Análise Arkade: a nostalgia traiçoeira de Tomb Raider I-III Remastered

14 de fevereiro de 2024
Análise Arkade: a nostalgia traiçoeira de Tomb Raider I-III Remastered

Muito se fala de que estamos vivendo a era do jogo requentado, em uma verdadeira crise de criatividade no mundo dos games, fenômeno que os cinemas e a TV já conhecem muito bem. Remasterizações, remakes, reboots, reimaginações que trazem consigo um aspecto que visa garantir o sucesso comercial de uma obra com o mínimo de risco possível, apelando para o valor emocional que algumas marcas carregam junto ao público que cresceu com essa mídia. Em outras palavras, a tal da nostalgia.

Tomb Raider é um dos maiores e mais significativos ativos desta indústria vital, e também é um dos grandes marcos da passagem da geração bidimensional das eras 8 e 16 bits para a amplitude de possibilidades que o processamento de 32 bits trouxe ao popularizar experiências com um nível de profundidade de ambientes jamais vista. Se jogos tridimensionais já davam as caras nas poderosas máquinas de arcade e em um ou outro jogo experimental, havia chegado a hora dar um salto nessa escala da evolução — talvez o maior desde então.

Análise Arkade: a nostalgia traiçoeira de Tomb Raider I-III Remastered
Análise Arkade: a nostalgia traiçoeira de Tomb Raider I-III Remastered

Foi nessa época que, pessoalmente, senti o impacto ao sair do meu bom e velho SNES para o poderoso Sega Saturn. Se Virtua Fighter e Daytona USA vinham no pacote e já mostravam polígonos em ação, foi alugando o primeiro (e já surrado pelo tempo) Tomb Raider na locadora da cidade que percebi que havia algo realmente novo. Não preciso dizer que sofri como um condenado para entender a lógica da movimentação em terceira pessoa, ainda no estilo tank que dominou a geração, mas ainda assim estava simplesmente encantado com aquilo. Tanto que quando a locadora faliu, eu estava na porta para gastar meus suados R$ 20 naquele disco riscado que tinha me marcado tanto.

Os demais jogos da franquia vieram com expectativas e grande satisfação depois, já quando tive a chance de ter o PSOne, e até mesmo o duvidoso Tomb Raider V: Chronicles me trouxe muitas alegrias. Não por acaso, mesmo com tantos reinícios nas gerações seguintes, as primeiras aventuras de Lara Croft sempre tiveram um lugar especial na minha memória afetiva. Quando estas remasterizações foram anunciadas, mesmo já farto de tantos relançamentos, foi impossível não criar expectativas. E ela, a danada da nostalgia, pode cobrar um preço caro quando não tomamos certos cuidados, mas se o coração e a mente estiverem no lugar certo, poucas coisas podem ser mais incríveis.

Análise Arkade: a nostalgia traiçoeira de Tomb Raider I-III Remastered

As aventuras de Lara Croft

Para não me alongar em histórias já contadas há décadas, posso resumir a coleção em uma série de narrativas baseadas na busca por artefatos místicos permeadas por perigos enormes que envolvem animais enfurecidos, armadilhas mortais, criminosos em busca de tesouros antigos, grandes corporações malignas, e muito mais. Tal como a escancarada maior inspiração da franquia, Indiana Jones, nada fica de fora, então figuras religiosas e alienígenas compartilham uma mesma jornada sem qualquer cerimônia.

Dragões, múmias e crocodilos em plataformas elevadas não tem a menor vergonha em dividir o mesmo objetivo comum, que é impedir nossa intrépida aventureira de concluir sua missão. Se no primeiro jogo, viajando o mundo, passamos por elementos mitológicos clássicos ocidentais, incluindo a icônica passagem envolvendo o Rei Midas, no segundo iniciamos nossa trajetória em plena Muralha da China procurando uma tal adaga que remete a batalhas ancestrais e uma poderosa criatura cuspidora de fogo. No terceiro jogo, um corpo celeste traz para o nosso querido planeta figuras tenebrosas, que só não são mais nefastas do que as daqui.

Análise Arkade: a nostalgia traiçoeira de Tomb Raider I-III Remastered
Análise Arkade: a nostalgia traiçoeira de Tomb Raider I-III Remastered

Seguindo à risca os melhores manuais que tratam da jornada do herói, Tomb Raider sempre foi sobre uma mulher independente e destemida, papel tradicionalmente reservado a homens musculosos nas mais diferentes mídias sobretudo na época em que os jogos foram lançados. Portando suas icônicas pistolas, ela se enfia nas piores enrascadas buscando resolver enigmas e mistérios que misturam história, misticismo e uma ação juvenil típica dos filmes do gênero. Desafiadora, provocativa e pouco conivente com erros, a franquia sempre foi mais do que os estereótipos típicos dos anos 1990 faziam parecer.

Esta nova versão respeita a obra original em absolutamente todos os seus aspectos e não mexe em nenhum elemento essencial, por mais datado que ele possa ser. Há inclusive um aviso na tela inicial alertando sobre representações errôneas e ultrapassadas de culturas e outros aspectos retratados ali, mas a opção evidente foi a de que não havia necessidade de se fazer remendos ou qualquer tipo de atualização. Os mapas são exatamente os mesmos, os cenários são aqueles que conhecemos e tudo foi mantido, das falas da personagem às quinas poligonais que davam dor de cabeça a qualquer um que se desafiava a encontrar todos os segredos de cada fase.

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Considerando que são jogos de quase 30 anos de idade, porém, a boa notícia é que cada uma das campanhas se mantém muito sólida mesmo para os parâmetros atuais. Cada jogo leva suas 14 a 18 horas para ser finalizado — dependendo do conhecimento prévio e do nível de complecionismo de cada jogador — algo que dá um banho em muito jogo mais moderno. Melhor do que a duração, porém, é o ritmo de cada um deles, que incentiva, valoriza, e recupera o interesse constantemente. Sem pirotecnias ou virtuoses, são games sólidos e, mesmo depois de tanto tempo, muito convidativos mesmo para novos entusiastas dispostos a aprender novas/velhas formas de se jogar.

A liberdade custa caro

Outro elemento que sempre foi excepcional para sua época foi a diversidade de movimentos e comandos possíveis. Lara podia correr, pular, se pendurar em bordas, rolar, girar no ar, atirar, caminhar, puxar blocos, acionar dispositivos, usar tirolesas… era algo simplesmente inimaginável. Dominar cada uma das técnicas possíveis, a grande maioria delas como exigência para vários desafios primários ou complementares, era uma das mais gratas tarefas para qualquer jogador.

Análise Arkade: a nostalgia traiçoeira de Tomb Raider I-III Remastered
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Os games seguintes só incrementaram esse leque de possibilidades, com novos veículos, acrobacias ousadas e mais fluidez. Um verdadeiro espetáculo de gameplay que virou padrão para simplesmente tudo o que veio a seguir. Muito do que vemos até hoje em jogos de ação e aventura, não só no óbvio Uncharted, deriva daquilo que foi criado e aperfeiçoado nos primeiros Tomb Raider. Contudo, para uma mídia que determina e é determinada por inovações tecnológicas, a idade é devastadora e pode ser determinante para um movimento de reaproximação.

A grande atualização aqui está no acréscimo de sistemas considerados modernos para a movimentação, dando a opção para os jogadores manterem o modelo tank ou seguirem um padrão mais atualizado. De minha parte, ainda que eu consiga me virar bem com o tradicional — afinal, aprendi a jogar desse jeito neste e em outros jogos, em uma época em que ainda não tínhamos duas alavancas analógicas no controle – é evidente que as facilidades modernas são mais confortáveis e foi o modo como joguei a maior parte do tempo.

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A fidelidade ao original, porém, é tão rígida que em muitos momentos o jogo simplesmente exige a troca de controles para a realização de movimentos idealizados originalmente — é impossível, no padrão atualizado, andar de costas, por exemplo. Seja por uma posição de câmera fixa pensada para a dramaticidade, seja por uma sequência de movimentos bem determinada, muitas coisas simplesmente não podem ser feitas usando as novas configurações. Elementos como perspectiva, angulação de saltos e outros não permitem adaptação e improviso. Isso significa, em resumo, que mesmo escolhendo uma opção mais adequada ao nosso perfil, será necessário saber lidar com a outra em ocasiões especiais.

A movimentação livre de câmera também é uma facilidade necessária, mas está longe de ser perfeita. Para ser sincero, minhas maiores brigas com o jogo estavam relacionadas ao posicionamento do ponto de vista, muitas vezes impreciso e bagunçado. Cantos apertados, passagens estreitas e paredes acabam sendo os maiores inimigos do jogador, e superam qualquer crocodilo ou múmia que possa surgir. Neste quesito, o jogo carece de muito, mas muito refinamento mesmo, porque só manter o que era não é mais suficiente.

Análise Arkade: a nostalgia traiçoeira de Tomb Raider I-III Remastered
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Por outro lado, o level design continua surpreendentemente bom e encontrar segredos e soluções é, de longe, o que há de mais divertido aqui. Achar quinas passíveis de acesso, encontrar meios de chegar a cantos aparentemente inacessíveis, descobrir uma passagem escondida em uma montanha acidentada, tudo é o que sempre pareceu ser. Há uma infinidade de coisas realmente difíceis de se encontrar (no primeiro jogo, consumíveis, nos demais, colecionáveis), mas melhor do que o prêmio é o orgulho deencontrar tudo isso.

Os mais velhos irão se esbaldar com as mecânicas de precisão exigidas pelo jogo, e vão relembrar a necessidade de se calcular cada investida. Chegue à beirada, dé um salto exato para trás, corra e aperte o salto na hora perfeita. Parece banal, mas é agora como era no passado, a síntese do sucesso em Tomb Raider I-III Remastered. Os mais jovens podem demorar um pouco para compreender o timing desses movimentos de precisão, principalmente em desafios cronometrados, mas uma vez que se entende, a coisa parece quase natural.

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Atualizado para ser o que parecia

Talvez seja só pra mim, mas provavelmente é assim para muitos de nós jogadores na casa dos 35, 40 anos de idade: os primeiros jogos tridimensionais pareciam realistas ao extremo na geração Saturn / N64 / PSOne, e olhar para eles hoje em dia, com seus polígonos facilmente contáveis e aparência de boneco de papelão, cria um certo estranhamento.

Claro que sabíamos que arestas e quinas eram limitações de momento, mas era assombroso como criamos a imagem de que aquilo se aproximava do ultrarrealismo. Basta dar uma olhada no primeiro Virtua Fighter pra entender o quanto já avançamos nesse aspecto, e também o quão exigentes (ou chatos) ficamos.

A atualização gráfica, nesta versão, vai um pouco além de uma remasterização padrão para suavizar as formas mais grosseiras. A protagonista foi totalmente remodelada para se parecer com a versão idealizada pela comunidade, a Lara Croft que víamos nas capas e materiais promocionais dos jogos, algo diferente do que vemos hoje, mas extremamente reconhecível.

Inimigos humanos passaram por uma nova roupagem também, principalmente aqueles que eram ainda mais toscos na época. Animais e criaturas passaram por mudanças mais singelas, e ainda parecem bonecos articulados quando correm, mas as texturas suavizadas e os detalhes já fazem muita diferença.

Análise Arkade: a nostalgia traiçoeira de Tomb Raider I-III Remastered
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Os cenários, por sua vez, tiveram transformações mais modestas no que tange a forma, já que todas as beiradas se mantém exatamente as mesmas. Lembremos que o jogo é basicamente o mesmo, então até mesmo as quinas são precisas. As maiores mudanças estão nas texturas, a maioria delas de alta resolução, e no arredondamento de algumas estruturas, como estátuas. Elementos naturais, como folhagens, também ganharam um upgrade significativo, e mesmo que parte delas mantenha suas faces planas para favorecer a movimentação, outras funcionam bem e transparecem um pouco mais de fluidez.

As mais evidentes alterações estão no trabalho de iluminação, que simplesmente dão outro significado a cada um dos incríveis ambientes retratados em todas as três aventuras. Fontes de luz, partículas, tudo funciona muito bem e dá uma nova roupagem para o que já era incrível. É como se as novidades gráficas atendessem às expectativas que tínhamos pela nossa relação afetiva com o jogo. Agora, ele se parece com aquilo que eu me lembrava. Curiosamente, é possível alternar, ao toque de um botão, entre os visuais novos e os antigos (como ilustramos ao longo desta análise), então a comparação é ainda mais clara entre o que era de verdade aquilo que eu me lembrava.

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Há uma inconstância, porém, entre as cenas de corte em GCI, que continuam rodando em baixa resolução, com filtros incapazes de deixar a coisa um pouco menos grosseira, e as passagens roteirizadas in-game, que ganharam novos contornos mantendo a direção, mas acrescentando coisas simples e corriqueiras de hoje em dia, como movimento labial nas conversas. A expressividade, se obviamente não é a mesma de jogos mais atuais, cumpre o seu papel e atende às demandas do que é proposto aqui.

As animações, porém, acabam ficando um pouco estranhas, já que para compensar as limitações faciais da época, os personagens mexem a cabeça para mostrar que estão falando (um artifício que, por exemplo, tokusatsus utilizam até hoje). Então eles falam com a cabeça “tremendo” mais do que se espera. Normal, mantém as animações originais, mas pode ser estranho para quem não considerar esse detalhe. Outro detalhe é que a localização é feita somente por legendas, e elas ainda carecem de alguns ajustes.

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Conveniências e (a falta de) reverências

Sem as limitações de espaço na memória para salvar o progresso e se aproveitando daquilo com o que nos acostumamos, o jogo abriu mão de espalhar cristais de salvamento pelo cenário e adotou um modelo muito similar ao que conhecemos como save state que, por exemplo, emuladores e coletâneas usam para jogos antigos. Isso significa que a qualquer momento você pode abrir o menu e salvar exatamente onde está. Para quem gosta de garantir que todo salto bem feito seja registrado, dá pra salvar a cada passo, se quiser.

Infelizmente, porém, o jogo não tem qualquer efeito de salvamento automático, então mesmo ao passar por pontos chave na trama — como vencer um chefão ou resolver um enigma — o jogador pode perder tudo se esquecer de salvar e cair no abismo mais próximo. Aprender a salvar sempre que achar conveniente é essencial para evitar repetições desnecessárias e, principalmente, retornos a pontos muito anteriores. Acredite: é frustrante realizar uma sequência de movimentos inacreditáveis para depois cair de uma beirada por problemas na câmera antes de guardar o progresso.

Análise Arkade: a nostalgia traiçoeira de Tomb Raider I-III Remastered
Análise Arkade: a nostalgia traiçoeira de Tomb Raider I-III Remastered

Senti falta também de alguns tributos e concessões para valorizar toda essa história. Essa coletânea é um documento histórico espetacular, e não ter uma galeria de artes conceituais ou outros registros históricos é um desperdício enorme. Não há qualquer base de dados para tocar as músicas originais, ou algo do tipo. Faltou apreço à importância desses títulos e aprofundamento no que eles representam.

Por outro lado, o modo foto é um deleite para os veteranos, mesmo que seja bem modesto na comparações com outros tantos. Poucas poses, sem filtros, e opções gráficas limitadas à parte, confesso ter investido mais tempo nisso do que acho razoável. Mas, enfim, Tomb Raider merece, e todo tempo usado nunca é gasto.

Conclusão

Tomb Raider I-III Remastered é (quase) tudo o que os fãs de longa data sonharam. É extremamente fiel aos títulos originais, a ponto de manter os jogos em si intactos, até em suas excentricidades. Cada canto, cada morcego, cada segredo está exatamente onde deveria estar. Suas atualizações gráficas servem não para fazer o jogo parecer atual, mas sim para que ele se tornasse aquilo que nossa nostalgia — sempre ela — nos fazia lembrar. Todas as adições foram precisas em manter a fidelidade e só dar um upgrade no que já não faz mais sentido nos dias atuais.

Análise Arkade: a nostalgia traiçoeira de Tomb Raider I-III Remastered

Sem elementos de celebração, a coletânea carece de um pouco mais de orgulho de si mesma, e faltou um pouco de desprendimento da equipe responsável para com as mecânicas originais sobretudo na manipulação automatizada e manual da câmera. Esse é o único aspecto onde uma relativa reformulação poderia ajudar a experiência original.

Por outro lado, manter trilha, animações, mecânicas, puzzles e efeitos sonoros são um sinônimo de respeito ao legado ímpar que estes jogos carregam. Jogadores mais jovens podem até estranhar alguns destes quesitos, mas espero que possam celebrá-los juntos com os fãs de longa data.

Em resumo, Tomb Raider I-III Remastered é a celebração de uma das páginas mais importantes da história dos videogames. E isso, meus amigos, não é pouco.

Tomb Raider I-III Remastered está sendo lançado hoje, 14 de fevereiro de 2024, para Nintendo Switch, PC, PlayStation 5 (versão analisada), PlayStation 4, Xbox Series X|S e Xbox One, totalmente legendado para o nosso português brasileiro.

Uma resposta para “Análise Arkade: a nostalgia traiçoeira de Tomb Raider I-III Remastered”

  • 15 de fevereiro de 2024 às 07:13 -

    Magrao

  • Desculpe ai pela minha opinião.
    Mais tanto jogo bom, e vão remasterizar os jogos mais bostas do 32 bits é sacanagem.

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