Análise Arkade – The Dark Pictures Anthology: The Devil in Me encerra a temporada no auge

26 de novembro de 2022
Análise Arkade - The Dark Pictures Anthology: The Devil in Me encerra a temporada no auge

A esta altura, não é segredo para ninguém que temos acompanhado com muita atenção o trabalho que a Supermassive Games tem feito nos últimos anos em propor experiências narrativas com forte apelo no horror de gênero, a se destacar o subestimado Until Dawn, o surpreendente The Quarry e, principalmente a iniciativa The Dark Pictures e sua primeira temporada com quatro jogos independentes entre si, além de uma segunda já anunciada.

Depois de Man of Medan, Little Hope e House of Ashes, chegou o momento de falarmos sobre The Devil in Me, game que fecha essa primeira leva. Desta vez, a proposta é explorar (ou subverter) os clichês de dois formatos já bastante sedimentados na cultura pop, que é o terror de casa amaldiçoada, ainda que aqui o elemento sobrenatural típico dê lugar ao fator tecnológico; e principalmente o horror de sadismo, onde um maluco desocupado atormenta e tortura pessoas só porque sim.

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O bom e velho terror de gênero

Ainda que essas definições reduzam (e muito) os principais aspectos destes sub-gêneros, ambos são facilmente reconhecíveis por qualquer fã de um bom susto seja pela memória coletiva de obras clássicas, seja pela repercussão e popularidade de filmes mais recentes que se apoiam em premissas bastante simples, nem sempre verossímeis, mas que rendem uma infinidade de possibilidades criativas de, bem, se matar alguém do jeito mais improvável e criativo possível.

Na trama, uma equipe de produção audiovisual liderado pelo diretor Charlie Lonnit, ainda sentindo os efeitos de um fracasso recente, é convidado para gravar um novo documentário sobre o infame (e real) H.H. Holmes, talvez o pior dentre todos os serial killers da história norte-americana. O responsável pelo convite é um homem misterioso chamado Granthem Du’Met, admonistrador de uma mansão que foi construída como réplica do Murder Castle, hotel onde o assassino original praticou grande parte de seus crimes conhecidos.

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Desenvolvido como uma aventura interativa típica, o jogo se dedica, em seu primeiro terço, a apresentar os personagens e nos guiar a estabelecer nossas relações pessoais dentro do grupo, sedimentando personalidades e nos levando a desenvolver empatia (ou repulsa) por um ou por outro. Esta fase de introdução é pautada por alguns sustos fáceis, quests relativamente desimportantes (como encontrar um maço de cigarro) e outros artifícios que servem muito mais para que entendamos a dinâmica do jogo e aquilo que, mais adiante, será cobrado como algo que aí sim irá definir o destino de cada uma destas pessoas.

Quem já experimentou qualquer um dos jogos da desenvolvedora não terá qualquer tipo de estranheza em Devil in Me, e os comandos se mantém basicamente os mesmos para explorar o ambiente, interagir com o cenário, realizar escolhas de diálogo, de comportamento e reagir com os famigerados quick time events. Para ser sincero, o jogo demora um pouco a engrenar exatamente por estar reapresentando uma jogabilidade que, além de simples, repete tudo o que já vimos antes, algo que se faz necessário para novatos na franquia, mas um tanto quanto modorrento para a grande maioria dos jogadores que já vem de outras produções.

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E já que a estrutura narrativa se apropria dos conceitos tradicionais do cinema, o segundo terço, dedicado ao desenvolvimento, centra-se em aprofundar os relacionamentos e elevá-los aos extremos pela tensão e pela sensação de perigo onde nenhum deles parece estar a salvo. Como já é de praxe na franquia, algumas escolhas difíceis são cobradas do jogador, invertendo várias das verdades pré-estabelecidas. Vale a máxima de se decidir por um padrão de comportamento porque inconsistências normalmente acabam resultando em consequências pesadas. Eu sigo a lógica de seguir um perfil diferente para cada um deles e fazer escolhas seguindo sua lógica. Funciona? Depende. Na primeira run perdi quase todo mundo. Mas foi de forma coesa, ao menos.

O terceiro ato é, enfim, o das definições, com algumas reviravoltas nem sempre tão óbvias quanto se espera de produtos assim, o que é ótimo. E, na comparação com os seus antecessores, este é talvez o ápice da maturidade narrativa da série, com arquétipos ainda convencionais, mas bem construídos; e um ótimo ritmo crescente que, se acaba demorando um pouco por conta de tutoriais e criação do clima, engrena bem e segue em alto nível até o final, mesmo com esta entrada sendo a mais longa dentre seus pares, chegando a 6, até 7 horas na primeira jornada. Se Little Hope não sabia o que fazer depois de apresentar suas cartas e House of Ashes foi instável no miolo, Devil in Me, mais modesto e contido em escala, é mais redondinho no conjunto da obra.

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Jogo assistível ou filme jogável

Para os detratores ou defensores de experiências narrativas interativas que seguem na esteira de Telltale Games e Quantic Dream, uma notícia não muito boa: The Dark Pictures Anthology: The Devil in Me não reinventa a roda e se mantém fiel a todas as características que fizeram desta antologia aquilo que ela é. Não só pelo estilo que já é de pleno domínio de seus idealizadores, mas também para manutenção de uma linha de coerência para este produto que, no final das contas, faz parte de uma coleção.

Portanto, há uma exploração razoável do ambiente em busca de colecionáveis – há um conjunto de moedas, pistas contextuais, gravações e documentos que expandem o entendimento do passo e as já tradicionais premonições baseadas em objetos cênicos – mas em um formato extremamente linear; a ação se dá pela interação com pontos de interesse e, quando muito, por meio de botões de reação, os já citados QTEs; e decisões significativas baseadas em diálogos e escolhas bifurcadas.

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Há novidades interessantes e pontuais, como habilidades especiais que cada personagem carrega consigo, como por exemplo aquele que pode abrir fechaduras simples porque carrega um cartão adequado, ou outro que pode usar um microfone com sensor de fonte para captar a direção de ruídos. Esses instrumentos especiais estão todos mapeados no direcional digital d-pad e são bem úteis, principalmente quando o próprio jogo não entrega o spoiler do que pode ser usado em determinado momento. A descoberta de como solucionar os puzzles é sempre satisfatória quando não somos subestimados e guiados como incapazes, e alguns são tão bem orquestrados que o fracasso sempre irá pesar sobre nós com aquele pensamento de “como foi que eu não percebi isso a tempo?“.

No mais, tudo se mantém como sempre foi, com mecânicas claras e explícitas sobre causa e consequência – o jogo faz questão de dizer que você decidiu algo lá atrás e isso resultou em uma conclusão direta – e uma exploração limitada. A movimentação é, certamente, o aspecto que eu menos gosto no jogo, como já não gostava antes, já que é robótica, lenta e bem enroscada em termos de colisão e mudança de direção. Não foi uma vez só que fiquei preso em um canto simplesmente porque o NPC que me acompanhava travava o caminho e não saia nem por decreto e funcionava como uma verdadeira parede rígida, por exemplo.

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Também pode incomodar a burocracia na interação com certos documentos e objetos, onde o jogo tenta forçar uma maior complexidade de comandos e só resulta em botões pressionados a mais. Um simples recorte de jornal no chão pede que se acione a interação, depois se pegue o papel com outro botão, aí é necessário virar para ler o que está atrás, e para sair, lá se vão mais três botões de retorno e uma animação lenta e cansativa. Para coisas com níveis de interação, como girar uma maçaneta ou direcionar um dispositivo, isso funciona bem, mas na maioria do tempo, quando algo é simples e objetivo, isso acaba se tornando um enrosco levemente irritante.

De modo geral, é um jogo bastante acessível, mesmo em seu nível de dificuldade mais elevado, já que a estrutura ramificada prevê falhas, erros e lapsos, e para manter todo mundo vivo – principalmente os seus favoritos – toda atenção e velocidade de resposta será necessária. Para quem quer só realmente curtir a história sem passar qualquer perrengue, há um jeito fácil de jogar – que aumenta tempo de reação e diminui exigências como um todo – e há ainda opções que favorecem jogadores menos experientes ou com qualquer dificuldade motora, como o uso de apenas um botão de ação ou eliminação completa do tempo de resposta. Na prática, é um jogo que pode ser aproveitado pelos mais experientes no gênero ou mesmo por qualquer novato que tenha interesse.

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Realismo perturbador

Se ainda estamos longe de superar os limites do vale da estranheza, Devil in Me se esforça ao trazer modelos fiéis aos atores e atrizes que estrelam a produção, com alguns detalhes realmente impressionantes, que podem ser apreciados em close-ups e planos mais lentos. Movimentos de lábios e olhos estão mais naturais na comparação com os jogos anteriores, mesmo que algumas expressões e animações pareçam esquisitas e teatrais. Há um ou outro probleminha de flick, aquele pequeno bug na transição de uma cena para outra, mas nada que realmente incomode. Como um todo, as personagens seguem um padrão realista e cumprem seu papel na maioria do tempo.

Ajuda o fato de serem nomes já acostumados com a atuação com experiência em produções live action, o que significa que a atuação na voz esteja bem acima da média, considerando as excentricidades do gênero. A ambientação sonora também se destaca com belas entradas pontuais de uma trilha medonha, ruídos por todos os lados que podem denunciar perigos ou só distrair os desavisados, e a soma de tudo isso é o estabelecimento perene de uma bela atmosfera de tensão crescente.

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Entretanto, novamente o maior destaque artístico da obra segue sendo seus cenários extremamente detalhados, com um belo trabalho de direção de arte tanto no estabelecimento da premissa de época, reproduzida na modernidade com a recriação deste estabelecimento típicos da metade do século XX, quanto na representação audiovisual de dispositivos e traquitanas, digamos, pouco ortodoxas. Se os ambientes ao ar livre são menos inspirados, os internos, presentes em 80% do jogo, brilham, potencializados por uma iluminação inspirada e ousada, que nos deixa no escuro grande parte do tempo mas que quando se destaca, se torna parte do discurso.

É, em outras palavras, um jogo lindo e muito bem trabalhado em seu aspecto audiovisual, e mesmo com alguns engasgos aqui e outras arestas ali, cumpre bem a sua proposta ao estabelecer um clima imersivo que potencializa o envolvimento e o apego não só com os cinco protagonistas centrais, mas com todos à sua volta, dando mais peso às escolhas e, principalmente, às suas consequências.

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Conclusão

The Dark Pictures Anthology: The Devil in Me é, parece-me, o melhor dentre todos os quatro episódios da antologia, trazendo uma narrativa melhor amarrada e mais contida – inclusive na questão da fantasia e do sobrenatural – na comparação com as demais e, assim, com mais controle de ritmo e de escala da ação. Além disso, mantém o nível de interatividade nos mesmos padrões anteriores com alguns ajustes e melhorias, e visualmente se aproveita bem do potencial da nova geração.

Ainda não é perfeito, claro, com algumas escolhas claramente menos significativas para o resultado final do que deveriam, movimentação travada mesmo para o gênero e pequenos tropeços técnicos, estes menos importantes porque devem ser corrigidos em atualizações de rotina. Ainda gostaria de ver, ao menos na versão de Playstation 5, um uso mais criativo dos recursos táteis do DualSense, que limita-se a tremer em certos momentos de tensão e dar alguns sinais em momentos de escolha para que fiquemos atentos, ou ainda quando é necessário controlar a respiração.

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Dito isso, é uma proposta segura e bem executada para fãs de terror, principalmente para aqueles que se divertem com as armadilhas bizarras de franquias como Jogos Mortais e afins. Ao mesmo tempo deve ficar longe do radar de quem não gosta desse formato de jogo e das pessoas mais sensíveis à violência gráfica. Mais do que sustos baratos e gratuitos – e jump scares são parte da estratégia do jogo – Devil in Me choca e não tem medo da exposição do sadismo. Para quem já acompanha a série, portanto, não há nenhuma surpresa em termos de formato, mas há a satisfação deste season finale fazer melhor o que todos os outros desenvolveram.

The Dark Pictures Anthology: The Devil in Me, desenvolvido pela Supermassive Games e distribuído pela Bandai Namco, foi lançado em 18 de novembro de 2022 para PC, PlayStation 5, Xbox One, Xbox Series X/S e PlayStation 4, com legendas localizadas para o português brasileiro.

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