíveis de serem abatidos.

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Aliás, a variedade de armamentos é um dos grandes destaques desta versão final do jogo. Se já havia uma diversidade bastante ampla em sua edição preliminar, aqui temos cerca de vinte e seis tipos diferentes de armas de ataque corpo-a-corpo ou à distância, incluindo os básicos bastão de baseball e pistola com os quais começamos, as tradicionais categorias de qualquer jogo do tipo — como shotguns, snipers, metralhadoras, lança-granadas e fuzis — e evoluindo para itens menos convencionais, como aquelas que fazem os inimigos “caírem de amor”.

Fiquei um pouco incomodado com a limitação de munição de cada arma, o que invariavelmente nos deixa na mão em meio a combates mais intensos com o surgimento de inimigos constante. É até possível recolher balas para continuar lutando em alguns cantos, mas é algo que sempre se mostra insuficiente. Como esses equipamentos são categorizados em níveis de raridade, é realmente frustrante se ver obrigado a abandonar um item poderoso e raro para pegar uma arma qualquer pelo simples fato de não ter como usar sem munição.

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Com armas surgindo com generosidade pelo cenário, a troca é constante e se apegar a uma ou a outra, mesmo que seja tentador, constantemente dá lugar a uma dinâmica onde estamos alternando bastante entre uma e outra e aprendendo a jogar com cada uma delas de forma mais eficaz. Não demora para que nos fixemos a algumas categorias, mas são poucos os jogos onde podemos realmente gostar de mais do que dois ou três equipamentos principais, sobretudo porque alguns tipos de inimigos e, principalmente, chefes, exigem que nos adaptemos e busquemos equipamentos mais eficientes. Em outras palavras, uma oferta grande de armas e pequena de munição resulta em trocas constantes e praticamente obrigatórias.

Tarefas, missões complementares e NPCs

Chegando até o fim ou caindo pelo caminho, retornamos ao mundo real, o próprio fliperama que queremos salvar, que funciona como hub e centraliza missões complementares, aquisição de itens cosméticos que personalizam ainda mais nosso herói e onde também podemos incorporar algumas melhorias permanentes que nos dão mais recursos para a próxima iteração. Como parece ser o principal objetivo do projeto, tudo é muito direto e intuitivo, agilizando o processo e facilitando o retorno, algo que ajuda muito quando em grupo, já que não demanda que alguém demore tanto tempo e deixe os outros esperando à toa.

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Por outro lado, a quantidade de missões secundárias pode assustar no começo, já que sempre que abordamos um dos personagens novos, eles nos propõem tarefas das óbvias até as mais complexas, como eliminar uma quantidade determinada de inimigos, abrir um número específico de baús, chegar até um lugar estabelecido, dentre outras. Obviamente, cumprir metas ajuda a subir o nível do personagem, com premiações que ajudam muito a adquirimos os melhores gadgets e estarmos mais prontos para a próxima jornada.

Sem medo das cores

Como parece evidente na forma como o jogo funciona e na sua ambientação narrativa, Arcadegeddon definitivamente não parece estar preocupado em estabelecer um cenário realista, sombrio ou carregado. Nem mesmo humanos os personagens tentam se parecer, e se você estiver na casa dos trinta e poucos anos (como eu), vai acabar se lembrando do clássico filme vespertino da TV Osmose Jones ao olhar pros personagens do game. Ainda que tenhamos uma clara batalha do bem contra o mal, aquele maniqueísmo simplório das antigas, tudo é feito como se estivesse nos dizendo “não se preocupe, está tudo bem e nada é tão urgente assim”.

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É um jogo que não esconde sua intensidade visual, com cores vibrantes, muitos tons azulados e brilho por todos os lados. Bastante iluminada pela intensidade do néon, a estética parece uma mistura da temática sci-fi espacial de um Ratchet & Clank com uma cultura street futurista com claras inspirações no grafitti e no hip hop que remetem a produções como Sunset Overdrive e até Splatoon. O jogo não economiza também nas explosões, faíscas e todo tipo de partícula que torna cada passagem de combate um espetáculo visual e, em certos trechos mais populosos, uma bagunça divertida e generalizada.

Já toda a composição sonora segue o mesmo padrão do qual falamos anteriormente, algo coerente com o tom adotado pela produção que abusa dos efeitos digitais para equipamentos e da música eletrônica repetitiva na trilha musical, se apoiando em coisas como o dubstep e outras batidas similares. Confesso que não é o estilo que mais me agrada, mas é inegável que é um trabalho sonoro que corrobora com a manutenção de estímulos que deixam o jogador o tempo todo “ligado”, quase de forma hipnótica, e pronto para voltar à ação.

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O design dos ambientes não chega a ser surpreendente, com um ou outro trecho mais confuso em termos de caminhos possíveis, mas funcionam bem na maioria das vezes ao fomentar o quebra-pau. Algumas construções e outras plataformas parecem mais dedicadas a atrapalhar a fluidez das batalhas, mas ao mesmo tempo, quando dominadas, possibilitam manobras arrojadas e movimentos quase cinematográficos que trazem algumas boas variações que vão para além de enfrentar hordas frente a frente ou mesmo aquele padrão de shooter de murinho, uma armadilha na qual jogos assim podem cair muito facilmente.

Arcadegeddon, portanto, não é um primor em termos de estratégia de conflito, até por uma IA bastante rudimentar (considerando máquinas digitais supostamente avançadas), mas rende boas táticas de abordagem, principalmente quando se articula isso com seus companheiros via chat de voz. Uma vez mais, aqui o multiplayer brilha, porque há um bom meio-termo entre a conversa tensa que outros jogos similares exigem o tempo todo e aquele papo furado do “tanto faz” que torna tudo mais leve sem qualquer grande senso de gravidade. É provável que aquele linguajar técnico de Rainbow Six não encontre aqui seu melhor espaço para brilhar.

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Um ano de polimento

Como adiantamos em nossas primeiras impressões, o jogo já se mostrava em um estágio surpreendentemente avançado de polimento gráfico e de jogabilidade, e deveria focar seus esforços na expansão do conteúdo antes de um lançamento oficial. Há de fato uma ampliação de cenários, ainda que não tão distintos assim um do outro até pela temática do game, e as perfumarias e habilidades especiais certamente serão um grande incentivo para que muita gente continue avançando e explorando novas abordagens.

O modo PvP é certamente uma das adições prometidas mais esperadas e mesmo estando muito longe da complexidade tática de outras produções, é uma grande farra que vale muito a investida com amigos que estejam no mesmo nível que você. Uma vez mais, a oferta ampliada via serviço facilita que todos partam do mesmo ponto e seria um grande equívoco lançar um jogo tão calcado na experiência compartilhada a preço cheio de forma convencional, como tantos outros tentam e fracassam de forma miserável. Ao mesmo tempo, as microtransações, até aqui, parecem comparativamente pouco agressivas — se comparadas à que vimos em outros jogos — e fomentam muito mais a vaidade do que elementos que dão vantagens práticas na jogatina.

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O jogo ainda não está livre de alguns bugs presentes desde o início, como a possibilidade de ficar preso em algum canto — o principal meio para acontecer isso é o dash — que é muito mais longo do que deveria, atravessa grande extensão e invariavelmente acaba nos enfiando em algum buraco ou quina inesperada. Também tive alguns problemas de diálogos que cortam em momentos inoportunos, inimigos perdidos no cenário, alguns delays no multiplayer e coisas glitches visuais que, mesmo raros, continuam aparecendo aqui e ali.

Outras expectativas que criamos, porém, não avançaram e o sistema de impacto ainda segue aquela linha da esponja de balas, principalmente quando se trata de inimigos mais poderosos. Falta impacto, falta uma sensação de efetividade de disparos, inclusive das armas mais pesadas, mas é algo com o que teremos que aprender a conviver, pelo jeito. Também continua sendo um pouco limitante poder carregar só três armas diferentes conosco, sendo que uma delas é obrigatoriamente um equipamento melee. Sou um fã de Mass Effect, afinal, e sempre gosto de carregar uma pistola de mão, um fuzil padrão e uma arma de impacto mais poderosa, e aí não é possível compor algo assim em Arcadegeddon, curiosamente aquele que se ambienta em um mundo virtual que poderia permitir diegeticamente coisas menos calcadas no realismo. Paciência. ¯\_(ツ)_/¯

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Conclusão

Felizmente, o momento atual é menos competitivo que aquele do pré-lançamento do jogo em julho de 2021. Ainda que a tendência permaneça, e tenhamos a projeção de vários outros jogos colaborativos chegando logo ao mercado, algo que se aproxima muito rapidamente da saturação (como o fracasso de alguns projetos evidencia), é possível que Arcadegeddon, mesmo que pareça um pouco subestimado pela grande mídia, encontre seu espaço e seu público porque carrega em si grandes qualidades e muito potencial. Ainda que seja um tanto quanto simples estruturalmente e o planejamento massivo de conteúdo para expansões futuras seja um enigma, é divertido, evita firulas burocráticas e foge tangencialmente de presunções arrogantes de outros produtos de mesmo gênero.

O jogo não se esconde em apresentações presunçosas ou tramas mirabolantes, muito menos evita o exagero gráfico contra inimigos que pouco importam. É uma proposta genuína para a diversão descompromissada, que certamente não vai ficar marcada na memória afetiva de tanta gente, mas que poderá ter sempre um lugar garantido ali no HD/SSD para aquelas noites onde não queremos nos comprometer com nada além de sair por aí atirando em coisas coloridas, e se for acompanhado com amigos, melhor ainda.

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Ao mesmo tempo, provavelmente não deve conseguir engajar os entusiastas de jogos single player (mesmo que permita que se jogue sozinho sem muitos prejuízos práticos), principalmente aqueles que buscam aventuras mais marcantes e narrativamente mais significativas. Também não é daqueles que vai comover os mais dedicados a jogos de tiro competitivos, mesmo que traga belas ferramentas de equilíbrio, porque não é dos games mais estratégicos do mercado. Posso estar queimando a língua e em dois ou três meses se configurar um cenário profissional de Arcadegeddon? Talvez, porque esse mundo dos games nem sempre é tão previsível, mas sinceramente, acho que esse jogo vai encontrar sua entrada em um público mais casual.

Lançado oficialmente para Playstation 5, Playstation 4 (e disponível gratuitamente para ambos via PS Plus Essentials), XBox One, XBox Series S|X e PC, o jogo chegou em sua versão definitiva no dia 08 de julho de 2022, com localização de textos, menus e legendas para o português brasileiro, ainda que tenha um ou outro ponto onde ainda falta tradução, coisa que deve se resolver com um patch simples de correção.

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