Análise Arkade – Trabalhar com educação não é fácil em Two Point Campus

17 de agosto de 2022
Análise Arkade - Trabalhar com educação não é fácil em Two Point Campus

Há cerca de um ano e meio, estávamos aqui falando sobre o marcante Two Point Hospital em sua Jumbo Edition, e naquela época não tive receios em afirmar que o game se tornara um dos melhores do gênero de simulação e gerenciamento de negócios do mercado. Os motivos eram muitos, incluindo o carisma daquele povo, a liberdade non sense em lidar com um tema comum e mundano e sobretudo a forma orgânica como todas as mecânicas do jogo funcionavam, mesmo quando transportado para os consoles.

Não vou esconder que assim que um novo jogo da linha Two Point foi anunciado fiquei interessado com o que eles poderiam fazer, agora com o planejamento desde a gênese do projeto pensando consoles também. Chegamos a Two Point Campus, jogo de gerenciamento de uma universidade e suas diversas unidades, e como profissional da área na vida real, posso dizer que fico muito contente em dizer que o jogo é uma evolução, em todos os aspectos, do que fora entregue antes, incluindo a necessidade de lidar com perrengues e apertos típicos da área.

Análise Arkade - Trabalhar com educação não é fácil em Two Point Campus

Faça o seu caminho

Não há, como já se poderia esperar, uma história propriamente dita sendo contada, ainda que a linha narrativa esteja bastante evidente no principal modo de jogo, uma espécie de carreira administrativa. O jogador é apresentado a uma série de instalações cujo objetivo é transformá-las em campi universitários de uma instituição bem sucedida e, principalmente, sustentável. A bem da verdade, cada nova incursão apresenta tipos de tarefa possíveis para que compreendamos os principais mecanismos do jogo, e assim termos a competência de fazer tudo funcionar em consonância com os nossos objetivos e, claro, dos nossos estimados estudantes.

A organização de missões dentro de cada fase é muito bem engendrada com o todo. Cada nível de evolução é simbolizado por uma estrela, e cada fase oferece desafios compartimentalizados para três delas, além de permitir que continuemos cuidando daquele campus ao nosso bel prazer. O nível base relativo à primeira estrela é basicamente um tutorial sofisticado que, ao ser vencido, já libera a próxima localidade. Ou seja, podemos tanto nos manter no mesmo lugar buscando a pontuação máxima quanto partir para a próxima tela em branco e, quem sabe, voltar depois para continuar de onde paramos.

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Essas tarefas que compõem os desafios são bastante diversificadas e vão do básico “construa X salas de aulas particulares” ou “tenha Y funcionários” até os mais complexos “atinja Z% de atratividade” ou “consiga W alunos com nota B+”. No primeiro caso, o objetivo é claro e depende simplesmente de selecionar a construção e alocá-la, desde que, claro, se tenha espaço e dinheiro para isso. No segundo, porém, são metas indiretas, que resultam de uma série de ações em cadeia, e mesmo algumas demandando um bom esforço de planejamento, são as mais satisfatórias de se alcançar.

Por exemplo, para que os alunos tenham boas notas, não basta dar aulas, é necessário que eles tenham dormitórios adequados, que consigam se alimentar bem, que seus professores sejam qualificados, que estruturas complementares como bibliotecas e laboratórios sejam bem equipados, que a organização do prédio facilite o trânsito de uma instalação para outra, etc. Nada mais lógico, claro, porque cuidar de pessoas não é algo cartesiano, e gerir um curso demanda cuidar de diferenças e variações. Você pode ter, no mesmo curso, alunos exemplares e satisfeitos e outros que tem muitas dificuldades e que podem até desistir da faculdade. Se não é possível agradar a gregos e troianos (ou nesse caso, palhaços e cozinheiros), que se encontre um bom meio termo para todos.

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Fazer o que deve ser feito

Ainda que o jogo ofereça um nível de liberdade bastante exemplar, a máxima que se ouve o tempo todo aqui no mundo de verdade também vale em Two Point Campus: autonomia não significa fazer qualquer coisa. Há dois modos principais no jogo, sendo um deles o já explicado com missões roteirizadas e encadeadas em uma campanha linear, e o outro é um indispensável sandbox onde podemos escolher cenário e nível de desafio e dificuldade que melhor se adaptem às nossas expectativas. Há, por exemplo, a opção criativa que oferece mais dinheiro e recursos liberados para que se faça aquilo que quisermos sem amarras, e a opção de desafio que impõe uma série de obstáculos que demandam criatividade e gerenciamento justo e apertado.

De qualquer forma, nossos superiores – sejam eles os donos da faculdade, sejam representantes do poder público, como o ministério da educação – nos apresentam uma infinidade de demandas e requisitos para que tudo continue fluindo e funcionando. Por exemplo, para se ter um curso de Cavalaria, é obrigatório que se construa campos de treino em combate, campos de justa, além dos esperados auditórios gerais, bibliotecas e tudo mais. O tio Ben (ou a tia May se você preferir) nos dariam ótimos conselhos sobre responsabilidades que valem bastante para este jogo. Quer oferecer uma graduação? Pois bem, vá em frente, mas lide que as consequências.

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Contudo, não é só de requisitos básicos que se vive, e ao longo do caminho novas tarefas serão oferecidas, e seu cumprimento recompensado. Quer que os alunos se sintam mais satisfeitos? Que tal criar clubes para que eles participem nas horas vagas? Estão com fome? Crie áreas de recreação com lanchonetes e máquinas automáticas de comida. E que tal criar um centro acadêmico para festas? Porque não uma piscina no meio do gramado para os dias quentes? E para fomentar o romance jovem, balanços do amor funcionam muito melhor do que bancos de madeira.

O certo é que, tal como se espera de um bom administrador, cuidar de uma escola – mesmo de nível superior – é muito mais do que construir prédios que comportem o número de pessoas que se tem em mãos, ou pagar o salário dos funcionários contratados e há uma necessidade de sentir o que pode contribuir para os seus objetivos. Pedidos diretos são comuns, como “faça uma festa na sala dos estudantes”, mas compreender os efeitos de coisas assim permite que pensemos nisso antes mesmo de ser um problema. Por mais objetivo que seja um jogo do tipo, ter sensibilidade para cuidar dessas pessoas é algo muito bem-vindo aqui, não só pelos resultados na premiação de final de ano, mas também para a sensação de imersão e de pleno controle da situação.

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O simples e o sofisticado

Obviamente, para qualquer um que conheça a série ou que já tenha visto algum trailer do jogo, nada aqui é muito comprometido com uma pretensa realidade. Cursos como o de Artes Trevosas ou de Escola de Espionagem não são bem o que se espera de uma universidade e, exatamente por isso, a liberdade criativa presente no jogo é tão divertida quanto curiosa. Referências à cultura pop, claro, estão presentes por toda parte, e mesmo os mais desatentos não passarão sem perceber obviedades como o campus Grãfinória fazendo alusão a uma certa casa em escolas de magia famosas por aí.

Esse tom leve e bem humorado permeia toda a produção, o que também significa não abusar de mecânicas sisudas e desproporcionalmente complexas vistas em outras produções modernas. Por isso mesmo, não espere passar horas ajustando centavos, decidindo a cor da salsicha vendida na lojinha ou coisas do tipo, e há um certo grau de automatização em várias tarefas diárias que aliviam as coisas para n´ós, jogadores. Se você tem zeladores bem treinados em manutenção predial, por exemplo, confie que eles farão o trabalho quando for necessário. Se temos uma invasão ao campus, deixe que seus seguranças usem suas armas (d’água) para afastar os malfeitores.

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Isso não significa, claro, que o jogo se torna fácil ou raso por conta disso. Ter pessoal bem preparado para os desafios do dia a dia significa criar condições positivas para isso. Contratar professores é necessário, e ter uma sala de treinamento que exercite – literalmente – o cérebro deles para que ampliem suas capacidade é uma forma muito promissora de aumentar suas chances de sucesso no ensino. Um bom gestor, portanto, não vai ficar por aí arrumando privadas em cada banheiro, mas sim criar condições para que isso seja feito com qualidade e agilidade.

Talvez o maior trunfo do jogo seja, de novo, ser muito prático mesmo nos controles de mão, algo que é sempre um grande desafio para jogos do gênero. Com menus muito intuitivos e bem organizados, Two Point Campus é muito prático e confortável e mesmo quando precisa ser um pouco mais burocrático, o faz de forma que não seja pesado para o jogador. Há um ou outro enrosco em certos níveis de edição e correção de inconsistências, mas nada que não se possa aprender a contornar. No plano geral, é das melhores experiências para esse tipo de jogo que já tive, independentemente da plataforma.

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Aardman reecontra Doctor Seuss

Vou me permitir soar repetitivo aqui, já que a sensação de estar jogando uma versão moderna desse encontro entre as texturas e animações do renomado estúdio britânico responsável por Wallace & Gromit e A Fuga das Galinhas com a peculiaridade dos povos retratados em obras como Horton No Mundo dos Quem é algo muito presente. Não só mantenho aqui minhas percepções do game anterior como as reforço: visualmente, temos um apuro gráfico ainda mais impressionante, sobretudo na versão para a nova geração, que valoriza tudo o que de melhor há nesse mundo.

Há detalhes impressionantes em cada canto do jogo, e não à toa o nível de atratividade é algo tão bem quisto na produção. Afinal, cada modelo de sofá agrega diversidade, cada cartaz ou banner muda um ambiente e diferentes móveis fazem da reprodução em escala algo menos repetitivo. Mais do que nunca, vale muito a pena aproximar a câmera em um zoom máximo para poder contemplar os mínimos detalhes da nossa criação. Não recomendo que se faça isso, porém, em banheiros ocupados que, por mais que quadriculem de forma bem humorada aquilo que não deve ser visto, continuam não sendo a coisa mais sedutora de se assistir.

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Por sua vez, o trabalho com a sonoplastia do game é outro grande acerto da produção, muito por conta do humor escrachado, mas muito bem organizado em uma mixagem competente, e da sonorização de cada ambiente que mesmo cheio de coisas acontecendo ao mesmo tempo não vira um amontoado de ruídos. Nos anúncios nos autofalantes espalhados pelo campus há uma série de falas absurdas e cheias de acidez que fazem de cada entrada um bom motivo para se prestar atenção. A localização de legendas é ótima não só para essas falas como também para todas as mensagens e solicitações, e a tradução da interface brilha ao adaptar bem para o nosso idioma vários termos do jogo. Um belo exemplo de que, se não há como dublar o jogo, que se faça um bom trabalho com os textos.

Tecnicamente, o jogo ainda tem alguns delays e quedas de frames em momentos chave, como por exemplo a a virada de um ano letivo para outro. Ainda que seja um jogo de simulação onde um engasgo aqui e outro ali não influenciam em nada na jogabilidade, é algo a se notar. Passear com a câmera baixa também pode causar um ou outro tropeço. Também não há um uso muito criativo dos recursos do DualSense e dos aspectos táteis, algo já esperado devido ao tipo de jogo. Alguns bugs em menus acabaram rolando ao longo desse período de lançamento, mas é tipo de detalhe que deve ser corrigido em qualquer patch de atualização e em nada desmerece o produto final.

Análise Arkade - Trabalhar com educação não é fácil em Two Point Campus

Conclusão

Two Point Campus é mais um grande acerto da desenvolvedora, que acaba estabelecendo um padrão alto para si mesma ao melhorar tudo o que de melhor entregou em Hospital. Ainda que não traga mudanças artísticas substanciais, ele sedimenta uma identidade muito própria e, felizmente, ela é cheia de carisma e se destaca dentro do nicho.

Suas mecânicas são equilibradas e muito bem pontuadas para tornar o jogo, ao mesmo tempo, acessível e sofisticado. Ao não ser exageradamente punitivo e permitir que deslizes sejam corrigidos, há poucos momentos onde se pode cair num ciclo vicioso de despesas maiores que as receitas, o grande pesadelo de qualquer administrador virtual (e real também) e mesmo exigindo certa responsabilidade de gestão, não deixa de dar espaço para a criatividade, a experimentação e uma certa dose de ousadia.

Análise Arkade - Trabalhar com educação não é fácil em Two Point Campus

Simulações de negócios sofrem de um mal crônico de distanciamento e impessoalidade, o que faz de seus cidadãos meras peças massificadas em um tabuleiro digital. Ao flertar com a caricatura, esse jogo consegue fugir desta armadilha e nos aproxima empaticamente das pessoinhas de quem cuidamos, algo essencial para que nos importemos com o micro tanto quanto com o macro. Se queremos passar dezenas de horas com elas, isso é essencial.

Two Point Campus foi lançado em 09 de agosto de 2022 para PCs, Playstation 5, Playstation 4, XBox One, XBox Series X|S e Nintendo Switch. Como destacado, o jogo está localizado para o nosso bom e velho português brasileiro em textos, legendas e menus.

Uma resposta para “Análise Arkade – Trabalhar com educação não é fácil em Two Point Campus”

  • 19 de agosto de 2022 às 00:51 -

    Helinux

  • Valeu galera do Arkade!!!!

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